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Na Transfiguração, um auxílio para suportar a cruz

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As graças místicas não são dadas com a finalidade de estabelecer uma existência agradável nesta Terra, mas para que tenhamos forças para enfrentar os embates da vida.

Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo - Basílica Nossa Senhora do Rosário, Caieiras (Brasil). Foto Lucio Cesar Rodrigues Alves

Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo – Basílica Nossa Senhora do Rosário, Caieiras (Brasil). Foto Lucio Cesar Rodrigues Alves

Redação (16/03/2025 10:26, Gaudium Press) Ao longo de todo o período da vida pública de Nosso Senhor transcorrido até o episódio narrado no Evangelho deste Segundo Domingo da Quaresma, os Apóstolos estavam acostumados a vê-Lo realizar os mais estrondosos milagres. Tais prodígios atestavam, de forma clara, a divindade de Cristo,[1] e sua onipotência seria manifestada ainda com maior esplendor na instituição da Eucaristia. Ao mesmo tempo, Ele acabava de revelar sua próxima Paixão, que traria uma terrível prova: depois de comungarem pela primeira vez, os Apóstolos O veriam preso, julgado, flagelado, coroado de espinhos, carregando a Cruz às costas e crucificado.

Como seria possível aos mais próximos seguidores do Divino Mestre que, presenciando esses padecimentos, continuassem a crer na ressurreição ao terceiro dia? Que faria Ele, em sua infinita sabedoria, para manter acesa a fé dos Doze em meio à tormenta que já se delineava no horizonte?

Jesus revela no Corpo a glória de sua Alma

“Naquele tempo, Jesus levou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezar. Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante” (Lc 9,28-29).

Tendo em vista prepará-los para os acontecimentos que viriam, Nosso Senhor chamou os três Apóstolos com quem tinha maior familiaridade e os levou ao Monte Tabor. Eles, depois, deveriam fortalecer os outros, narrando-lhes o que testemunhariam.

Embora a oração ocupe um lugar primordial na vida do Mestre, esta não foi seu único objetivo com a subida à montanha. Mais do que isso, pretendia mostrar quem realmente era, conforme ressalta Maldonado: “Cristo costumava subir aos montes para orar, onde a solidão é maior e mais livre é a contemplação do Céu. Não se deve concluir das palavras de Lucas, entretanto, que Cristo subiu só com o propósito de orar, mas que, conforme seu costume de rezar nos assuntos árduos, quis fazê-lo desta vez antes de manifestar a sua glória. […] Não nos esqueçamos, também, que na maior parte das vezes a glória de Deus se manifesta nos montes, que estão mais próximos do Céu e mais afastados da Terra, e não nos vales”.[2]

Esta exteriorização da glória divina é um fenômeno que revela o verdadeiro estado da Alma de Jesus, a qual, criada na visão beatífica, possuía desde o primeiro momento da Encarnação o grau supremo da graça capital. Esta é assim denominada por ser Ele a cabeça do Corpo Místico e a origem da graça da qual vive a Igreja.[3]  Sua Alma sempre esteve na contemplação de Deus face a face[4] e, por isso, o normal seria que seu Corpo fosse visto habitualmente em estado glorioso, como um espelho da beatitude de seu espírito, tal como se manifestou no Tabor, à vista de São Pedro e dos filhos de Zebedeu.[5] Foi só por amor a nós que Nosso Senhor quis revestir-Se das características do corpo padecente para operar a Redenção.[6] Então, por certo prisma, o verbo transfigurar não define com exatidão o que se passou, pois, na verdade, Cristo fez cessar a subfigura em que vivia.

No que se refere a alguns outros momentos de sua vida pública, podemos supor que Ele assumiu apenas alguns dos atributos do corpo glorioso, como, por exemplo, quando saiu livremente entre aqueles que o queriam jogar precipício abaixo em Nazaré ou quando andou sobre as águas do Mar de Tiberíades.[7]

A tentação de uma vida sem esforço

“Pedro e os companheiros estavam com muito sono. Ao despertarem, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com ele. E quando estes homens se iam afastando, Pedro disse a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Pedro não sabia o que estava dizendo” (Lc 9,32-33).

Tomadas pelo torpor — pormenor surpreendente —, as três testemunhas encontravam-se dormindo no início da divina manifestação. Tal sono é simbólico, pois sempre que a cruz, o esforço e o sacrifício nos são apresentados, somos tomados pelo tédio, em consequência de nossa débil natureza humana. Isso também aconteceu, mais tarde, no Horto das Oliveiras, quando os três sucumbiram ao cansaço, na iminência da Paixão, deixando Nosso Senhor sozinho ante o sofrimento (cf. Mt 26, 40). Acordados inesperadamente, ainda sob os efeitos do sono e surpresos pela intensa luminosidade que tinham diante de si, ficaram deslumbrados, a ponto de São Pedro não atinar com uma reação à altura do que se estava passando. Na realidade, com suas palavras ele manifestava, talvez sem plena consciência, certa má tendência de fundo de alma. Arrebatado por ver aquela maravilha, logo quis aproveitar-se dela, demonstrando o desejo de viver ininterruptamente sob o influxo da glória do Mestre. Ele via no usufruto desse gozo a obtenção da felicidade, e se não pediu para fazer três tendas quando o Senhor anunciou a Paixão, não hesitou em fazê-lo nessa hora. Pedro imaginava que já tivesse chegado ao fim do bom combate, quando havia ainda um longo caminho a ser percorrido. Via talvez, na presença de dois varões da estatura de Moisés e Elias, quão fácil seria dotar de supremacia o povo judeu sobre todas as outras nações da Terra. Faltava ao chefe da Igreja aprender que, antes da obtenção dos frutos da promessa, deve-se trilhar o percurso que a eles conduz, conforme o exemplo dado pelo Redentor.

As consolações nos sustentam rumo à vitória final

A Liturgia deste domingo nos ensina que as graças místicas recebidas por nós no decorrer da vida espiritual não nos são dadas com a finalidade de estabelecer uma existência agradável nesta Terra, na qual gostaríamos de montar uma tenda para permanecer em estática contemplação, mas para que, através delas, tenhamos forças para enfrentar os embates da vida em vista do fim para o qual fomos chamados. Na verdade, a via mística é uma prefigura da bem-aventurança eterna, e não um gozo da vida terrena. A felicidade neste mundo decorre da luta contra o mal existente dentro e fora de nós e, sobretudo, da luta pela glória de Deus, de modo que essas consolações nos são oferecidas para alimentar a virtude da esperança.

Ressaltando a importância de tais graças, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira afirma que elas “são uma espécie de prenúncio da visão beatífica no Céu, e têm por efeito fazer com que as nossas almas fiquem muito mais abertas à compreensão sobrenatural, à compreensão do maravilhoso, ao desejo das grandes coisas, dos grandes feitos, dos grandes lances”.[8] Por esta razão, estejamos atentos às manifestações divinas em nossa vida, dissipando qualquer torpor que nos impeça de percebê-las e crescendo na certeza de que, após as lutas passageiras da vida terrena, aguardam-nos as alegrias do convívio eterno com Deus, para o qual fomos chamados. No Céu, onde não será necessário armar tendas, nossa morada é preparada pelo Divino Mestre para fazer perdurar eternamente as alegrias de sua esplendorosa Transfiguração!

Extraído, com alterações, de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 5, p. 203-209.


[1] Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, III, q. 43, a. 4.

[2] MALDONADO, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelio de San Mateo. Madrid: BAC, 1950, v.I, p. 607-608.

[3] Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, III, q. 8, a. 1.

[4] Cf. Idem, q. 9, a. 2.

[5] Cf. Idem, q. 45, a. 2.

[6] Cf. Idem, q. 14, a. 1, ad 2.

[7] Cf. Idem, q. 45, a. 1, ad 3.

[8] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 19 nov. 1989.

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