Em seu blog L’Espresso, Sandro Magister analisa os riscos de um processo de “personalização do papado”.
Redação (29/06/2021 18:47, Gaudium Press) Na última edição de seu blog L’Espresso – amplamente lido no meio italiano –, Sandro Magister analisa o que ele enuncia como os riscos de uma personalização do papado.
Magister comenta um artigo de Leonardo Lugaresi, no qual este autor fala da chamada “crise dos carismas”, ou seja, vários casos em que houve uma “apropriação do carisma” dado por Deus a uma comunidade. Apropriação caracterizada por “personalismos, centralização de funções, bem como expressões de autorreferencialidade, que facilmente provocam sérias violações à dignidade e liberdade pessoais, e, inclusive, verdadeiros abusos”, conforme definido na nota explicativa que acompanha o recente decreto do Dicastério para os Leigos sobre a rotação nos órgãos de governo das Associações dos Fiéis reconhecidas pela Santa Sé.
Um problema de maior atenção se for em relação à Igreja Universal
Mas cuidado, adverte também Lugaresi, pois “na atual situação eclesial, o problema da personalidade parece afetar também diretamente a instituição da Igreja, ou seja, precisamente esse polo que, por sua natureza, deveria estar em tensão benéfica com os carismas pessoais”.
Seria algo como uma personalização do carisma universal da Igreja, pois “na Igreja, há algum tempo, está sendo realizado um processo que poderíamos denominar de personalização do papado”, algo que é “considerado providencial” por muitos, mas do qual “agora também se percebem melhor os aspectos negativos”.
Uma personalização do papado que consiste em prevalecer a “percepção dos fiéis – mas também o estilo de exercício da autoridade pontifícia, os elementos da personalidade daquele que é titular ‘pro tempore‘ – sobre seu peso institucional que, por outro lado, é independente da pessoa que cada vez o carrega em seus ombros”. Algo como Ubi Petrus, ibi Ecclesia (Onde (está) Pedro aí (está) a Igreja), mas que muitos entendem que só esse Petrus é a Igreja.
“Em termos mais simples, isso significa que, a essas alturas, para quase todos nós, Francisco, Bento, João Paulo, ou qualquer outro são muito mais importantes do que a função do papa como tal”, declarou Lugaresi.
Este autor acredita que esse processo de uma “evolução personalista” do papado pode ter começado com o Beato Pio IX. Pode-se facilmente lembrar a expressão de Dom Bosco, que pediu aos seus birichini para não gritar ‘Viva Pio IX’, mas “Viva o Papa”.
Uma personalização do papado, na qual é a personalidade do pontífice reinante “que fica em primeiro plano”, em vez de sua missão como sucessor de Pedro.
A midiatização da experiência do Papa
Lugaresi considera que nesse processo “desempenhou um papel decisivo” um fenômeno que ele classifica como “midiatização da experiência”, entendido como a forte exposição experimental que a mídia desenvolve junto ao público em geral, incluindo os católicos, da figura do sucessor de Pedro reinante. Mas esse fenômeno hoje pode ser extremo:
“A tensão fisiológica entre a dimensão institucional da autoridade e a personalidade do sujeito que a exerce ‘pro tempore’, que sempre existiu, na atual sociedade é exasperada (e em parte também deformada) pelo sistema de comunicação midiática, que realça, amplifica e deforma a personalidade do líder e o torna ilusoriamente próximo e familiar ao povo, projetando sua imagem na tela de representação pública que oculta sua função institucional. Todos pensam que o conhecem, ou até mesmo é da família, por tê-lo visto inúmeras vezes na tela; mas ainda mais por tê-lo visto falar e agir segundo um estilo comunicativo criado especificamente para dar – à distância! – a impressão de que se dirige a cada um de nós, como em uma relação de proximidade”, sublinha Lugaresi.
Essa facilidade de exposição midiática da figura do papa do momento, ao mesmo tempo em que é uma “inegável oportunidade pastoral”, pode levar a um “problema para a Igreja” na mente de Lugaresi, porque “a personalidade – qualquer personalidade! -, em sua função de instrumento de transmissão do anúncio cristão (ou seja, como uma vasilha de barro que contém um tesouro, segundo a conhecida metáfora de São Paulo), só pode ser uma ajuda para alguns e um obstáculo (ou pelo menos não uma ajuda) para outros”.
Uma personalização do carisma em uma comunidade, com os riscos acima observados, é, no entanto, menos complicada do que quando essa personalização afeta toda a Igreja na pessoa do Papa, pois o fiel pode ou não aderir a um carisma, enquanto que as “estruturas hierárquicas” ligadas ao papado “preocupam e governam todos, e ninguém pode ignorá-las impunimente”, e por outro lado, ela [a Igreja] também não pode deixar de se encarnar em pessoas; cada uma com sua própria personalidade”.
Não é igual a um pároco que tem uma personalidade transbordante
“Enquanto permanece nos níveis inferior e intermediário, o inconveniente constituído por uma personalidade – que ofusca sua própria função institucional de uma forma não positiva para a fé dos outros – pode ser resolvido com relativa facilidade, em virtude da liberdade concedida aos fiéis. Se, por exemplo, a personalidade transbordante do meu pároco não é uma ajuda, mas um obstáculo ao meu caminho de fé, nada me impede de ir a outra paróquia.”
“Mas com o papa, obviamente, tudo isso não funciona, porque papa há apenas um (mesmo agora, por mais que alguns mal informados digam!) e é para todos. Que ele tenha uma personalidade, como todo mundo, é natural. Mas que, no exercício concreto da função petrina, nos últimos cento e cinquenta anos, por uma série de razões que não é possível aprofundar aqui, o peso da personalidade pontifícia vem crescendo até se tornar predominante, como é hoje, não acho que seja bom”. Lugaresi conclui com esses pensamentos, pois considera que não pretende “esclarecer um problema tão delicado e complexo”, mas quer levantá-lo. (Gaudium Press / Saul Castiblanco).
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