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Uma lei que pode mudar nossa sociedade

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“Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Eis o mandamento que Nosso Senhor nos dá na Liturgia de hoje. Como entendê-lo profundamente? Como praticá-lo?

FARISEUS Cristo discute com os fariseus 696x395 1

Redação (29/10/2023 09:14, Gaudium Press) No Evangelho de hoje, contemplamos um fato que se repetiu inúmeras vezes ao longo da vida de nosso Senhor: Ele foi posto à prova pelos que O odiavam. Já no domingo passado, com a mesma intenção, perguntavam-Lhe se era lícito ou não pagar o imposto a César (cf. Mt 22,15-21). Como vimos, Jesus respondeu-lhes magistralmente. Hoje, avançando um pouco mais de dez versículos no Evangelho de São Mateus, fazem a Nosso Senhor uma outra pergunta, também “para experimentá-Lo” (Mt 22,35).

Sabendo que o Salvador fizera calar os saduceus, um fariseu aproximou-se d’Ele e perguntou: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” (Mt 22,36). Baseando-se nas Escrituras, nosso Senhor respondeu com uma simplicidade e uma profundidade realmente admiráveis:

“‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo com a ti mesmo’. Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos” (Mt 22,37-40).

Belíssima resposta. Aliás, isso ainda é dizer pouco: são palavras propriamente divinas. Entretanto, para compreender melhor todo o seu alcance, é necessário que entendamos não só o que significam, mas também o quanto elas devem influenciar a vida de todo verdadeiro católico.

Uma concepção errada de “amor”

Por mais que estes dois preceitos aos quais se refere Nosso Senhor devessem ser conhecidos por todos, pode-se imaginar que o Divino Mestre tenha causado algum espanto naqueles que O escutavam. De fato, os rabinos da época “viviam emaranhados em complicadas casuísticas de 613 preceitos. Destes, 365 – à imagem dos dias do ano – eram negativos, e 248 – à semelhança numérica dos ossos do corpo humano – eram positivos”.[1] Para quem vivia em tal complexidade em matéria de leis, apenas dois preceitos que resumissem toda a Lei e os Profetas constituíam algo realmente irrisório.

Acontece, porém, que “amar a Deus e ao próximo” não é tão fácil quanto parece.

Ao lado da fraternidade, da amizade e de muitos outros conceitos, o amor e a caridade fazem parte daquele imenso cortejo de palavras que perderam, em nossos dias, o seu verdadeiro significado. Assim, ao ouvir Nosso Senhor tratar a respeito do amor – sobretudo do amor ao próximo –, pode vir à mente de muitas pessoas a ideia de algo sentimental, ou de uma “caridade” baseada apenas em fatores humanos – para não mencionar outros tipos de “amor” pecaminosos, infelizmente mais comuns no mundo contemporâneo.

O que é o verdadeiro amor?

“Amor”, segundo afirmava o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, grande líder católico brasileiro do século passado, “é a capacidade de sofrer por aquilo que se ama”. De fato, o próprio Nosso Senhor afirmou que “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). “Dar a vida” não significa, entretanto, apenas estar disposto a morrer pelo objeto do amor, mas em dedicar toda a vida, todas as próprias ações a ele. Ou seja, realmente ama a Deus aquele que não poupa esforços para vê-Lo inteiramente glorificado.

E o amor ao próximo? Como se deve entendê-lo? “Devemos amar ao próximo como a nós mesmos”, diz Nosso Senhor. Mas então, como devemos amar a nós mesmos? O amor que devemos ter a nós mesmos e, em consequência, ao próximo, deve ser por amor a Deus. Santo Agostinho ensina que há apenas duas formas de amor: ou o amor a Deus até o esquecimento de si mesmo, ou o amor a si mesmo até o esquecimento de Deus.[2] O primeiro amor forma a cidade celestial; o segundo, a terrena.[3]

Quem ama a si mesmo mais do que a Deus – portanto, de forma egoística – “amará” o próximo do mesmo modo. Qual é a consequência? Muitas vezes, não hesitará em prejudicar aquele que “ama” quando seus próprios interesses estiverem em jogo. Pelo contrário, quem ama verdadeiramente a Deus, e ao próximo por amor a Deus, nunca tomará atitudes que prejudiquem o objeto de seu amor: procurará, em todas as coisas, agradar a Deus.

O segredo para muitos dos nossos problemas

O amor a Deus é o segredo de tudo, até de uma sociedade em paz. Com efeito, se todos os homens e mulheres de nossos dias amassem a Deus acima de todas as coisas e ao próximo por amor a Deus, o mundo seria outro. Inclusive, se o Estado chegasse a aprovar um delito e desse cartas brancas aos que cometessem atos iníquos, não seria razão para que esta sociedade se entregasse a estes pecados. Os Dez Mandamentos – sobretudo o primeiro – são a mais perfeita (e simples) constituição legal que pode haver.

Por isso, não é sem razão que dizia Santo Agostinho: “Dilige et quod vis fac[4] – “ama e faze o que quiseres”. Quem realmente ama a Deus vive só para Ele e foge do pecado, estando, de certa forma, como que “morto” para tudo o que poderia ser causa de atração neste mundo, como diz São Gregório Magno: “O que a morte faz nos sentidos do corpo, o amor faz nas concupiscências da alma. Alguns amam de tal maneira a Deus, que desprezam tudo quanto é sensível; e enquanto em sua intenção miram o eterno, fazem-se insensíveis para tudo quanto é temporal. Pois nestes o amor é forte como a morte; porque assim como a morte mata todos os sentidos exteriores do corpo e o priva de sua própria e natural apetência, assim também o amor em tais pessoas as força a menosprezar todo desejo terreno, tendo a alma ocupada em outra coisa à qual atende. A estes, mortos e vivos, dizia o Apóstolo: ‘Estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus’ (Col 3,3)”.[5]

Se queremos, pois, uma sociedade em ordem, que tenha consciência das leis morais e as pratique, comecemos por pedir a Deus que conceda a todos nós um intensíssimo e verdadeiro amor a Ele. Para isso, saibamos haurir este fogo de amor divino d’Aquela que, por excelência, amou a Deus acima de todas as coisas: Nossa Senhora.

Com efeito, há um belo canto gregoriano que se volta a Maria como “caritatis regula”, ou seja, “regra do amor”. Estejamos sempre com os olhos – sobretudo com o coração – voltados a Ela e imploremos-Lhe que nos conceda uma participação no próprio amor que Ela tem a Deus. Se n’Ela confiarmos, veremos, um dia, uma verdadeira transformação em nós e em toda a sociedade em que vivemos.

Por Lucas Rezende


[1] CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os evangelhos. Città del Vaticano: LEV, v. 2, 2013, p. 419.

[2] AGOSTINHO DE HIPONA, Santo. A cidade de Deus. São Paulo: Vozes, v. 2, 2017, p. 239.

[3] Ibid.

[4] Cf. ibid. In Joan. VII, 8: PL 38, 2033.

[5] GREGÓRIO MAGNO. Super Cantica Canticorum expositio. C.VIII, v. 6, n. 7: ML 79, 456.

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