A Renascença deu origem à Revolução gnóstica e igualitária que, em suas diversas etapas, investiu contra a ordem religiosa, social, econômica. E também atingiu o próprio homem, produzindo tipos humanos cada vez mais decadentes.
Redação (10/07/2024 09:48, Gaudium Press) Na Idade Média, havia a mentalidade católica, ou seja, a visão de conjunto do universo, das belezas das sociedades espiritual e temporal, dos Anjos, dos Santos, conforme a Doutrina Católica. Tal mentalidade é um fruto da Fé, da adesão da inteligência à verdade revelada e, portanto, ao Magistério da Igreja.
Tudo na Idade Média visava o maravilhoso, o sublime, o angélico, o celeste, com horror ao vulgar. As pessoas, mesmo as do povinho, manifestavam, continuamente, uma tendência para o mais santo e mais belo, convictas de que, acima dos seres visíveis, há seres invisíveis mais nobres e perfeitos.
E no alto da pirâmide dos seres espirituais está Deus, a suma Perfeição. Então, existiam movimentos ascensionais para melhorar as coisas terrenas e, através delas, progredir na caminhada até o Criador.[1]
O porte de um homem, seu modo de se trajar, andar, gesticular, falar, a espécie de vocabulário que emprega são expressões autênticas de muitos aspectos de sua alma e caracterizam um tipo humano.
Idade Média, Renascença e Ancien Régime
Vejamos como, devido ao veneno da Revolução, os tipos humanos foram se degradando.
O fidalgo do auge da Idade Média era uma espécie quase sublime de cavaleiro, embebido por uma visão sobrenatural da Cavalaria e de sua missão. O da Renascença se apresentava como um super-homem heroico, olímpico. Formoso, inteligente, culto, dançava de modo admirável, combatia como ninguém. Era, sobretudo, artista e apreciava a beleza em todas as suas formas. Amava o esplendor da vida e queria fruí-la por inteiro. Tinha riso largo e olhar dominador, que se estendia sobre os outros como uma montanha a dominar toda a paisagem ao seu redor.
No Ancien Régime (Antigo Regime) – período da História da França iniciado em princípios do século XVII e extinto em 1789, com a Revolução Francesa –, produziu-se um deslocamento.
Do guerreiro-bailarino passou-se ao simples bailarino. Por mais surpreendente que pareça, este derrotou aquele. Se com Luís XIV o combatente era bailarino e o bailarino era combatente, com Luís XVI os nobres eram apenas bailarinos. Frágeis, usavam grandes saltos vermelhos, lencinho na mão, perfumes, anéis, rendas e berloques. Em batalhas raramente se pensava: não havia espírito de combatividade. Era risonho, gentil e gostava das músicas muito delicadas.
Em tudo isto, a sensibilidade solta começava a rugir num amor livre desbragado. Essa situação prolongou-se até estourar a grande catástrofe: a Revolução Francesa.
O romântico e o dandy
No século XIX, surgiu um novo padrão de mentalidade. Por exemplo, os personagens do teatro clássico sempre hieráticos, no estilo de Racine, foram substituídos pelos românticos.
As peças de um Victor Hugo são repletas de rugidos, paixões desenfreadas e crimes. É toda uma explosão da sensualidade humana sem véus que vai crescendo e aflorando nos palcos e na literatura. O adultério, o concubinato, o incesto e outras desordens morais são apresentados com colorido, indispensável para dar vivo interesse às representações. Pior: tornam-se realidade na vida.
A partir de meados do século XIX, apareceram diversos tipos humanos que foram se modificando até nossos dias.
O primeiro deles, o dandy, é descrito de modo eloquente pelo célebre escritor francês Chateaubriand, que o compara com o elegante do romantismo. Este era cuidadosamente mal vestido, de roupa muito boa e bem cortada, em tristonho desalinho, cabelo solto ao vento e um ar infeliz. Conferia-lhe certo prestígio ser ligeiramente tuberculoso ou, em todo caso, um pouco doente.
O dandy é o homem oposto ao romântico. Goza de esplêndida saúde, sempre bem penteado, bem vestido, rico, e não querendo saber de tristezas. A alegria é que lhe embeleza a vida, e ela se obtém com o dinheiro. Logo, o importante são as posses monetárias e os negócios. Assim, boa saúde, vida cômoda, gargalhadas, dança e ouro é o que caracteriza o dandy.
Burguês, bilontra, almofadinha, grã-fino
Ao lado do dandy aparece o tipo burguês, que encontrou a sua expressão no Rei da França Luís Felipe – reinou de 1830 a 1848 –, o qual passou para a História com o título de “rei guarda-chuva”.
Luís Felipe é o burguês característico: saudável em excesso, bem instalado na vida, sólido, com roupas resistentes. Não se ocupa de literatura, nem de política, e muito menos de ideias. Só se interessa pelo dinheiro. Sua casa é grande e confortável, tudo é sólido e estável, possui grandes propriedades no interior, explora estradas de ferro. Começa a fazer negócios na Ásia e na África, que lhe rendem consideráveis somas.
Surgiu depois o bilontra, sucessor do dandy em estilo francês: cabelo cheio de pomada, bigode, monóculo preso com uma fita de veludo, polainas com feltro, bengala e cintura bem apertada. Conhecia todas as artes de salão, superava seu antecessor em matéria de negócios, porém sem igualá-lo em riqueza, porque a vida de sociedade tornara-se cada vez mais ruinosa.
O bilontra deu no almofadinha de 1920, o qual, por sua vez, produziu o grã-fino bem aprumado. Este não estava longe do extravagante das décadas posteriores, como o playboy.[2]
“Com a Revolução de Maio de 1968 – também chamada Revolução da Sorbonne – consolidou-se um tipo humano contestatário, que pretendia a abolição de toda lei moral, de toda regra, a liberação completa dos instintos do homem, passando a sensibilidade a imperar sobre a razão e a vontade. Foi a revolução no interior do próprio homem, o triunfo da desordem nas potências da alma; portanto, a mais radical inversão de valores possível. (…)”
“Como símbolo de contestação, o jovem passou a se apresentar de modo cada vez mais extravagante: os cabelos ficaram desgrenhados, o blue jeans surrado e rasgado passou a ser de uso universal. Aboliram-se as formas de cortesia no trato social, o vocabulário tornou-se vulgar, as modas tenderam rapidamente ao nudismo e os costumes ao amor livre.”
E a difusão universal dos “aparelhos eletrônicos de todo tipo, que favorecem unicamente a sede de novidade, de novas impressões, sem o concurso do pensamento. A sucessão veloz das imagens e dos fatos nem permite a devida análise da razão. O homem contemporâneo vive, assim, de sensações.”[3]
Em nossos dias, o tipo vai deixando de ser humano para se tornar cada vez mais animalesco, sujo, adepto do feio e até do hediondo, chegando inclusive, em muitos casos, a cultuar o demônio.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A civilização da admiração. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano 15, n. 168 (março 2012), p. 33.
[2] Cf. Idem. Da Idade Média ao século XX, as transformações dos tipos humanos. In Dr. Plinio. Ano II, n. 17 (agosto 1999), p.14-17.
[3] CLÁ DIAS, João Scognamiglio, EP. Por ocasião do Ano Sacerdotal, sugestões dos Arautos do Evangelho à Congregação para o Clero. 24-6-2009.
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