A encantadora história de Tobias nos mostra que há um Arcanjo, digno representante da maternalidade e da providência divinas, cuja proteção está sempre ao nosso alcance e que muito deseja conviver conosco.
Redação (28/09/2024 14:13, Gaudium Press) Uma das características marcantes da sociedade moderna é reduzir as pessoas a um anonimato, sendo peças ou meros números. Sentimos que somos apenas mais um elemento desconhecido em meio a milhões de outros iguais a nós, dentre os quais, se quisermos nos destacar, precisamos empregar árduos e perseverantes esforços.
Ora, diante da corte dos príncipes e governadores de Deus, os Anjos, acontece o contrário! Incomparavelmente superiores em nobreza e poder a qualquer potestade terrena, eles, entretanto, consideram e amam cada um de nós em particular, e se interessam por todos os nossos atos. E eles não apenas nos estimam, como também se apressam em nos socorrer e auxiliar durante nossas lutas nesta terra, ansiosos por nos verem atingir o fim do caminho da santidade e gozar, em sua companhia, da eterna bem-aventurança.
Um dos exemplos mais comoventes desse zelo da sociedade angélica pelos homens deu-nos, já no Antigo Testamento, o grande Arcanjo São Rafael, arquétipo de pureza, conselheiro cheio de prudência e protetor benevolente da família de Tobit, assim como de todos aqueles que, peregrinando neste vale de lágrimas, a ele recorram com confiança.
Ardentes preces dirigidas a Deus
A história de Tobit e de sua futura nora Sara é narrada com luxo de detalhes no Livro de Tobias. Ambos eram muito virtuosos e brilhavam na presença de Deus em meio à escuridão pecaminosa do povo eleito, então cativo na Assíria. Em determinado momento, porém, o Senhor decidiu prová-los “para que a sua paciência […] servisse de exemplo à posteridade” (2, 12). Enviou a Tobit uma completa cegueira, e a Sara, um espírito maligno com o poder de matar todos os varões que com ela se casavam.
Ora, ainda que a vida dos justos esteja repleta de provações, é Deus mesmo quem os sustenta: “O Senhor vela pela vida dos íntegros, e a herança deles será eterna. Não serão confundidos no tempo da desgraça e nos dias de fome serão saciados” (Sl 36, 18-19). Por isso, logo que as lágrimas e os gemidos dessas duas almas se elevaram da terra em fervorosas súplicas, precisamente no mesmo dia, foram elas ouvidas diante da glória do Altíssimo (cf. Tb 3, 24). E então começou a nossa história.
O Anjo do Senhor foi enviado
Julgando que não mais veria a luz e que em breve a morte o colheria, Tobit tomou-se de preocupação pelo sustento de sua família. Lembrou-se de um empréstimo de dez talentos de prata que fizera havia alguns anos a Gabael, habitante de Ragés, na Média, e decidiu pedir contas desse favor. Chamou seu filho, Tobias, e rogou-lhe que empreendesse a arriscada, mas necessária viagem, procurando antes um homem de confiança que pudesse acompanhá-lo.
Do alto do Céu, todavia, alguém já velava por ele. Revestido com aspecto humano, a poucos passos de distância e já equipado para viajar, estava à sua espera “um Anjo de serenidade sobrenatural, […] cheio de misericórdia, de um atendimento pronto e meigo a todos os pedidos, compreensível […] e de grande discernimento”. Rafael, um dos sete espíritos que assistem sempre na presença do Senhor (cf. Tb 12, 15), sob a aparência de Azarias, filho de Ananias, descera do conspecto de Deus para solucionar as angústias de Tobit e enxugar as lágrimas de Sara.
Sacralidade e desvelo maternal
Esse sublime embaixador do Céu encarregou-se de guiar e custodiar Tobias até a Média. Que misteriosas lições deve ter aprendido o virtuoso jovem durante o longo percurso que fizeram juntos! A presença do Arcanjo, embora em nada ferisse a normalidade das aparências humanas, possuía algo de indefinível. Seu estado de espírito era sempre de uma contínua contemplação. Tratando com Tobias sobre os assuntos da viagem, fazia-o como se estivessem conversando dentro de um santuário, com muito respeito, nobreza e sacralidade.
Também a benignidade brilhava em São Rafael. Ele não se contentou em proteger Tobias, mas ocupou-se até mesmo de suas necessidades materiais. Dir-se-ia que uma criatura tão santa e de natureza tão superior não se importaria com esses pequenos detalhes da vida humana; o Arcanjo, no entanto, levou seu cuidado ao extremo de providenciar-lhe alimentação e hospedagem: ensinou-o a tomar pelas guelras o peixe, a princípio ameaçador, cuja carne poderia servir-lhe de alimento, e o coração, o fel e o fígado como “remédios muito eficazes” (Tb 6, 5), e encaminhou-o a repousar em casa de Raguel, pai de Sara.
São Rafael revelou-se, nessas circunstâncias, um digníssimo representante da majestosa maternalidade e providência divinas.
Chegados à casa de Raguel, iniciou-se o atendimento às preces de Sara e a intervenção de Deus em suas aflições. Aquela estadia aparentemente fortuita fora promovida pela Providência: São Rafael faria valer junto à jovem sua ação cheia de afeto e sabedoria.
Pouco antes de se apresentarem à família, o Arcanjo havia explicado a Tobias quem eram esses seus parentes e o motivo da provação de Sara, a respeito da qual já tivera notícia. Insistiu com ele, em seguida, para que aceitasse tomá-la como esposa, pois estava destinado a isso por Deus, e acrescentou que o demônio pudera matar os sete maridos que dela se aproximaram porque o haviam feito banindo Deus de seus corações e entregando-se à paixão. Por fim, indicou:
“Tu, porém, quando te casares e entrares na câmara nupcial, viverás com ela em castidade durante três dias, e não vos ocupareis de outra coisa senão de orar juntos. Na primeira noite, queimarás o fígado do peixe, e será posto em fuga o demônio. Na segunda noite, serás admitido na sociedade dos santos patriarcas. Na terceira noite, receberás a bênção que vos dará filhos cheios de saúde. Passada esta terceira noite, aproximar-te-ás da jovem no temor ao Senhor, mais com o desejo de ter filhos que pelo ímpeto da paixão. Obterás, assim, para os teus filhos a bênção prometida à raça de Abraão” (Tb 6, 18-22).
Ao dizer essas palavras transbordantes de castidade, o Santo Arcanjo denotava, sem diminuir em benevolência, sua intransigência vigilante contra o vício da impureza, do qual é sem dúvida ardoroso combatente. Afinal de contas, havia sido enviado por Deus à terra para promover o matrimônio legítimo entre Tobias e Sara e livrá-la de Asmodeu, demônio da luxúria e assassino de seus sete primeiros maridos.
Tobias, que era justo, sentiu-se confortado ao notar o amor à pureza em seu companheiro e obedeceu-o, pedindo Sara em casamento. Uma vez oficializada a união conjugal, com profunda emoção de toda a família, e cumpridas por Tobias todas as indicações a respeito do fígado do peixe, São Rafael pôde afinal prender o espírito impuro no deserto. Solucionou-se assim o terrível impasse de Sara; sua dor cedeu lugar à alegria, e sua perplexidade, à compreensão da grande predileção com que o Senhor a amava.
Cura e consolação dos justos
Por sua vez, Tobit ainda padecia sob o peso da cegueira, acrescido pela incerteza sobre o paradeiro de seu filho único. Sua infinda paciência e confiança inabalável, entretanto, encantavam a Deus e seriam em breve premiadas com surpreendente prodigalidade, por intermédio do Arcanjo.
Com vários dias de atraso, apesar de ter se adiantado à lenta comitiva de sua esposa no caminho de volta, Tobias chegou à casa dos pais acompanhado por seu extremoso companheiro. Este, desejoso de aliviar o mais cedo possível o sofrimento de Tobit, recomendou:
“Logo que entrares em tua casa, adorarás o Senhor teu Deus e dar-Lhe-ás graças. Irás em seguida beijar teu pai, e por-lhe-ás imediatamente nos olhos o fel do peixe que tens contigo. Sabe que seus olhos se abrirão instantaneamente e que teu pai verá a luz do céu. E vendo-te, ficará cheio de alegria” (Tb 11, 7-8).
Era mais um comovente desvelo de São Rafael, que bem pode ser invocado como o Arcanjo da consolação e da cura em quaisquer enfermidades, corporais ou espirituais.
Concretizadas aquelas orientações, Tobit voltou a enxergar e, tal como havia acontecido à Sara, seu doloroso pranto mudou-se em lágrimas de exultação. Pouco depois, sua alegria ultrapassou os limites do imaginável ao saber que seu querido filho, além de ter recuperado o valor do empréstimo de Gabael, havia também desposado uma virgem de sua tribo e que ela haveria de chegar dentro de alguns dias, acompanhada de seus servos e de um rico dote.
A Tobit e Tobias faltava apenas contemplar uma última surpresa, talvez a mais alentadora: a verdadeira identidade daquele inigualável guia, promotor de tanta felicidade. Com despretensão e discrição, ele se revelou antes de partir: “Sou o Anjo Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor” (Tb 12, 15). Pai e filho compreenderam, então, que o auxílio divino em suas vidas tinha um nome: São Rafael! E durante três horas permaneceram prostrados por terra, bendizendo e louvando ao Senhor.
Ele quer conviver conosco!
No seio da modesta família de Tobit, pequeno baluarte de fidelidade em meio à corrupção do mundo, deu-se um acontecimento magnífico: um dos mais elevados Anjos do Céu fez-se íntimo dos homens! Ora, não pensemos ser este um caso excepcional. Pelo contrário, vejamos nessa encantadora história uma garantia de que a proteção de São Rafael está ao nosso alcance, constantemente, e de que ele deseja conviver conosco. Basta que o invoquemos com fé!
Sob seu amparo, por piores que sejam as crises e moléstias, podemos estar certos de que existirá uma solução; haverá sempre da parte dele a disposição de nos acolher e resolver os nossos problemas. Em suma, sua existência deve nos alentar na confiança de que a intervenção divina antecede as nossas iniciativas e invariavelmente supera as nossas expectativas.
Recorramos, pois, ao afetuoso socorro do Arcanjo São Rafael a cada passo de nossa caminhada rumo ao Paraíso Celeste. Como a Tobias, ele nos acompanhará e será, junto a nós, um reflexo da infinita bondade do Sagrado Coração de Jesus, firme na doçura
Texto extraído, com pequenas adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 249, setembro 2022. Por Bianca Maria dos Santos Damião.
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