Talvez o Cardeal Anders Arborelius, bispo de Estocolmo, tenha o espírito para conduzir a barca — mas saberá manejar o leme?

Foto: Vatican news
Redação (03/05/2025 10:21, Gaudium Press) No crepúsculo de um pontificado marcado por reformas estruturais e pela busca de uma Igreja “em saída”, o Colégio Cardinalício se vê diante da inevitável responsabilidade de discernir o perfil do sucessor de Pedro. Em meio ao elenco de possíveis candidatos, desponta com discrição, mas não sem interesse, o nome do Cardeal Anders Arborelius, bispo de Estocolmo, cuja singularidade desafia as categorias tradicionais de análise vaticana.
Trata-se do primeiro cardeal da história da Suécia, um país majoritariamente luterano e cada vez mais secularizado. Sua biografia, marcada por uma conversão tardia e pela entrada na Ordem dos Carmelitas Descalços, conjuga elementos espirituais, culturais e pastorais que o situam à margem dos eixos habituais de poder da Igreja, o que, paradoxalmente, pode colocá-lo no centro de um futuro conclave.
Nascido em 1949, em Sorengo, na Suíça italiana, e criado em Lund, no sul da Suécia, Anders Arborelius foi batizado na tradição luterana. Somente aos 20 anos, depois de uma profunda experiência espiritual, ingressou na Igreja Católica, tornando-se posteriormente carmelita descalço, sendo ordenado sacerdote em 1979. Nomeado bispo de Estocolmo em 1998 por São João Paulo II, tornou-se o primeiro sueco a ocupar esse posto desde a Reforma Protestante. Sua criação cardinalícia pelo Papa Francisco, em 2017, foi interpretada como um gesto de reconhecimento à sua fidelidade, discrição e capacidade de evangelização em terras consideradas missionárias — e como um sinal do desejo do Papa de incluir as “periferias geográficas e espirituais” no centro da vida da Igreja.
A atuação do Cardeal Arborelius, em uma diocese que abrange a totalidade do território sueco, tem sido caracterizada por um delicado equilíbrio entre ortodoxia doutrinal e abertura pastoral. Em um cenário onde os católicos representam menos de 2% da população — a maioria composta por imigrantes de origem polonesa, árabe e africana — Arborelius se destaca por sua habilidade em preservar a identidade católica sem ceder ao relativismo. Sua oposição pública à ideologia de gênero e à banalização da moral sexual cristã coexiste com uma sensibilidade genuína pelo diálogo ecumênico e inter-religioso — algo quase obrigatório em um contexto escandinavo, marcado pela convivência cotidiana com luteranos, muçulmanos e ateus.
Não obstante, sua imagem é caracterizada por uma profunda humildade pessoal. Ele costuma evitar entrevistas, raramente assume protagonismo em debates públicos e tende a se desviar dos holofotes, priorizando o silêncio contemplativo herdado de sua tradição carmelita. Essa postura, que em outros contextos poderia ser vista como fraqueza, adquire um valor simbólico em uma época dominada pelo ruído mediático e lideranças carismáticas, por vezes superficiais. Em Roma, sua discrição é interpretada como firmeza. No entanto, o fato de nunca ter ocupado postos de governo na Cúria Romana levanta dúvidas quanto à sua capacidade administrativa, sobretudo diante dos complexos mecanismos que regem o funcionamento da Sé Apostólica.
Do ponto de vista geopolítico, sua eleição representaria uma ruptura significativa. Um papa oriundo da Escandinávia seria um evento inédito na história bimilenar da Igreja, com um valor simbólico não apenas no plano ecumênico — dada a história de cisma e reconciliação com o mundo protestante —, mas também na afirmação de que a Igreja não se deixa conduzir por critérios de densidade demográfica ou influência política. Sua eleição seria, portanto, a canonização de uma lógica de descentralização e de opção preferencial pelas margens — uma tendência já perceptível nos consistórios de Francisco.
No entanto, como aponta o vaticanista John Allen, em uma análise publicada pelo portal Crux Now, Arborelius não pode ser considerado um “favorito” no sentido estrito. Falta-lhe uma base de apoio curial sólida; ele ainda é pouco conhecido por boa parte dos eleitores do Colégio Cardinalício, e sua ausência de experiência diplomática pode pesar negativamente em um pontificado cada vez mais pressionado por crises internacionais, conflitos armados e pela necessidade de diálogo com potências mundiais. Além disso, sua liderança episcopal foi exercida em uma diocese de pequenas proporções, com recursos limitados e distante dos desafios típicos de megalópoles latino-americanas ou arquidioceses europeias mais tradicionais.
Ainda assim, seu perfil atende a um anseio crescente entre os cardeais por uma figura de consenso, desprovida de vínculos ideológicos exacerbados, dotada de espírito de oração, vida simples e fidelidade à doutrina. Sua atuação em dicastérios relevantes — como o para os Bispos, para o Clero e para a Unidade dos Cristãos — permite vislumbrar uma articulação silenciosa, mas eficaz, com os centros de decisão eclesial. Em tempos de transição, o Colégio pode se inclinar por um nome “fora do radar”, mas que ofereça estabilidade, sobriedade e espírito de serviço — virtudes que, aliás, sempre foram caras à tradição petrina.
Seria ele, então, um verdadeiro papabile? Talvez o termo mais preciso seja “possível surpresa”. Sua eleição dependeria de um conclave desgastado por tensões internas, com blocos em impasse e uma maioria em busca de um pastor, e não de um gestor. Se o próximo papa tiver que ser uma figura de síntese, que reconcilie tradição e renovação, que seja doutrinariamente firme, mas pastoralmente afável, Arborelius pode emergir como uma escolha inesperada, porém coerente com o espírito do tempo. Em uma Igreja cada vez mais global, sua origem periférica, seu passado de conversão e sua espiritualidade enraizada podem revelar-se providenciais.
Se o ecumenismo for, de fato, a prioridade máxima dos senhores cardeais, Anders Arborelius é, sem dúvida, o homem certo — um símbolo eloquente do diálogo possível entre Roma e as terras outrora perdidas para Lutero e Calvino. Mas, convenhamos, fora desse território ecumênico tão nórdico quanto nebuloso, Sua Eminência carecerá de lastro para governar uma Igreja marcada por complexidades culturais, pressões geopolíticas e intrigas curiais seculares.
Em suma, talvez Arborelius tenha o espírito para conduzir a barca — mas saberá manejar o leme? Restará, pois, esperar que, ao ser eleito para conduzir a Igreja, ele não termine conduzido por seus colaboradores devido à sua inexperiência e seu bom coração, acenando para a multidão do papamóvel, enquanto a maquinaria vaticana — imperturbável — determina seu trajeto.
Por Rafael Tavares
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