“Multiplicarei a tua posteridade como as estrelas do céu, e como a areia na praia do mar. Ela possuirá a porta dos teus inimigos” (Gn 22, 17).

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Redação (03/05/2025 17:36, Gaudium Press) Muitos se tornaram ateus não por terem um motivo qualquer para não acreditar em Deus, mas por terem desejado reduzir Deus ao tamanho da sua compreensão. Compreender as palavras, as ações e as promessas de Deus é algo que está muito além de nosso raciocínio.
O que terá pensado Abraão quando Deus lhe disse que faria com que seus descendentes fossem “tão numerosos como as estrelas do céu e os grãos de areia da praia do mar”? Palavras enigmáticas que poderiam parecer uma simples alegoria; afinal Abraão e sua mulher já eram velhos e tinham um único filho, milagrosamente concebido na esterilidade de Sara.
O cumprimento da promessa
Podemos supor que Abraão tenha pensado que Deus apenas queria dizer que lhe daria muitos netos e bisnetos, através da descendência de seu filho Isaac, um pensamento humano e limitado.
No entanto, tendo Abraão a fé que tinha, a ponto de ter aceitado oferecer seu único filho em sacrifício apenas para fazer a vontade de Deus, é certo que ele não pensou como um homem comum, que tenta compreender o incompreensível sem ter as condições adequadas para isso.
Abraão apenas acreditou, e por essa razão, a promessa se cumpriu exatamente como foi feita: “todas as nações da terra desejarão ser bendita como ela, porque obedeceste à minha voz” (Gn 22, 18). E a prova disso somos nós, os grãos de areia da descendência de Abraão, membros do corpo de Cristo, que se espalham pelo mundo inteiro, abarcando todas as nações mediante o mesmo espírito e a mesma fé.
Mater et Magistra
Em sua encíclica Mater e Magistra, publicada em 15 de maio de 1961, o Papa João XXIII assim define a Igreja, esta vasta praia que congrega todos grãos de areia prometidos a Abraão:
“Mãe e mestra de todos os povos, a Igreja Universal foi fundada por Jesus Cristo, a fim de que todos, vindo no seu seio e no seu amor, através dos séculos, encontrem plenitude de vida mais elevada e penhor seguro de salvação. A esta Igreja, ‘coluna e fundamento da verdade’ (cf. 1 Tm 3, 15), o seu Fundador Santíssimo confiou uma dupla missão: de gerar filhos, e de os educar e dirigir, orientando, com solicitude materna, a vida dos indivíduos e dos povos, cuja alta dignidade ela sempre desveladamente respeitou e defendeu.”
A promessa de Deus ao grande patriarca se referia aos grãos de areia da praia e também às estrelas do céu, verdade que também está refletida nas palavras de São João XXIII:
“O cristianismo é, de fato, a realidade da união da terra com o Céu, uma vez que assume o homem, na sua realidade concreta de espírito e matéria, inteligência e vontade, e o convida a elevar o pensamento, das condições mutáveis da vida terrena, até às alturas da vida eterna, onde gozará sem limites da plenitude da felicidade e da paz.”
Grãos de areia na terra e estrelas no céu, cada cristão batizado é a imagem do cumprimento da sublime promessa do Criador.
Divina e indestrutível
Hoje, infelizmente, com tantas filosofias e retóricas extravagantes e controversas, criadas para confundir os homens, tenta-se diminuir o tamanho e a importância do papel da Igreja, como se ela fosse coisa do passado, ultrapassada e tendente a desaparecer e ser substituída pelo culto do homem, do mundo e da máquina – que pretendem fundir com nossa inteligência.
A Igreja, no entanto, gostem ou não os seus adversários, não está fadada à derrota e ao desaparecimento, ainda que “contaminada” e, em vários momentos da História, mal administrada, ela é divina e indestrutível.
“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24, 35). Jesus Cristo, que nos fez esta promessa quando esteve entre nós e experimentou a nossa humanidade, é o mesmo Deus que revelou a Abraão a futura existência de cada um de nós, seus descendentes, ao mencionar os grãos de areia e as estrelas do céu. E é também sua a promessa da prevalência da Igreja, contra a qual as portas do inferno jamais terão poder.
“Cuidai que ninguém vos seduza”
Não podemos nos esquecer também que Nosso Senhor Jesus Cristo advertiu que as coisas do Céu não seriam reveladas aos sábios e instruídos, mas aos simples e pequeninos (cf. Mt 11,25).
Conquanto seja a Teologia de fundamental importância, não devemos ficar buscando significados ocultos nas revelações e promessas divinas, porque, quase sempre, o que elas querem dizer é exatamente aquilo que está escrito.
Porém, isso só compreendem os simples e pequeninos, os quais, assim como nosso Pai Abraão, não se envergonham em dizer: “É assim porque Deus está dizendo que é assim.”
Não nos esqueçamos da advertência de Cristo: “Cuidai que ninguém vos seduza. […] Irão levantar-se muitos falsos profetas e seduzirão a muitos” (Mt 24, 4, 11). É difícil crer que ainda haja pessoas que não compreendam que estamos vivendo exatamente isto, com uma imensa quantidade de falsos Cristos e falsos profetas disputando a primazia da sedução.
Portanto, se no Gênesis Deus revelou a Abraão a nossa existência, como incontáveis grãos de areia, e isso se cumpriu com a criação da Igreja de Jesus Cristo, não duvidemos quando nos é revelado que dois terços da humanidade perecerão: “Em toda a terra – oráculo do Senhor –, dois terços dos habitantes serão exterminados e um terço subsistirá” (Zc 13, 8).
Esta profecia se repete no Livro do Apocalipse, que nos avisa que virão Anjos que sacudirão os quatro cantos da terra, que haverá grande destruição, e dois terços da humanidade perecerão.
Como disse o Mestre em tantas ocasiões, “quem tiver ouvidos para ouvir, ouça”, porque não se trata de uma alegoria, mas de algo que, exatamente como está dito, acontecerá.
Gigantes e pigmeus
Por isso, em sua encíclica Mater e Magistra São João XXIII nos adverte:
“Como já notamos, os homens de hoje aprofundaram e ampliaram muito o conhecimento das leis da natureza, criaram instrumentos para lhe dominarem as forças, produziram e continuam a produzir obras gigantescas e espetaculares. Mas, no seu empenho de dominar e transformar o mundo exterior, correm o perigo de se esquecerem e se enfraquecerem a si mesmos”.
A seguir, completa, citando Pio XII:
“Nossa época se distingue pelo contraste flagrante entre o imenso progresso científico e técnico, e um espantoso regresso no campo dos valores humanos, pois a sua monstruosa obra-prima consiste em transformar o homem num gigante do mundo físico à custa do seu espírito reduzido a pigmeu no mundo sobrenatural e eterno.”
E, ao concluir, relembra as palavras do Divino Mestre: “Que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro, mas arruinar a sua vida? Ou que poderá o homem dar em troca de sua vida?” (Mt 16,26).
Já estamos vivendo o período do princípio das dores. Oh! Pobres grãos de areia que se veem como indestrutíveis montanhas! Estudai as palavras de Deus e convertei-vos, porque os tempos chegaram, e tudo se realizará!
Por Afonso Pessoa
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