A bondade do pai ao estreitar o filho arrependido em seus braços é uma imagem da justiça divina, toda feita de misericórdia.

Retorno do filho pródigo – Igreja Trinità dei Monti, Roma. Foto: Ricardo Castelo Branco
Redação (30/03/2025 11:46, Gaudium Press) “Alegra-te, Jerusalém!” A antífona de entrada do quarto Domingo da Quaresma, colhida do livro do Profeta Isaías, confere a este dia o título de Domingo da Alegria. Os paramentos róseos indicam uma certa atenuação às penitências quaresmais e prenunciam o gáudio vindouro da Ressurreição do Salvador.
Assim como uma gota d’água é capaz de refletir a imagem do Sol, de modo semelhante, a parábola narrada no Evangelho revela o transbordamento de bondade de Deus quando um pecador se volta para Ele arrependido de suas faltas.
Por outro lado, a atitude do irmão mais velho simboliza certas almas que, diante de uma grande manifestação de misericórdia, se fecham em si mesmas incapazes de compreender a beleza do perdão.
O contraste entre duas justiças
As reações do pai não poderiam ser mais comovedoras em matéria de bondade e ternura. Certamente há muito ansiava rever seu filho e por ele rezava. Ao avistá-lo a boa distância, sentiu-se penetrado de afetuosa compaixão e, apesar de sua idade, saiu ao seu encontro sem lentidão, muito pelo contrário, “correndo”. Recordemos de onde vinha aquele pobre miserável! De chiqueiros, nos quais disputava com os porcos seu alimento. Apresentava-se, pois, como um verdadeiro maltrapilho, nada limpo, totalmente impróprio para ser abraçado. Entretanto, o pai se lançou ao seu pescoço e o cobriu de beijos.
A certa altura da confissão de suas faltas, o pai o interrompeu, manifestamente não querendo ouvi-la por inteiro, e deu ordem aos empregados a que se apressassem em trazer-lhe a mais rica vestimenta, sandálias e anel.
“O filho, então, lhe disse: ‘Pai, pequei contra o Deus e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés’”(Lc 15,21-22).
Símbolo do Sacramento da Reconciliação
Quanta simbologia nesse curto versículo 22!
O filho, além de ter-se esquecido longamente de seu pai, havia esbanjado seus bens. É a imagem do efeito do pecado na alma de um batizado: o despoja dos méritos, dons e virtudes; priva-o das belas roupas sobrenaturais; sobretudo, rouba-lhe o incomensurável privilégio da adoção divina, e o faz retornar ao estado de mera criatura, e ainda manchada pela lama da ofensa a Deus. Porém, ao acusar suas misérias no confessionário e receber a absolvição, o homem é revestido dos mais preciosos tecidos da reconciliação, as sandálias dos méritos lhe são devolvidas e o anel de filho de Deus recolocado em seu dedo.
O pai não quer vê-lo com nenhum dos sinais que possam recordar a anterior vida pecadora e, como se esses gestos não bastassem, ordena que preparem uma festa, matando um “vitelo gordo” — indicando assim o caráter solene do banquete, porque normalmente se mataria um cordeiro ou um cabrito.
A razão alegada para tal comemoração é a mesma formulada por Jesus: “Haverá maior alegria no Céu por um pecador que fizer penitência que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento” (Lc 15,7). O filho se tinha perdido, o filho estava morto, e era incalculável o júbilo daquele reencontro.
Essa é a perfeita imagem da justiça divina, toda feita de misericórdia. Vejamos agora a reprodução metafórica da “justiça mundana” nas reações do filho mais velho.
“Mas ele ficou com raiva e não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele. Ele, porém, respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti a tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. Quando chegou este teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele um novilho cevado’. Então o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’” (Lc 15,28-32).
Soberba, inveja e ira na reação do primogênito
O versículo 25 nos oferece outros elementos da pompa daquela grande solenidade: a música coral e instrumental ouvida pelo primogênito ao retornar do campo. Tão inusitado era haver em sua casa tais manifestações de contentamento, que receou entrar nas dependências principais, certamente devido às suas vestes campestres, e talvez por julgar elevado o nível daquele evento, preferiu antes perguntar a um dos empregados qual a razão de tamanha e exuberante euforia. Nenhum outro motivo lhe teria arrancado tanta e tão indignada cólera. Esquematizemos os versículos 28 a 32 da parábola:
O primogênito era boa pessoa, segundo a narração, pois vivia constantemente junto ao seu progenitor e tudo o que possuía deixara em mãos deste. Nunca havia praticado a menor desobediência, num serviço prestado por longos anos. Era, portanto, muito disciplinado e fiel.
Porém, sua reação face à conversão do pródigo não teve origem em nenhuma das qualidades enunciadas. Pelo contrário, foi movida pela soberba, a inveja e a ira, como inúmeras vezes encontramos em nossas relações sociais.
Soberba: Ao enunciar os motivos pelos quais se negava a participar das comemorações, começa por autoelogiar-se, constituindo sua virtude na lei em função da qual deve ser julgada a conduta de seu pai. É bem exatamente esse o critério do orgulhoso: ele se senta no trono de Deus e passa a realizar o papel de Lei e de Juiz.
Em sua explosão de vaidade, não se dá conta do grande contentamento do pai pela recuperação do filho pródigo. O pai sabia perfeitamente por quais antros havia passado o menor, mas aquele era o momento de tudo esquecer. O orgulho tolhe a visão equilibrada e harmônica dos acontecimentos e, por isso, leva o primogênito a ferir o coração do pai com a recordação dos desvios morais de seu irmão.
Inveja: Transparece esse vício na comparação: a ele um vitelo gordo, a mim nem sequer um cabrito. Esse é outro costume comum existente no mundo, desde o assassinato de Abel, praticado por Caim.
Ira: “Ele indignou-se…”. Suas virtudes receberam o honroso convite para atingir o grau heroico com a notícia da reentrada de seu irmão, mas a exteriorização de sua cólera manchou essas humanas qualidades que poderiam ter sido sobrenaturalizadas.
Em síntese, o pai, ao avistar ao longe o filho, de alegria corre para encontrá-lo. O irmão, amargurado e triste, nega-se a tomar parte no banquete. O pai, tomado de emoção, abraça-o e o cobre de beijos. O primogênito se toma de indignação e recalcitra em permanecer fora.
O filho mais velho peca por falta de caridade, ao julgar injusta a festa pela volta de seu irmão. E, além do mais, peca contra o respeito devido ao pai, tornando claro, com seu procedimento, o quanto censura seu progenitor por tudo o que fez ao seu irmão menor. E, por fim, peca também por desobediência à determinação do pai no sentido de que todos participem do banquete.
Evidentemente, são mais graves as faltas do menor. Mas há algo de repugnante nos vícios praticados pelo maior. Em um transparece a debilidade da vontade; no outro, a maldade de coração.
Conclusão
A qual dos filhos da metáfora poderíamos aproximar a humanidade deste novo milênio? Caminha ela pelas avenidas do pródigo ou pelas do primogênito?
Sem dúvida, há vários séculos, ela juntou tudo o que tinha e partiu para longe do afeto paterno, dissipando seus bens e vivendo dissolutamente.
Depois de malbaratar tudo e passar por grande fome, ela comerá as bolotas dos porcos e terá saudades da casa paterna? Retornará profundamente arrependida e cheia de bons propósitos?
O futuro nos responderá e, se a parábola simbolizar os acontecimentos a se realizarem, compreendamos a bondade do Pai em querer perdoar, e o destino daqueles que se negaram a entrar em consonância com Ele.
Extraído, com alterações, de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 5, p. 232-235.
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