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Por que o Papa Francisco nunca voltou à Argentina?

A vida de Francisco se entrelaça com a história da Argentina, com suas dores e divisões.

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Redação (24/04/2025 10:34, Gaudium Press) Jorge Mario Bergoglio partiu de Buenos Aires em 2013 rumo ao conclave no Vaticano — e nunca mais voltou. O então arcebispo da capital argentina, aos 76 anos, tornou-se o primeiro papa latino-americano da história. Mas, em 12 anos de pontificado, não retornou sequer uma vez à sua terra natal. Essa ausência não passou despercebida; ao contrário, tornou-se motivo de perplexidade, frustração e até revolta entre muitos de seus conterrâneos.

Segundo a BBC News Mundo, serviço internacional de notícias da rádio britânica, essa ausência contribuiu para corroer a popularidade do Pontífice entre os argentinos. De acordo com o Pew Research Center, a imagem favorável de Francisco na Argentina caiu de 91% em 2013 para apenas 64% em 2024, enquanto as opiniões negativas subiram de 3% para 30%. Em nenhum outro país latino-americano pesquisado, foi registrada uma queda tão acentuada.

No início de seu papado, Francisco era celebrado como um motivo de orgulho nacional — um papa “do povo”, amante do mate, do tango e do futebol, que encarnava o espírito portenho com simplicidade, franqueza e calor humano. Contudo essa imagem foi se esvaindo, dando lugar a uma percepção de ambiguidade e distanciamento.

Durante seu pontificado, Francisco esteve no Brasil, Chile, Paraguai, Bolívia, Peru, México, Cuba, Equador — e em mais de 40 países —, porém, jamais regressou à Argentina. O que teria impedido o Papa de voltar à sua pátria?

Gustavo Vera, amigo próximo de Francisco e fundador da ONG La Alameda, declarou à BBC que o Papa afirmava que só retornaria à Argentina se pudesse ser “instrumento de unidade nacional”. Francisco temia que sua presença fosse explorada politicamente em um país cronicamente dividido entre peronistas e antiperonistas, kirchneristas e opositores. Convém recordar que, como padre e bispo, Jorge Bergoglio demonstrava proximidade a figuras emblemáticas do regime de Perón.

Ainda assim, a explicação não foi suficiente para conter a mágoa de muitos argentinos. A ausência foi especialmente dolorosa em tempos de crise econômica, com a inflação ultrapassando os 300% ao ano e a pobreza infantil em níveis alarmantes. “Ele nunca quis voltar ao seu país; é como se Jesus nunca tivesse pregado em Jerusalém”, comentou um internauta argentino.

A frustração com o Papa não se limita à política. Francisco tornou-se uma figura polarizadora até entre católicos devotos. Enquanto os conservadores o acusam de enfraquecer as tradições da Igreja, os reformistas expressam descontentamento com a lentidão das suas reformas. Entre esses polos, muitos o veem como um símbolo de promessas não cumpridas.

A relação amistosa com figuras políticas polêmicas, como a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner — condenada por corrupção —, também gerou desgaste. Fotografias de encontros amigáveis entre ambos inflamaram setores antikirchneristas, levando Francisco a ser chamado de “Francisco K” nas redes sociais, como se fosse um aliado oculto da ex-mandatária.

Embora o Papa tenha negado pertencer ao peronismo, em entrevista ao livro O Pastor declarou: “Se tivesse uma concepção peronista de política, o que haveria de errado nisso?”, reavivando a irritação de seus críticos.

Seus detratores, como o deputado libertário José Luis Espert, chegaram a acusá-lo de ser “um defensor da pobreza” e de sentir-se “cômodo com uma Argentina miserável”. Por outro lado, seus defensores compatriotas continuam a vê-lo como um exemplo de humildade e compromisso social por todos os gestos que teve com os pobres durante o seu pontificado. Entre eles, Francisco instituiu um dia de reflexão e caridade: A Jornada Mundial dos Pobres, celebrada anualmente em Roma e no mundo todo.

A verdade é que Francisco, para a decepção de muitos, parece ter se tornado mais um Papa do mundo que da Argentina. Como resumiu o dirigente Flavio Buccino à BBC: “Francisco era um problema para todos. Isso diz mais sobre nós, argentinos, do que sobre ele.”

Nesse contexto, destaca-se o contraste com seus predecessores não italianos no papado. João Paulo II visitou a Polônia ao menos três vezes durante seu pontificado — em 1979, 1997 e 1999. Bento XVI esteve na Alemanha, em 2006 e 2011. Ambos voltaram às suas terras natais. Francisco, não. Essa omissão permanece como um ponto de interrogação em seu pontificado.

Apesar da ausência física — ele só iria à Argentina quando sua presença pudesse ser um fator de conciliação —, Francisco acompanhava de perto os acontecimentos do país e mantinha correspondência com compatriotas, incluindo chamadas diárias ao sacerdote argentino Gabriel Romanelli, pároco em Gaza. Sua preocupação espiritual com a Argentina, segundo fontes próximas, sempre esteve viva.

A trajetória de Francisco se entrelaça com a história da Argentina, com suas dores e divisões. Talvez, por isso sua ausência seja ainda mais dolorosa aos nossos hermanos. Um Papa que desejava evitar ser um símbolo de divisão acabou sendo percebido como ausente e diviso quando sua proximidade física poderia ter tido um impacto positivo em uma nação empobrecida, que enfrenta uma das piores crises econômicas. Sem querer, Francisco pode ter se tornado o espelho de uma nação ferida. Mesmo diante da mais alta dignidade espiritual já conferida a um de seus filhos, ele não conseguiu reencontrar sua casa comum. Embora seja prematuro julgar os frutos dessa ausência, é impossível negar a cicatriz que ela deixa. Resta saber se um futuro papa não italiano enfrentará dilema semelhante, e escolherá voltar ao lar. Com efeito, a pergunta que ecoa não é apenas por qual razão Francisco não voltou, mas o que essa ausência revela sobre a sua pátria e sobre ele mesmo. Francisco fez valer o ditado argentino: Más duele la ausencia que la distancia.

Por Rafael Tavares

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