No século XII, houve na Inglaterra um arcebispo que lutou heroicamente pela Igreja, enfrentando o rei e o episcopado: São Tomás Becket.
Redação (18/07/2023 15:20, Gaudium Press) Gilberto, seu pai, era visconde e residia em Londres. Quando jovem, participando de uma peregrinação a Jerusalém, ele e seu escudeiro foram presos por um emir maometano que os reduziu à escravidão.
Admirando seus nobres modos de ser, o emir convocou-o a sempre sentar-se ao seu lado durante as refeições e narrar a respeito dos costumes do Ocidente.
Conversão de sua mãe que era maometana
A filha única do emir ouvia tudo aquilo maravilhada e, certo dia, encontrando Gilberto num lugar ermo, pediu-lhe que falasse sobre a Religião católica. Tendo ele feito uma síntese, a moça perguntou:
– Tu sofrerias por Jesus Cristo a própria morte?
– Sim. Sustentado pela graça, tudo farei pelo meu Redentor.
– Quero ser católica! Algum dia nos encontraremos!
Gilberto conseguiu fugir e voltou para Londres. Pouco depois, ela fez o mesmo e caminhava pelas ruas da cidade perguntando aos transeuntes a respeito do Visconde Gilberto, mas não obtinha nenhuma informação. Um dia, deparou-se com o escudeiro do mesmo que a reconheceu e a levou até seu mestre.
Tendo sido batizada, recebeu o nome de Matilde e se casou com Gilberto. Em 1118, nasceu Tomás o qual, após ter sido formado nas escolas paroquiais de Londres, estudou em Oxford e Paris.
Regressou à Inglaterra e ocupou importante cargo na corte, mas começou a decair espiritualmente. Certa ocasião, fazendo uma caçada, foi arrastado por uma correnteza e ficou enrascado entre as pás de um moinho. Tendo recorrido a Nossa Senhora, conseguiu livrar-se e passou a ter uma vida de seriedade.
Grande prestígio na Inglaterra e França
O Arcebispo de Cantuária pediu-lhe que fosse residir em seu palácio, e logo depois mandou-o estudar em Bolonha – Nordeste da Itália –, na mais antiga universidade do Ocidente. Tomás era alto, bem-apessoado, de trato agradável, falava com facilidade e elegância.
Após concluir brilhantemente o curso, regressou à Cantuária e o arcebispo o ordenou diácono. Enviou-o várias vezes a Roma para tratar de importantes assuntos, tendo ele sempre obtido bons resultados.
Em 1157, o Rei da Inglaterra Henrique II o nomeou chanceler. Tinha a sua disposição 700 cavaleiros que montavam equinos cujos arreios eram dourados e prateados. Os grandes senhores enviavam-lhe seus filhos para que os formasse e depois serem armados cavaleiros.
Também na França ele gozava de enorme prestígio. Quando entrava numa cidade, formavam-se filas de cavaleiros para escoltar sua carruagem. E de duas charretes distribuía-se cerveja ao povo.
Essa vida de corte favorecia a sensualidade. O valoroso Tomás sempre se manteve casto e desejava deixar o cargo de chanceler, para não se corromper e dedicar-se mais a Deus.
Tendo falecido o Arcebispo de Cantuária, Henrique II o indicou para substituí-lo. Tomás se opôs, mas a rogos do legado papal acabou aceitando; foi ordenado sacerdote e bispo. A pedido do rei, continuou sendo chanceler. Era o ano de 1162.
A partir de então, passou a usar um cilício que portou até sua morte. Levantava-se de madrugada, rezava o Ofício divino e depois celebrava a Missa. Nos sermões, frequentemente, “com grande coragem, repreendia os vícios dos grandes do lugar” [1].
O Papa Alexandre III, que se encontrava exilado na França, convocou um concílio, em 1163, na cidade de Tours. O Santo ali compareceu e, nas sessões, sentava-se ao lado do Pontífice. Pouco depois, demitiu-se do cargo de chanceler.
“Ainda que o mundo ruja, não cederei!”
Henrique II começou a se apoderar dos bens das dioceses vacantes, e exigiu que os bispos jurassem respeito aos costumes do reino, relativos a assuntos eclesiásticos; costumes esses que nem estavam definidos.
Praticamente todos os prelados apoiaram o ímpio rei. Pressionado por eles, São Tomás concordou e, logo depois, perguntou ao monarca quais eram os citados costumes. Reuniu-se, então, uma comissão para redigi-los e o Santo constatou que eram atentatórios à liberdade e à jurisdição da Igreja.
Profundamente arrependido por ter feito essa concessão, São Tomás passou a fazer mais orações, jejuns e outras penitências. Deixou de rezar Missas e, através de um mensageiro, enviou um pedido de perdão ao Papa, o qual o perdoou explicando que sua falta não era mortal, pois fora praticada por ignorância, e recomendou-lhe voltar a celebrar o Santo Sacrifício.
Tendo São Tomás recusado a colocar seu sinete no documento relativo aos costumes, uma comitiva de bispos o visitou e todos lhe pediram que obedecesse ao rei. Cheio de Fé, ele declarou:
“Ficai sabendo que, ainda que o mundo ruja, o inimigo se alevante, que me queimem o corpo, eu, com a ajuda de Deus, não cederei no que respeita ao rebanho que apascento.” [2]
Germens da Revolução
A respeito da batalha empreendida por São Tomás Becket, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira explicou:
“No século em que ele viveu, em plena Idade Média, havia uma disputa entre a realeza e o papado. Os reis entendiam que a Hierarquia eclesiástica inglesa deveria estar sob seu domínio, enquanto os papas, fundamentados na instituição criada por Nosso Senhor Jesus Cristo, reivindicavam o pleno domínio em matéria espiritual sobre todos os bispos, sacerdotes e fiéis.
“Por trás desse desacordo encontrava-se um princípio mais alto, uma discussão a respeito de um ponto que continha em si os germens da Revolução: quem afirma que o rei tem poder sobre a Igreja no fundo sustenta que o poder temporal, representante das coisas desta Terra e da matéria, possui um primado sobre o poder espiritual.
“Isso equivale a dizer que, na ordem dos valores, os assuntos terrenos e civis têm mais importância que os religiosos, sendo estes meros instrumentos daqueles. Donde fica subentendido, embora não se afirme explicitamente, que o fim da Religião se restringe à vida do homem neste mundo e que a Fé é um mito útil para disciplinar os homens, mas não representa uma verdade revelada, objetiva e absoluta.
“Ao contrário, o princípio sustentado pela Igreja é de que as coisas desta Terra existem em função da vida eterna e que, embora o Estado possua uma finalidade própria temporal, ele deve ajudar a Igreja a cumprir sua missão.
“Por essa razão, além de estar revestida de todo direito e poder em matéria eclesiástica, no que diz respeito à salvação das almas a Igreja tem autoridade até sobre o Estado, o qual não pode promulgar leis que contrariem a Lei de Cristo.
“Trata-se, portanto, de duas concepções opostas da vida: uma sacral e religiosa, sustentada pela Igreja; outra laica, materialista, revolucionária.”[3]
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas. 1959, v. 22, p. 139.
[2] Idem, ibidem, p. 147.
[3] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Mártir da liberdade da Igreja. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano XXIII, n. 273 (dezembro 2020), p. 23-24.
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