Todos podem e devem ser santos, em qualquer condição de vida e em “toda nação, tribo, povo e língua” (Ap 7, 9). Santo Agostinho perguntava-se em seu processo de conversão: “Por que estes ou aqueles podem ser santos, e não eu?”
Redação (19/11/2024 08:55, Gaudium Press) Vivemos hoje numa crise. Crise de costumes, de doutrinas, de virtude. A maior de todas, porém, é a crise de santidade. Amiúde se encontram modelos de businessmen, de atletas e de estrelas de cinema… Os santos, porém, andam um tanto desaparecidos. Para dizer o mínimo.
Alguém poderá argumentar que os santos serão sempre necessariamente raros, pois poucos alcançam o heroísmo na prática das virtudes. Isso se deve a que, com frequência, se entenda a santidade como algo arcano e utópico, embora ela constitua, na verdade, um imperativo evangélico: “Sede perfeitos, como vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5, 48).
Todos podem e devem ser santos, em qualquer condição de vida e em “toda nação, tribo, povo e língua” (Ap 7, 9). Santo Agostinho perguntava-se em seu processo de conversão: “Por que estes ou aqueles podem ser santos, e não eu?” Em outras palavras, se Isidoro, que foi lavrador, e Crispim, que foi sapateiro, tornaram-se santos, por que não eu?
Há, é verdade, falsos modelos de santidade. Já Nosso Senhor Jesus Cristo embateu-Se com os fariseus, perfeitos “sepulcros caiados” (Mt 23, 27), cujos exemplos jamais se deveriam imitar. E a Revolução, em suas diversas fases, também quis apresentar como “ungidos” ou salvadores da pátria indivíduos como Lutero, Robespierre ou Marx, cujas vidas estão longe de ser modelares.
Muito mais nocivo do que o mal escancarado, porém, é a falsa aparência de santidade. Como recitou Camões, “inimiga não há, tão dura e fera, como a virtude falsa da sincera”. Hoje essa oposição transparece sobretudo no erro que Dr. Plinio Corrêa de Oliveira denominou “heresia branca”, isto é, uma heresia não definida, esmaecida, edulcorada e selada pela indiferença, que confunde santidade com sentimentalismo, com falta de combatividade e de sacralidade.
Para os seguidores da “heresia branca”, São Francisco de Assis, um santo cruzado, seria uma espécie de hippie protetor dos animais; Santa Teresinha do Menino Jesus, religiosa de grandes horizontes missionários e desbravadora das “noites escuras” dos sofrimentos físicos e espirituais, uma “santinha” meiga e sem fibra; São Tomás de Aquino, chamado em seus anos estudantis de “boi mudo” por sua discrição e simplicidade, um erudito carrancudo e impiedoso.
Toda essa contrafação da santidade é feita, com frequência, de modo consciente. Até os maus sabem, no fundo, quem é verdadeiramente santo. Por exemplo, por ocasião da morte de Santa Joana d’Arc um secretário do rei da Inglaterra bradou: “Estamos perdidos; nós queimamos uma santa!” E o próprio demônio reconheceu a santidade de Cristo: “Sei quem Tu és: o Santo de Deus” (Lc 4, 34).
Tomando a etimologia grega e latina da palavra santo – ágios e sanctus –, São Tomás de Aquino determina duas características essenciais, e contrarrevolucionárias, da santidade: a pureza e a firmeza, seja como distanciamento do pecado e união com Deus, seja como resoluta perseverança na virtude. E essa aliança encontra-se bem sintetizada no Salmo: “Criai em mim um coração puro, dai-me de novo um espírito decidido” (50, 12).
Dessas considerações concluímos que a santidade está cada vez mais distorcida e abandonada, e que, na sociedade relativista na qual vivemos, não ser apóstolo, é ser apóstata. Abraçar a santidade segundo este mundo é trilhar as vias da heresia; e não ser santo, ou ao menos não buscar a santidade, é trair os princípios evangélicos. Afinal, só nos resta ser ou ser santo: não existe outra opção.
Texto extraído da Revista Arautos do Evangelho n. 275, novembro 2024. Editorial.
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