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Meditações de Santo Afonso Maria de Ligório — Bispo e Doutor da Igreja
A parábola do fermento e os efeitos da graça santificante
Domingo: Sexta Semana depois da Epifania
— “O reino dos céus é semelhante ao fermento” (Mt 13,33)
Sumário:
Nesta parábola do fermento, os santos Padres veem uma figura da caridade, isto é, da graça santificante. Assim como a levedura penetra toda a massa, levanta-a e lhe dá sabor; assim a graça divina tira da alma a friúra do pecado e, excitando nela santos afetos, torna-a digna de amizade de Deus. Mais: faz com que a alma seja, a morada do Espírito Santo, sua filha, sua esposa. Lancemos um olhar sobre nossas almas: estão elas ornadas da graça santificante?
I. Na parábola do fermento Santo Agostinho, o Bem-aventurado Alberto Magno e outros veem uma figura da caridade, isto é, da graça santificante. Porquanto, como a levedura penetra toda a massa, levanta-a e lhe dá sabor, assim a graça santificante tira da alma a friúra áspera do pecado, e inflamando-a no amor celeste eleva-a a um estado sobrenatural, torna-a digna da amizade de Deus.
— Por isso é que o Espírito Santo chama a graça um tesouro infinito:
Infinitus enim thesaurus est hominbus (Sb 7,14) – “É um tesouro infinito para os homens.”
Esse tesouro, porém, acrescenta o santo homem Jó, é um tesouro oculto, pois, se os homens conhecessem o valor da graça divina, não a trocariam por uma fumaça, um punhado de terra, um vil prazer:
Nescit homo pretium eius (jó 28,13) – “O homem não conhece o seu preço.”
Privados da luz da fé, os pagãos julgavam impossível que uma criatura pudesse ser amiga de Deus. E seguindo unicamente a luz natural, tinham razão, pois a amizade, segundo observa São Jerônimo, torna os amigos iguais. Deus, contudo, em muitos lugares nos declarou que, em virtude da sua graça, nos tornamos seus amigos, observando a sua lei:
Vos amici mei estis, si feceritis quae praccipio vobis (Jo 15,14) – “Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando.”
“Ó bondade de Deus”, exclama São Gregório, “não lhe merecemos o nome de servos, e digna-se chamar-nos seus amigos!”. Como se julgaria feliz quem fosse honrado com a amizade de seu rei! Mas seria temeridade para um vassalo, o pretender travar amizade com o seu príncipe. No entanto uma alma pode sem temeridade aspirar a amizade do seu Deus.
Conta Santo Agostinho que, estando dois validos do paço num convento, um deles pôs-se a ler a vida de Santo Antônio abade. A medida que ia lendo, o seu coração desprendia-se dos afetos mundanos. Voltando-se depois para o companheiro: Amigo, disse-lhe, que é que procuramos? Servindo o imperador, podemos esperar mais do que ser amigos? Chegando a isso, poremos em maior perigo a nossa salvação eterna. Além disso, com que dificuldade chegaremos a ser amigos do imperador! Ao contrário, assim conclui, desde já posso ser amigo de Deus, se o quiser.
II. Quem está na graça de Deus, torna-se, pois, amigo de Deus. Mais ainda, torna-se seu filho:
Dii estis, et filii Excelsi omnes (Sl 81,6) – “Sois deuses, e todos filhos do Excelso.”
É esta a grande prerrogativa que o amor divino nos alcançou por meio de Jesus Cristo. Além disso, a alma em estado de graça torna-se esposa de Deus:
Sponsabo te mihi in fide (Os 2,20) – “Desposar-me-ei contigo com fidelidade.”
Por isso o pai do filho pródigo, ao restituir-lhe as boas graças, ordenou que lhe dessem o anel, sinal dos esponsais.
— Finalmente, como diz São Paulo, quem está na graça de Deus, torna-se templo do Espírito Santo:
Templum Dei estis, et Spiritus Dei habitat in vobis (1Cor 3,16) – “Sois o templo de Deus e o Espírito de Deus habita em vós.”
Soror Maria de Oignies viu um dia o demônio sair do corpo de uma criança que estavam batizando, e o Espírito Santo entrar com um cortejo de anjos.
Ó meu Deus, eis que minha alma, quando estava em vossa graça, era vossa amiga, vossa filha, vossa esposa e vosso templo. Mas depois perdeu tudo pelo pecado, e tornou-se vossa inimiga e escrava do inferno. Graças Vos dou por me haverdes ainda dado o tempo para reparar o mal que fiz, para reentrar em vossa graça e aumentá-la mais e mais. Ó Bondade infinita, arrependo-me sobre todos os males de Vos ter ofendido, e amo-Vos sobre todas as coisas. Dignai-Vos receber-me de novo em vossa amizade. Por piedade, não me desprezeis.
Bem sei que merecia ser repelido de Vós; mas Jesus Cristo merece por mim que me aceiteis de novo, visto estar arrependido, em consideração do sacrifício que de si mesmo fez no Calvário.
— Adveniat regnum tuum – “Venha o vosso reino”. Meu Pai, (é assim que vosso Filho me ensinou a chamar-Vos) meu Pai, vinde reinar no meu coração pela vossa graça, fazei com que só Vos sirva, que viva só para Vós e que só Vos ame. Numa palavra, “fazei com que ocupando-me sempre com pensamentos santos e racionáveis, eu execute com palavras e obras o que é de vosso agrado divino”.
Peço esta graça também a vós, ó grande Mãe de Deus, e minha Mãe Maria.