Aquele convidado do Rei que não estava com trajes de festa foi terrivelmente censurado e castigado. Como estarmos nós com os trajes de festa?
Redação (10/10/2020 09:21, Gaudium Press) Por divina razão, referimo-nos a Deus – o nosso Criador – como nosso Pai. “Pai nosso”, verdadeiro Pai, o modelo absoluto de como deve ser um pai. Sua bondade infinita, sua afeição fora de todo limite humano, seu carinho magnânimo são tão surpreendentes e maravilhosos que melhor diríamos ter Ele uma verdadeira maternalidade em relação a nós. Na verdade, não terá Deus criado o amor materno a fim de termos uma muito pálida ideia do que é o amor d’Ele por nós?
Entretanto, por não receber no aconchego do lar os afetos e exemplos tão necessários para formação de todo e qualquer homem ou mulher, incontável é hoje o número daqueles que não podem ter a noção do que é um verdadeiro pai e às vezes até de uma verdadeira mãe.
A liturgia deste domingo, porém, nos traz uma outra imagem: a do rei. Infelizmente, o que chega aos nossos ouvidos a respeito dos reis é sempre a fantasia das mentalidades democratizadas e preconceituosas de nossos dias. Tomando sempre os exemplos maus, deformam na imaginação infantil a figura do rei; transformam-no num verdadeiro monstro usurpador, símbolo da tirania e da opressão, inimigo da fraternidade.
O rei, o bom rei, era o Pai de seu povo. Nosso Senhor Jesus Cristo vai nos contar uma parábola neste Domingo; qual personagem Ele escolhe para representar a Deus? Um rei.
“O Reino dos Céus é como a história de um Rei que preparou a festa de casamento do seu filho” (Mt 22,2 ). Com efeito, a principal festa social do povo judeu eram as bodas, uma ocasião de especial importância. “Mandou seus servos chamar os convidados para a festa, mas estes não quiseram vir” (Mt 22, 3). Diante da bondade e da condescendência daquele rei paternal, a reação dos convidados foi a pior possível; uns foram indiferentes: “não deram a menor atenção” e outros reagiram com violência: “agarraram os empregados, bateram neles e os mataram”. (Mt 22, 6). O rei, diante daquela injustiça, puniu aqueles homens, mandando tropas para incendiar suas cidades.
É muito significativo que Deus Nosso Senhor reúna no mesmo grupo de pessoas (o dos que “não foram dignos” da festa) os indiferentes e os revoltosos; os indiferentes que foram cuidar de suas preocupações, de seus campos e de seus negócios, e os revoltosos, que responderam à bondade do rei, praticando crimes. Uns e outros não foram dignos, não aceitaram o convite de Nosso Senhor. Assim, vemos que a indiferença de uns é quase tão grave quanto os crimes de outros.
Não sejamos indiferentes à Palavra de Deus, do contrário seremos tão indignos do banquete da vida eterna quanto os criminosos e imorais!
Como diz São João Crisóstomo: [esta parábola] “indica com quanto de circunspecção e de temor nós devemos servir a Deus e com qual severidade nossa negligência será punida”. (João Crisóstomo, Comentário ao Evangelho segundo São Matheus, Homilia 69).
Mas a parábola continua: o Rei manda os empregados pelas encruzilhadas dos caminhos c0nvidar todos os que encontrarem. E os empregados “reuniram todos os que encontraram, maus e bons” (Mt 22, 10).
De fato, maus e bons foram chamados. Entretanto: “Quando o rei entrou para ver os convidados, observou aí um homem que não estava usando traje de festa”. (Mt 22, 11). Observou, discerniu, diferenciou, ou seja, discriminou.
Fica claro que este traje de festa não se refere ao simples adorno exterior, mas sim, o estar revestido de boas obras. Como este convidado não as tinha, ouviu a sentença do rei: “‘Amarrai os pés e as mãos desse homem e jogai-o fora, na escuridão! Aí haverá choro e ranger de dentes’” (Mt 22, 13).
Por que o Rei chamou bons e maus?
Para que estes últimos pudessem converter-se, reconhecendo sua maldade e pedindo perdão. Desse modo, o rei não teria castigado este homem.
Deus não discrimina a raça nem a condição social, mas a honestidade das obras realizadas. Deus faz, então, discriminação? Devemos nós fazer discriminação? Não é um crime discriminar?
Discriminar é distinguir, diferenciar. A dona de casa que faz um bolo de aniversário precisa discriminar os ingredientes muito bem, colocar os ovos de um lado, o leite de outro, o chocolate e outros recheios, pondo cada um em seu lugar, e combinando-os, no momento certo, com a destreza de uma boa cozinheira.
Se quisermos estar com o “traje de festa”, precisamos saber discriminar o traje de festa do traje comum; precisamos saber abrir o guarda-roupa e pôr cada um no seu respectivo lado.
Qual guarda-roupa precisamos abrir? O guarda-roupa do interior de nossas almas, para ali discriminar o traje.
Bem-aventurados somos quando encontramos alguém que nos avisa, antes de entrar na festa, ou seja, antes de comparecermos diante da presença de Deus, depois da nossa morte: “Amigo, vais entrar na festa sem o traje adequado?” E, assim, termos tempo de nos corrigir.
Se queremos estar com o “traje de festa”, o traje das boas obras, devemos sim, em nossas vidas, discriminar o certo do errado, o bem do mal.
Como nos diz São Paulo na segunda leitura: “Irmãos, sei viver na miséria e sei viver na abundância. Eu aprendi o segredo de viver em toda e qualquer situação […]”. (Fl 4, 12) A indiferença em relação aos bens desta Terra nasce quando sabemos reconhecer a excelência dos bens do Céu que Deus, nosso Rei, tem para nos oferecer. Portanto, não nos aconselha Nosso Senhor fazer discriminação entre a abundância e a pobreza em si mesma, mas sim, unicamente, a discriminação do “traje de festa”.
Assim como o rei não recriminou aqueles homens da parábola que foram cuidar de seus campos e de seus negócios pelo fato de terem campos e negócios, mas porque não aceitaram o convite, assim também nos ensina São Paulo que o importante, para descobrir “o segredo de viver”, não é ter muito ou ter pouco, não é ser indigente ou rico, mas sim, saber render graças a Deus por aquilo que Ele nos dá.
Como nos explica Santo Agostinho “E então, qual é este traje de festa? Eis o que nos diz o Apóstolo: O fim desta prescrição, é o amor que vem de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera (1Tm 1, 5). Este é o traje de festa. Mas não qualquer amor, porque vemos muitas vezes homens desonestos amar outros, desonestos como eles, mas não encontramos entre eles o amor que vem de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera. Este amor é a vestimenta nupcial”. (Agostinho de Hipona, Sermão 90 5-6, PL 38, 561-562. Tradução pessoal)
Por Afonso Costa
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