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Santa Olga de Kiev

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Dia 11 de julho, a Igreja também lembra a memória de Santa Olga, a primeira santa russa inserida no calendário católico bizantino, cuja vida possui um halo de santidade incomum.

Redação (11/07/2022 09:49, Gaudium Press) Remontemos a meados do século IX e fixemos a atenção numa região longínqua situada entre a Ásia e a Europa, cujos contornos, se fossem traçados nos mapas atuais, abrangeriam terras pertencentes à Rússia, à Ucrânia e à Bielorrússia.

Por volta do ano 860, ali começou a se constituir uma confederação de tribos eslavas sob o governo de Rurik, um chefe de exploradores escandinavos conhecidos como varegues. Quando este morreu, sucedeu-o seu parente Oleg, o qual, expandindo os domínios da incipiente nação, conquistou a estratégica Kiev e nela estabeleceu a capital. Nascera o primeiro Estado eslavo oriental, que passaria para a História com o nome de Rus de Kiev.

Anos mais tarde, tendo falecido Oleg, coube ao Príncipe Igor, descendente de Rurik, assumir a soberania. Havia ele se casado em 903 com uma jovem de origem varegue chamada Olga, nome derivado do nórdico Helga que significa, curiosamente, sagrado ou santa.

Olga era pagã, assim como seu marido e sua gente, e ainda correria certo tempo até a graça operar em sua alma.

Um coração vingativo e inquieto

Em 945, Igor foi assassinado de maneira brutal pelos drevlianos, um povo tributário de Kiev que se sublevou contra a cobrança excessiva de impostos. Este acontecimento mudou por completo a vida da grande princesa, não só por fazer recair em suas mãos a regência, já que seu filho não tinha idade suficiente para governar, como também por provocar-lhe uma violenta reação de vingança contra os assassinos de seu marido.

Sim, pois se é verdade que ela possuía sabedoria e pulso suficiente para comandar o principado mesmo numa época em que as guerras eram o habitual e os períodos de paz um mero acidente, havia algo muito importante que lhe escapava do domínio, como, aliás, sucede a todo ser humano desprovido das forças sobrenaturais: ela não conseguia controlar os maus ímpetos de seu próprio coração…

As represálias eram algo comum entre os povos ainda não cristianizados, e Olga não fugiu à regra, fazendo uso não da força, mas da astúcia, para atingir seus objetivos.

Terríveis represálias contra os drevlianos

Narram os relatos que a primeira etapa da retaliação consistiu em acolher em Kiev alguns representantes dos drevlianos, os quais tinham vindo até ela com a notícia da execução de Igor e a proposta de que ela se casasse com um de seus príncipes. Olga mandou dizer-lhes que desejava honrá-los publicamente e os convidava para um banquete.

Deveriam, porém, ser conduzidos ao local não a cavalo ou a pé, mas sentados num barco que os próprios servos da princesa transportariam. No dia seguinte, com belos trajes e certos de que seria fácil fechar o contrato de casamento, os emissários foram levados à corte dentro da embarcação. Lá chegando, foram despejados num grande buraco aberto num dos salões do palácio, e ali enterrados vivos.

Naquela época, as notícias corriam de maneira lenta. Por isso, a viúva ainda teve a possibilidade de convocar à capital outros drevlianos mais abastados, alegando que deveriam fazer-lhe uma guarda de honra até a terra deles, onde, assegurava ela, realizaria o matrimônio.

Tendo eles se apresentado em Kiev, receberam o aviso de que havia uma casa de banho à sua disposição, para se lavarem antes de comparecer à presença da soberana. Tratava-se de mais uma emboscada: quando os drevlianos entraram no edifício, os servos da princesa fecharam as portas e lhe atearam fogo.

Contudo, a vingança ainda não havia terminado.

Olga dirigiu-se à cidade dos drevlianos com uma pequena escolta, anunciando que iria visitar o túmulo de seu marido e prestar-lhe uma homenagem fúnebre, que incluía um banquete. Nele foi servida grande quantidade de hidromel aos drevlianos, e quando estes ficaram embriagados, a princesa mandou que seus servos os massacrassem. A festa se tornou um enorme funeral…

A conclusão das represálias se deu no ano seguinte, na cidade de Iskorosten, onde Igor perecera. Os drevlianos haviam se isolado ali para fugir das investidas do exército de Kiev, e mesmo após serem sitiados se recusavam a submeter-se. A soberana então expediu-lhes uma mensagem na qual anunciava, em termos suaves, que não desejava senão um tributo simbólico, bastando três pombas e três pardais por casa.

Satisfeitos com a notícia, os drevlianos coletaram os pássaros e os enviaram à princesa, com suas saudações. Porém, o pedido visava um singular objetivo: Olga ordenou a seus soldados que amarrassem pedaços de enxofre envoltos em mechas de pano nas patas e, quando anoiteceu, determinou que as mechas fossem acessas e as aves liberadas. Ao voltarem para os pombais, marquises e beirais que lhes serviam de abrigo nas casas, e pousarem nos seus ninhos, a cidade inteira ficou em chamas.

Grande de espírito, intrépida na ação

A leitura desses episódios nos levaria a julgar que Olga era uma tirana e considerada como tal por seus súditos. Bem diferente, entretanto, é o que se comprova nos registros históricos. Assim comenta um autor, ao tratar do retorno da soberana à capital depois da incursão em terras drevlianas: “Ela foi recebida pelo povo, feliz de revê-la, com tanta alegria quanto admiração, sendo cercada de uma popularidade que se fundamentava na razão. […] Nesta ocasião, ela pôde ouvir tanto os homens de guerra quanto os amigos da paz chamarem-na de gloriosa grande princesa”.

Durante os anos que esteve à testa de Rus de Kiev, Santa Olga revelou ser “grande de espírito, forte de caráter, inteligente no conselho, intrépida na ação.

Entretanto, Olga também sentia em seu interior um vazio cada vez maior. A agudeza de seu discernimento lhe evidenciava a existência de um mundo superior, mais poderoso e influente, ao qual devia se submeter.

O olhar perspicaz da princesa se voltava com crescente interesse para as inovadoras práticas religiosas de alguns de seus súditos: os cristãos, que gozavam de liberdade no principado e possuíam inclusive uma igreja onde se reuniam para as celebrações.

Atraída pela força do Evangelho

No decorrer do século X, a Fé cristã ia aos poucos penetrando em Rus de Kiev, graças aos missionários que vinham de Bizâncio e dos territórios eslavos vizinhos outrora evangelizados por São Cirilo e São Metódio.

A sós no grande salão de sua residência, a princesa refletia, sentada num trono de pedra. Absorta, fitava um ponto indefinido na direção da lareira, cujo crepitar se abafava de vez em quando pela movimentação dos servos nos corredores e aposentos contíguos.

Em determinado momento, anunciaram-lhe a chegada do sacerdote por ela convocado para uma entrevista particular. A princesa o recebeu com polidez e começou o interrogatório. Primeiro, quis saber onde vivia, com o que se ocupava e quais eram suas posses. O padre a tudo respondia com serenidade e firmeza, deixando a inquiridora desconcertada com certas afirmações, das quais destilavam os perfumes da conduta cristã: a abnegação em favor do próximo, o desapego dos bens do mundo, a integridade moral.

A fim de testar a submissão dos adeptos da nova religião ao poder do Estado, ela perguntou:

— O que farias, se eu te expulsasse de Kiev?

— Eu vos obedeceria, e partiria à procura de outro local onde houvesse irmãos meus, para aí prosseguir a minha missão de ensinar e santificar.

— Irmãos? Quem são teus irmãos? – indagou ela, estranhada.

— São todos os filhos de Deus, ou seja, todos os batizados. Enquanto sacerdote, estou disposto a dar a minha vida pela salvação eterna de um só deles, se for preciso.

— E quando um deles te ofende? – retrucou a princesa, perplexa.

Supunha ela que o Evangelho se baseava na famosa lei de talião, pela qual o revide devia ser equivalente à afronta recebida; por isso não pôde conter uma exclamação de assombro quando o sacerdote esclareceu:

— Se a ofensa atinge apenas a minha pessoa e não a honra de Deus, eu o perdoo. Nosso Divino Salvador assim preceituou: “Amai vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem”. Quem ama somente os que o amam não faz nada de extraordinário, e devemos ser perfeitos como Deus o é.

Partiu de Kiev à procura da Sabedoria

Embora aquelas verdades contundissem sua mentalidade, a princesa estava ávida por saber mais. Já haviam chegado a seus ouvidos notícias a respeito da coragem dos batizados, que por fidelidade a Cristo declaravam preferir a morte a oferecer um sacrifício aos deuses. Ela admirava essa fortaleza de espírito, mas ficava intrigada: como homens abnegados e tão cheios de doçura, capazes de dobrar-se para fazer o bem ao próximo e dispostos a tudo padecer sem murmurar, podiam ser tão inflexíveis em suas ideias, corajosos a ponto de viver e proclamar às claras uma doutrina oposta aos costumes reinantes, expondo-se ao riso, ao ódio e à perseguição?

Traçando uma bela analogia entre a princesa eslava e a rainha de Sabá, um autor antigo escreve que esta deixara a Etiópia para ouvir a sabedoria de um homem, enquanto aquela, certo dia, partiu de Rus de Kiev à procura da Sabedoria Divina. Isto se deu por volta de 955, quando Olga se dirigiu a Constantinopla para ser batizada, abraçando publicamente o estilo de vida dos cristãos.

Aurora da conversão do povo russo

Tudo leva a crer que, na capital do Império Bizantino, Santa Olga visitou diversas igrejas, entre as quais a dos Santos Apóstolos, onde pôde venerar os restos de Santo André. Conforme reza a tradição, o irmão de Pedro esteve na região de Kiev e a abençoou, profetizando que ali se elevaria uma cidade na qual Deus seria servido.

Ao retornar a Kiev, Santa Olga tentou converter seu filho Sviatoslav à verdadeira Fé, mas ele recalcitrava, alegando que o povo zombaria dele se abraçasse uma crença diferente dos costumes gerais da nação.

Conta-se que, tendo ele já assumido o governo de Rus, sua mãe frequentemente procurava convencê-lo, dizendo-lhe: “Meu filho, eu conheci a Sabedoria, e estou feliz por isso. Se tu quiseres conhecê-la, alegrar-te-ás também”. E, como se obstinasse em seu paganismo, ela o lembrava que, sendo ele a cabeça do povo, não devia se preocupar com o respeito humano: “Se fores batizado, todos farão o mesmo”.

Porém, a concretização do grande desejo que a consumia, de ver a nação russa nos braços da Santa Igreja, estaria reservada a outros…

No dia 11 de julho de 969, tendo quase oitenta anos, Santa Olga atravessou os umbrais da eternidade, tendo ordenado que à sua morte não deveriam promover as tradicionais honras funerárias pagãs, pois queria que os últimos ritos sobre seu corpo fossem os Sacramentos e bênçãos da Santa Igreja.

Por Ir. Isabel Lays Gonçalves de Sousa, EP.

 

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho, n. 211, julho 2019.

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