A carta de São Tiago evidencia como o costume de ungir os enfermos era já praticado naqueles primeiros tempos do Cristianismo: “Está alguém enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor” (5,15).
Redação (14/11/2023 09:31, Gaudium Press) Inúmeros são os sofrimentos e desconfortos que cercam nossa existência cotidiana. Para cada homem se apresentam, diariamente, novas complicações, sejam elas físicas, tais como doenças, morais, como desentendimentos entre parentes.
Há, porém, um gênero de sofrimento que, embora advenha a cada um de modo diverso, é essencialmente comum a todo ser humano: a morte.
Cada um de nós, com efeito, se apresentará diante de Deus para prestar contas de nossos pensamentos, palavras e atos realizados em nossa vida terrena.
E é em vista deste momento grave e extremo, do qual pode depender uma eternidade, que Nosso Senhor Jesus Cristo nos proporcionou um excelente meio de preparação: o Sacramento da Unção dos Enfermos.
“Está alguém enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja”
Por “enfermo”, entende-se todo aquele que padece de um mal que pode ou não levar à morte.
Sabemos que vários são os efeitos físicos e psíquicos que decorrem de uma enfermidade: “a doença […] pode levar à angústia, ao fechar-se em si mesmo e até, por vezes, ao desespero e à revolta contra Deus. Mas também pode tornar uma pessoa mais amadurecida, ajudá-la a discernir, na sua vida, o que não é essencial para se voltar para o que o é. Muitas vezes, a doença leva à busca de Deus, a um regresso a Ele”. (Catecismo nº 1501).
É preciso ter em vista que “as dores e enfermidades sempre foram consideradas como os maiores problemas que afligem a consciência dos homens. Porém os que professam a fé cristã, mesmo padecendo e experimentando tais sofrimentos, são ajudados pela luz da mesma fé a compreender de modo mais profundo o mistério da dor e a suportá-la com maior coragem”.[1]
E o Senhor não é insensível a estes males. Ele mesmo, estando nesta Terra, curou todos os doentes que se lhe apresentaram. Será que Jesus deixaria de aliviar as dores dos homens que viveriam após sua subida aos Céus? Não! Seu amor imenso não o permitiria agir dessa forma. Por isso, como atesta a Igreja, Cristo instituiu um Sacramento próprio a atender aos que se encontram nesta situação.[2]
A carta de São Tiago evidencia como o costume de ungir os enfermos era já praticado naqueles primeiros tempos do Cristianismo: “Está alguém enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o restabelecerá. Se ele cometeu pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg 5,14-15).
No que consiste este Sacramento, e como recebê-lo
Na nossa vida espiritual, sói acontecer que certas “chagas espirituais” – defeitos, egoísmos, imperfeições diversas – carecem de uma cura completa, dadas as negligências e descuidos com que as enfrentamos.
Esta cura completa se dá maravilhosamente pelo Sacramento da Unção dos Enfermos, que, bem recebido, também nos liberta da pena temporal e nos livra de qualquer coisa que o possa impedir da consecução da glória.[3]
São Tomás explica que dos pecados esquecidos ou ignorados e, até “dos que cotidianamente cometemos, sem os quais não se vive na terra, o homem será livrado por este Sacramento na saída deste mundo”.[4] Sendo o último Sacramento que se recebe antes de cruzar os umbrais da morte, e consumativo de toda cura espiritual, é também chamado de Extrema-Unção.[5]
Já sabemos que, dentre os sete Sacramentos, há alguns que são chamados “de vivos” e outros “de mortos”. Ambas palavras não se referem ao estado físico de animação do corpo, mas sim à condição da alma. “Vivos” são aqueles que se encontram na graça de Deus, ou seja, isentos de pecado mortal. Por “mortos” compreendemos aqueles não estão no estado de graça.
Este Sacramento, é, pois, “de vivos”. Sendo assim, podem recebê-lo os fiéis já batizados que estão na graça de Deus. Contudo, caso o estado físico do enfermo não o possibilite de se confessar, este Sacramento opera o perdão dos pecados – inclusive os mortais, naquelas pessoas que têm o real e sincero desejo de emenda, embora estejam impedidas de externá-lo –, realizando assim as palavras do Apóstolo Tiago: “A oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o restabelecerá. Se ele cometeu pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg 5, 15).
Ademais, a Unção dos Enfermos não é ministrada somente aos que se encontram em indiscutível iminência da morte, mas também àqueles que correm risco dela, seja por doença, seja por velhice.[6] A Igreja recomenda, inclusive, a administração da Unção àqueles que vão passar por uma operação cirúrgica importante que lhe possa trazer graves riscos.[7] Não obstante, é preciso salientar que aqueles doentes que obstinadamente perseveram em pecado grave manifesto não podem receber a Unção.[8]
Em um rito abreviado, para o caso iminente de morte, confere-se a unção ungindo-se a fronte e as mãos do enfermo[9] com a seguinte fórmula:
“POR ESTA SANTA UNÇÃO E PELA SUA INFINITA MISERICÓRDIA, O SENHOR VENHA EM TEU AUXÍLIO COM A GRAÇA DO ESPÍRITO SANTO, PARA QUE, LIBERTO DOS TEUS PECADOS, ELE TE SALVE E, NA SUA BONDADE, ALIVIE OS TEUS SOFRIMENTOS”.[10]
Os efeitos deste Sacramento
Pela realização da Unção dos Enfermos, são produzidos os seguintes efeitos:
1º – O doente se une à paixão de Cristo;
2º- É-lhe concedido um dom particular do Espírito Santo;
3º – Ele obtém perdão dos pecados;
4º – Alcança o restabelecimento da saúde (se tal for conveniente para seu benefício espiritual);
5º – Advém-lhe uma graça Eclesial;
6º – É-lhe preparada sua passagem para vida eterna.[11]
Expliquemos cada um destes pontos:
1º – A união do enfermo à paixão de Cristo concorre para o seu próprio benefício e o de toda a Igreja. Com efeito, nesse estado, o homem “é, de certo modo, consagrado para produzir frutos pela configuração com a paixão redentora do Salvador. O sofrimento, sequela do pecado original, recebe um sentido novo: transforma-se em participação na obra salvífica de Jesus”.[12]
2º- É o próprio Deus quem lhe confere uma “graça de reconforto, de paz e de coragem para vencer as dificuldades próprias do estado de doença grave ou da fragilidade da velhice. E esta é um dom do Espírito Santo, que renova a confiança e a fé em Deus, e lhe dá força contra as tentações do maligno, especialmente a tentação do desânimo e da angústia da morte (cf. Hb 2,15)”.[13]
3º – O perdão dos pecados mortais, concedido ordinariamente pela Confissão, entretanto, se não há condições físicas para dar-se pela Penitência, é operado pela Unção.
4º – A doença, mal do corpo, pode ter sua origem relacionada a alguma “enfermidade da alma” – um pecado, cujos efeitos nocivos por vezes se estendem, segundo um juízo divino, ao corpo.[14] Assim, sanando o mal espiritual do pecado, o corpo, por consequência, também restabelece sua saúde por este Sacramento. Claro está, sempre que tal cura for da vontade Divina.[15]
5º – A graça eclesial consiste no seguinte: “ao celebrar este Sacramento, a Igreja, na comunhão dos santos, intercede pelo bem do doente. E o doente, por seu lado, pela graça deste Sacramento, contribui para a santificação da Igreja e para o bem de todos os homens, pelos quais a Igreja sofre e se oferece, por Cristo, a Deus Pai”.[16]
6º – Por fim, este Sacramento auxilia como uma preparação para a suprema passagem. Por isso é denominado “sacramentum exeuntium – sacramento dos que partem,[17] pois a Unção dos Enfermos completa a nossa conformação com a morte e ressurreição de Cristo, tal como o Batismo a tinha começado”.[18]
Por Denis Sant’ana
[1] CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Sacramentário. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 99.
[2] “Esta sagrada unção dos enfermos foi instituída pelo Cristo, nosso Senhor, como Sacramento do Novo Testamento, no sentido verdadeiro e próprio, indicado por Marcos (cf. Mc 6,13) e, ademais, recomendado aos fiéis e promulgado por Tiago, Apóstolo e irmão do Senhor”. (DH 1695).
[3] TOMÁS DE AQUINO. Suma contra os gentios. 4, c. 73, n. 2. Trad. Odilão Moura. Epicurs: Porto Alegre, 1996.
[4] Id., ibid.
[5] Id., n.3.
[6] Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. n.73.
[7] CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Op. cit., p. 101.
[8] Cf. CIC 1007.
[9] O óleo da unção deve ser aplicado nas partes do corpo pelas quais se introduz na alma a doença do pecado. A cabeça simboliza os quatro dos sentidos – visão, audição, olfato e paladar – e as mãos, o tato. Cf. TOMÁS DE AQUINO. Op. cit., n.6.
[10] CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Op. cit., p. 103.
[11] Cf. CEC 1520, 1522, 1532.
[12] CEC 1521.
[13] CEC 1520.
[14] Cf. TOMÁS DE AQUINO. Op. cit., n.1.
[15] Id., ibid.
[16] CEC 1522.
[17] Cf. CONCÍLIO DE TRENTO, Sessão 14. (DH 1698).
[18] CEC 1523.
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