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Contraste entre egoísmo e generosidade

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Em face das mentirosas aparências derivadas do orgulho, manifestadas na hipocrisia dos doutores da Lei, Nosso Senhor nos exorta a sermos humildes e isentos de qualquer vanglória humana.

Óbolo da viúva - Abadia de Ottobeuren (Alemanha) Foto: Francisco Lecaros

Óbolo da viúva – Abadia de Ottobeuren (Alemanha) Foto: Francisco Lecaros

Redação (09/11/2024 12:21, Gaudium Press) Para entendermos bem o trecho evangélico escolhido pela Igreja para este 32º Domingo do Tempo Comum, devemos levar em consideração que os Sagrados Evangelhos não foram escritos apenas como um livro comum, uma história para fazer bem às almas piedosas dos primeiros tempos do Cristianismo. Antes de tudo, eram eles uma convocação à culminância espiritual, a uma perfeição como a do Pai do Céu. Mas não só isso: eram também elemento de polêmica, uma vez que os primeiros divulgadores da Boa-nova, na sua ação apostólica, encontravam diante de si obstáculos a vencer. Quando São Marcos elaborou seu Evangelho, um destes entraves provinha de homens versados na Lei de Moisés e nas Escrituras do Antigo Testamento.

Alertando as multidões contra a hipocrisia

“Naquele tempo, Jesus dizia no seu ensinamento a uma grande multidão: ‘Tomai cuidado com os doutores da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes’” (Mc 12,38-39).

É importante destacar o detalhe apontado pelo Evangelista: Jesus falava a “uma grande multidão”. Foi, portanto, um ensinamento destinado a todos e dado sem rodeios, alertando o povo contra os doutores da Lei, pelas razões expostas a seguir.

Segundo os costumes da época, era natural que todo mundo fizesse vênias especiais quando passava um doutor da Lei, a quem estavam reservados os lugares de preeminência nos atos públicos. Conforme faz notar o padre Tuya,[1] a praça pública, ou ágora, era o centro comercial e social da cidade. Por isso os escribas e fariseus gostavam de, com seus vistosos trajes, passear lenta e gravemente nesse local, para receber os cumprimentos do povo, e cobiçavam de maneira especial o título de rabi, que significa meu mestre. “Nas assembleias, os lugares eram determinados não só em razão da idade, mas também da dignidade do personagem, por exemplo, de sua sabedoria. Como os lugares designados pela dignidade eram muito menos numerosos que os destinados a pessoas por motivo da idade, queriam os fariseus, por ostentação e vaidade, que nos banquetes lhes fossem dados estes primeiros lugares, para destacar com isso sua distinção. […] Era uma ânsia desmedida, infantil e quase patológica de vaidade e soberba”.[2]

Uma leitura superficial dos dois versículos acima transcritos poderia levar a crer que não se deve usar roupas belas, cumprimentar com cortesia ou favorecer a hierarquia no relacionamento social. Aliás, as roupas nobres e decorosas estão sendo abandonadas, por causa da mentalidade dos dias nos quais vivemos. Predomina o feio pelo feio, e o igualitário pelo igualitário. Vai-se generalizando o gosto de vestir-se o mais negligentemente possível, de forma a poder sentar-se no chão; entram na moda o feio, o velho, o rasgado e o imoral, enquanto se simplificam ao máximo os costumes, tal como nem seres irracionais o fariam. Não é isso o que o Divino Salvador queria para seus seguidores.

O problema não está na roupa vistosa ou na honraria, mas em querer chamar a atenção sobre si, isto é, em ter a intenção não de louvar a Deus, e sim de louvar-se a si mesmo. Os costumes enumerados por Nosso Senhor — de si legítimos em algumas circunstâncias — eram do gosto dos doutores mais por soberba do que por admiração pelas coisas belas, pelo desejo de glorificar a Deus ou pelo intuito de fazer bem ao próximo. Seu objetivo era vangloriar-se, ostentar superioridade, no fundo serem “adorados”, incensados pelos outros. Usurpavam, pois, o lugar central pertencente a Deus. Aquele aparato de dignidade, aquela aparência de honra, respeito e sabedoria deveriam corresponder à verdade dos fatos, ou seja, a vida de tais doutores é que deveria torná-los credores destas homenagens.

Entretanto, a realidade era bem diferente, e Jesus vai denunciá-la.

A aparência, manto de uma realidade pecaminosa

“Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação” (Mc 12,40).

No Antigo Testamento, a viúva tinha pouca proteção, e, assim sendo, alguns homens inescrupulosos procuravam arrancar delas o quanto podiam. Comum era o caso de viúvas sem filhos adultos, às quais tocava a responsabilidade de administrar a fortuna da família. Nesta situação de desamparo, conforme aponta Nosso Senhor, introduzia-se um mestre da Lei que, sob a escusa de rezar, terminava por rapinar seus haveres.

Ao denunciar este tipo de ações, o Divino Mestre deixava patente aos seus ouvintes o quanto os doutores da Lei representavam exteriormente aquilo que não eram. Conheciam todos os meandros da Lei, sem praticá-la… Portavam-se como vorazes devoradores de fortunas alheias. Ainda mais, sendo legistas, sabiam bem conduzir os processos jurídicos que rodeavam cada pleito de sucessão e, com isso, tinham maior facilidade em terminar apossando-se do dinheiro. Por conseguinte, sob aparência de virtude, ocultava-se uma mentalidade de vampiro, cujo fim era arrancar dos outros, de modo injusto e inescrupuloso, tudo quanto fosse possível.

As funestas consequências do orgulho

Sirva-nos isto de alerta contra os perigos do orgulho. Toda vaidade — quando aceita com indulgência, como acontecia com esses doutores — acaba levando à desobediência aos Mandamentos de Deus. Condição essencial para manter-se fiel à Lei é a humildade; a chave da prática duradoura de todos os preceitos divinos é esta virtude. No caso dos doutores da Lei, o egoísmo orgulhoso — agravado pela duplicidade de espírito, a hipocrisia de representar de maneira aparatosa aquilo que não se é — torna-os merecedores da “pior condenação”, segundo a enérgica expressão do próprio Homem-Deus: a danação eterna, no inferno, castigo adequado para quem, tomando as vias do orgulho, embrenha-se na desonestidade e em outros pecados. Fujamos, pois, de toda e qualquer vanglória, para não terminarmos por romper com os demais Mandamentos da Lei de Deus. E tenhamos a certeza desta verdade: na raiz de todo pecado grave está sempre o orgulho.

Extraído, com alterações de: CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2014, v. 4, p. 488-492.


[1] Cf. TUYA, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v. V, p. 499.

[2] Idem, p. 500.

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