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Dia dos sofredores, dia dos contrariados, dia dos heróis: Dia de Todos os Santos

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 “Os Santos constituem sempre uma provocação para o conformismo dos nossos costumes, que com frequência julgamos prudentes simplesmente por serem cômodos. O radicalismo do testemunho dessas figuras heroicas vem a ser uma sacudidela para a nossa preguiça e um convite para que descubramos certos valores esquecidos”

 Redação (31/10/2020 16:55, Gaudium Press) Na igreja, a qual frequento desde os dias de minha infância, estão dispostas inúmeras imagens de santos – quinze, aproximadamente.

Elas sempre foram objeto de minha atenção.

Aquelas figuras emblemáticas a princípio me pareciam pessoas enormes… e muito interessantes. À medida em que perguntava aos mais velhos, eles me contavam a história, resumida evidentemente, daqueles entes míticos, e eu ia descobrindo seus nomes: José, Expedito, Francisco, Rita de Cássia, Teresinha…

Depois me pareceram diminuir, em tamanho é verdade, mas também em simpatia. As posturas e fisionomias daqueles personagens, outrora fantásticos, já não satisfaziam aos anseios do menino que crescera. Pareciam pessoas tristes e ingênuas, muito ingênuas. São Francisco parecia não mais gostar das pombinhas que pousavam sobre ele; e Santa Teresinha nem conseguia carregar direito seu crucifixo, que emergia de um ramalhete desproporcional de flores.

Estes são os heróis da Igreja? – me perguntava – por acaso os soldados que sofrem numa guerra não têm mais valor que estes “santos”? São belas suas vidas, mas me parecem surreais, um conto de fadas…

De fato, as histórias que ouvia eram irreais. Isso porque a maior parte daqueles que mas contavam prescindiam dos aspectos talvez mais importantes das vidas dos santos: o sofrimento e a luta.

E qual não foi minha surpresa ao me deparar com frases da autoria de certa santa francesa, aquela mesma Teresinha; ou melhor, uma outra que eu ainda não conhecia: “Que felicidade eu teria sentido, por exemplo, em combater no tempo das cruzadas, ou, mais tarde, em lutar contra os hereges. Ah! Eu não teria tido medo do fogo!”[1], e “É preciso que eu morra com as armas na mão, tendo na boca o gládio do espírito, que é a palavra de Deus”[2].

Em torno destas frases muitas coisas se esclareceram.

Os heróis da Igreja, os gloriosos santos não saíram de livros de fábulas nem são fruto de imaginações criativas. Tampouco foram seres incorpóreos e incapazes de sofrer; menos ainda homens e mulheres românticos e coniventes com o mal.

Até chegarem ao heroísmo…

Continuei minhas pesquisas pelo mundo da hagiografia e, num livro intitulado “Os Santos, pedra de escândalo”, pude ler o seguinte trecho: “Os santos de todas as épocas jamais caminharam como anjos alados sobre nuvens de purpurina, mas tiveram que lavrar sua santidade dia após dia, passo a passo, por entre dificuldades e tropeços. Caíram-se e levantaram-se uma vez e outra, entre barrancos e pântanos; feriram-se – porque eram homens – de encontro às pedras das misérias humanas e dos seus próprios defeitos e limitações; e suportaram por amor a Deus – porque eram santos -, até chegarem ao heroísmo, a poeira que os contemporâneos levantaram ao seu redor, com seus insultos e calúnias.”[3]

Fora de moda

E por que seus contemporâneos os cercaram de insultos e calúnias?

“O meio de ter razão quanto ao futuro consiste, em certas horas, de saber resignar-se em estar fora da moda”[4], comentou um jornalista francês em certa ocasião.

Ora, essas gloriosas figuras nunca estiveram “na moda” em seu tempo. Muitos tiveram de contrariar frontalmente os costumes de suas épocas para, muitas décadas ou séculos depois, serem glorificados. São Francisco de Assis é um exemplo.

Não é em vão que Chesterton, em sua biografia sobre Santo Tomás de Aquino, defende esta tese formidável: “O santo é remédio por ser antídoto. Realmente é esta a razão por que o santo é tantas vezes mártir: tomam-no por veneno por ser triaga. Em geral, sucede restabelecer ele a saúde do mundo, exagerando aquilo que o mundo despreza: um elemento qualquer, que não é, de modo nenhum, sempre o mesmo em todas as épocas. No entanto, cada geração procura o seu santo por instinto, não o que ela quer, mas o de que precisa. (…) Daqui resulta o paradoxo da história, de cada geração ser convertida pelo santo que mais em desacordo está com ela.” [5]

É justamente o que Paulo VI vem confirmar, em sua homilia na beatificação de Santa Beatriz da Silva: “Os Santos constituem sempre uma provocação para o conformismo dos nossos costumes, que com frequência julgamos prudentes simplesmente por serem cômodos. O radicalismo do testemunho dessas figuras heroicas vem a ser uma sacudidela para a nossa preguiça e um convite para que descubramos certos valores esquecidos.”[6]

Não houve nenhum que tivesse sido bem tratado pelo mundo

E ainda Santo Afonso de Ligório sublinhará: “Quem quiser ser glorificado como os santos tem, como eles, de sofrer na Terra, pois não houve nenhum que tivesse sido bem tratado pelo mundo; todos foram perseguidos e desprezados, cumprindo-se neles o que diz o Apóstolo: todos os que querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos”.[7]

Hoje respiro aliviado ao contemplar aquelas mesmas imagens. Mas isso porque, graças a Deus, agora consigo reconhecer nas pombinhas de São Francisco a paz que ele conquistou para sua alma pela guerra que travou contra o mundo, o demônio e a carne: “si vis pacem para bellum”; e, por detrás das rosas de Santa Teresinha, os espinhos dos incontáveis sofrimentos que ela soube suportar com alma de guerreira.

Enfim, hoje posso entrever, por detrás das piedosas imagens de resina, os monumentos de dor, luta e glória que se elevam sobre a mediocridade de nossos dias para proclamar as glórias de um Deus que transforma homens de carne e osso em luzeiros a cintilar no firmamento da Igreja Católica por toda a eternidade.

Por Afonso Costa


[1] SANTA TERESA DO MENINO JESUS. Palavras dirigidas à Madre Inês de Jesus em 4 de agosto de 1897. Novissima Verba, p. 115.

[2] SANTA TERESA DO MENINO JESUS. Conseils et Souvenirs, p. 9-10.

[3] CEJAS, José Miguel. Os Santos, pedras de escândalo. São Paulo: Quadrante. 1997. p. 9.

[4] Le Moyen d’avoir raison dans l’avenir est, à certaines heures, de savoir se résigner à être démodé”.

[5] CHESTERTON, G.K. Santo Tomás de Aquino. São Paulo: LTR. 2003. p. 30-31.

[6] PAULO VI. Homilia na beatificação de Santa Beatriz da Silva. 3 de outubro de 1976.

[7] SANTO AFONSO DE LIGÓRIO. In: CEJAS, José Miguel. Os Santos, pedras de escândalo. São Paulo: Quadrante. 1997. p. 9.

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