Aquele que chegara correndo e se ajoelhara sôfrego diante de Nosso Senhor, retirou-se de sua presença triste e abatido. Preferiu conservar seus bens terrenos, desprezando — fato inédito no Evangelho — o “tesouro no Céu” oferecido pelo próprio Deus.
Redação (13/10/2024 14:22, Gaudium Press) O Novo Testamento nos apresenta inúmeros exemplos do chamado feito pelo próprio Jesus aos escolhidos para serem seus Apóstolos. Vê Mateus na coletoria de impostos e lhe diz: “Segue-Me” (Mt 9, 9); no caminho de Damasco, São Paulo é lançado por terra e, ao ouvir a voz que o interpelava, responde: “Senhor, que queres que eu faça?” (At 9, 6); cheio de pasmo após a pesca milagrosa, Pedro se prosterna diante do Mestre, exclamando: “Retira-Te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador” (Lc 5, 8), e escuta a divina promessa de que “doravante, serás pescador de homens” (Lc 5, 10).
Tal como Mateus, Paulo ou Pedro, que tudo abandonaram imediatamente para seguir este Mestre, precisamos responder com prontidão, generosidade e alegria ao chamado que Jesus faz a cada um de nós.
Este é o ensinamento contido no Evangelho deste 28º Domingo do Tempo Comum, como veremos a seguir.
Procura sôfrega do caminho da salvação
São Marcos, tão sintético em outras passagens, é minucioso ao narrar o episódio do jovem rico. Já o primeiro versículo contém interessantes pormenores dignos de especial atenção.
“Naquele tempo, quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante d’Ele, e perguntou: ‘Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?’” (Mc 10,17)
Pelo fato de vir “correndo” ao encontro de Nosso Senhor, podemos supor o quanto este “alguém” estava sôfrego de obter aquilo que ia pedir. Decerto ouvira a pregação de Jesus e, sob o impulso de uma graça sensível, deixou-se arrebatar por seus divinos ensinamentos. Almejando, de um lado, alcançar a vida eterna e, de outro, não tendo a certeza de merecê-la, sentiu, no fundo da alma, ser Jesus capaz de mostrar-lhe com segurança o caminho da salvação.
A própria pergunta feita por ele ao Salvador fala neste sentido, pois, como aponta Didon, ela “revelava uma natureza superior e uma alma sincera. As doutrinas da escola sobre o mérito das obras legais, sobre a santidade pela virtude dos ritos, não satisfaziam sua consciência; certamente ouvira o Mestre falar da vida eterna com um realce que o tinha penetrado”.[1]
“Jesus disse: ‘Por que Me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém’” (Mc 10,18).
Esta resposta causa perplexidade à primeira vista, mas logo se compreendem as divinas razões que levaram Nosso Senhor a dá-la.
Não visava o Divino Redentor repreendê-lo, e sim chamar sua atenção para esta realidade: só Deus é a Bondade e, por conseguinte, bondade absoluta só há em Deus. Santo Efrém ensina a este respeito que Cristo “recusa o título de ‘bom’, dado por um homem, para indicar que Ele tinha esta bondade adquirida do Pai, por natureza e geração, que não a tinha simplesmente de nome”.[2]
Ao chamá-Lo de “Bom Mestre”, o jovem rico mostrava ver principalmente o lado humano do Messias: sua inteligência, capacidade e sabedoria naturais. Ora, Jesus quer que ele O considere não só como Homem, mas sobretudo como Deus. E por isso o interpela: “Por que Me chamas de bom?”.
Com esta pergunta o convida a dar um passo a mais, como quem diz: “Estás vendo só o meu lado humano, contempla também o divino. No fundo, sem te dares conta, Me estás atribuindo uma divindade que de fato tenho, porque sou Deus. Toma consciência disto, compreende esta realidade com clareza e, compreendendo, ama-a ainda mais”.
“’Tu conheces os Mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!’ Ele respondeu: ‘Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude’”. (Mc 10,19-20)
Nova mostra da divindade de Jesus nos dá este versículo. Ele não pergunta ao jovem se conhece os Mandamentos, mas o afirma com certeza. A quem agora via com seus olhos humanos, já conhecia, enquanto Deus, desde toda a eternidade. E sabia que ele praticava a virtude, observando a Lei.
“Jesus olhou para ele com amor, e disse: ‘Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no Céu. Depois vem e segue-Me!’” (Mc 10,21)
Cristo olhou-o com amor e fez-lhe o mesmo convite que fizera aos Apóstolos: “vem e segue-Me”. Àquele homem que praticava os Mandamentos havia Deus reservado, desde toda a eternidade, a altíssima vocação de seguir Jesus. Para cumpri-la, era-lhe pedida uma renúncia: “Vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres”; e oferecida uma recompensa infinita: “terás um tesouro no Céu”. Cabia-lhe responder a este chamado com inteira alegria e prontidão, como haviam feito Simão, Levi e tantos outros.
A causa mais profunda da recusa
“Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (Mc 10,22).
Entretanto, o mesmo que chegara correndo e se ajoelhara sôfrego diante de Nosso Senhor, retirou-se triste e “abatido”, porque “era muito rico”, e preferiu conservar seus bens a seguir sua vocação, desprezando o “tesouro no Céu” que o próprio Messias lhe oferecia. Fato inédito, pois os evangelistas não narram recusa semelhante a esta.
Não pensemos, porém, ter sido o apego às riquezas a principal causa de sua defecção. O jovem rico praticara os Mandamentos desde a sua infância, mas não na perfeição. Negligenciara, de modo especial, o primeiro e mais fundamental: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6, 5). Como bem comenta o conhecido e mencionado biblista Lagrange, os preceitos mencionados a ele por Nosso Senhor “bem podem ser observados sem heroísmo. Se Jesus lhe tivesse perguntado se amava a Deus de todo o coração, teria ficado bem mais embaraçado”.[3]
O grande pecado deste homem não foi de avareza, e sim de orgulho. Ao ser convidado a seguir Nosso Senhor e sentir em si a própria debilidade e insuficiência, ele deveria ter pedido auxílio. Perante tal ato de humildade, Jesus lhe teria dado graças superabundantes para corresponder ao chamado. E bem poderíamos ter hoje no Calendário Romano uma festa dedicada ao jovem rico, que se tornou pobre para adquirir uma riqueza muito maior: ser o décimo terceiro Apóstolo!
Não obstante, faltou-lhe reconhecer que, se praticava os Mandamentos, não era por suas forças pessoais, mas pela graça divina. E que sem o auxílio da graça não conseguiria desprezar as riquezas e seguir Jesus.
A Liturgia deste domingo nos coloca diante de uma pergunta decisiva para nossa vida espiritual: a que distância se encontra nossa alma da atitude do moço rico? Se Cristo nos convidasse hoje a segui-Lo, como Lhe responderíamos? Bradaríamos com alegria, como Samuel: “Præsto sum — Eis-me aqui” (I Sm 3, 16)? Ou, tomados pela tristeza, recusaríamos o convite de nosso Salvador?
Quando chegar este chamado — e ele pode vir em hora inesperada —, seremos muito mais capazes de dar resposta afirmativa se tivermos nos preparado de antemão. Para isso, é necessário que, em todas as circunstâncias da vida, nosso coração esteja à procura do Divino Mestre, combatendo o apego aos bens terrenos, aumentando sem cessar o fogo do amor a Deus e fazendo a pergunta de São Paulo no caminho de Damasco: “Senhor, que queres que eu faça?” (At 9, 6).
Extraído, com alterações de:
CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2014, v. 4, p. 421-435.
Por Guilherme Motta
[1] DIDON, OP, Henri-Louis. Jésus-Christ. Paris: Plon, Nourrit et Cie, 1891, p.616.
[2] SANTO EFRÉM DE NÍSIBE. Comentario al Diatessaron, 15, 2, apud ODEN, Thomas C.; HALL, Christopher A. (Ed.). La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Evangelio según San Marcos. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, v.II, p.198-199.
[3] LAGRANGE, OP, Marie-Joseph. Évangile selon Saint Marc. 5.ed. Paris: Lecoffre; J. Gabalda, 1929, p.266
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