Os frutos se distinguem das virtudes e dos dons como o ato se distingue da potência. Porém, nem todos os atos de virtude merecem o nome de frutos: merecem-no somente aqueles que são acompanhados de certo deleite espiritual. A princípio, com efeito, os atos das virtudes exigem frequentemente muitos esforços e tem, às vezes, certa aspereza, como o fruto ainda não amadurecido.
Mas, quando alguém se exercitou longamente na prática das virtudes, adquire tal facilidade na realização de atos Semelhantes, que os repete com muita prontidão e muito deleite. Esses atos, assim executados recebem o nome de frutos. São prelúdios da eterna felicidade.
Trata-se, contudo, de um gozo espiritual, que pode dar-se ainda em atos virtuosos que, como a paciência e a longanimidade, se exercem em situações aflitivas. É uma satisfação para o espírito não se sentir perturbado, mas conservar a paz e tranqüilidade da alma em meio às penalidades.
Quanto ao número dos frutos, São Paulo enumera doze: caridade, gáudio, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade, mansidão, fé, modéstia, continência e castidade. Não se creia, porém, que o Apóstolo tenha querido os dar uma lista completa. Pelo que São Tomás faz justamente notar, trata-se de um número simbólico, o qual indica realmente todos os atos de virtude em que a alma encontra consolação espiritual (I-II, p.70).
A plenitude dos frutos do Espírito Santo em Nossa Senhora
– Caridade
A caridade é a rainha das virtudes, a mais excelente de todas. Quando seus atos se produzem com grande suavidade e doçura, constituem o fruto do Espírito Santo de mesmo nome.
Que a Virgem Maria o teve em sumo grau se prova muito bem pela seguinte razão tomada do famoso Marial, atribuído a Santo Alberto Magno:
Na Virgem Maria brilhou em grau eminente o dom da sabedoria, como já vimos. Mas, como esse dom aperfeiçoa a virtude da caridade, fazendo-A produzir atos perfeitíssimos que tem razão de frutos do Espírito Santo, não cabe dúvida que em Maria se produziram estes frutos de caridade em grau incomparável de perfeição.
– Gáudio espiritual
Ao fruto da caridade estava anexo em Maria o do gáudio, que provinha de saber-se de posse de um bem tão grande, qual é a graça divina, de que o Anjo A havia saudado como cheia. Nem suas dores, por grandes que fossem, eram capazes de tirar-Lhe esse gáudio, pelo qual, mesmo no meio dos padecimentos mais acerbos, a alma de Maria jamais cessou de gozar de uma alegria indizível. Quando a aflição de seu coração era grande como o mar, seu gáudio não cessou de ser imenso como o céu.
– Paz
O terceiro fruto do Espírito Santo é a paz, que a tranqüilidade da alma na ordem de suas relações com Deus, consigo mesma e com os homens. Duas são as causas que perturbam a paz: o vão flutuar de nossos desejos e o temor das coisas exteriores, que nos conturbam. Ora, não havia na alma puríssima de Maria outro desejo senão o de agradar a seu Divino Filho. Como todo seu afeto estava solidamente radicado na graça de Deus, a ponto que, moralmente falando, não podia perder, Maria gozava sempre de uma paz perfeitíssima, que nenhuma adversidade podia perturbar.
– Paciência
A paz traz consigo a paciência que é o quarto fruto do Espírito Santo, e diz respeito àquela parte da fortaleza, pela qual a alma suporta virilmente as duras provações desta vida. Ora, que paciência foi maior do que a de NOSSA CELESTE Rainha, quando suportou tão corajosa e invitamente tamanhos tormentos, sem nunca desfalecer, seja quanto à sublimidade de sua dignidade de Mãe de Deus, seja quanto a seu altíssimo ofício de Co-redentora do gênero humano?
– Benignidade
A benignidade, que também se pode chamar de afabilidade ou amabilidade, nos leva a por em nossas palavras e ações exteriores quanto possa contribuir a tornar agradável e prazenteiro o convívio com nossos semelhantes. É uma mescla
Nossa Senhora Auxiliadora |
de doçura, delicadeza, discrição e suavidade no trato, que faz sumamente amável à pessoa que a pratica.
A Virgem Maria, sem dúvida alguma, a praticou de maneira tão excelente que nEla, mais que ato de simples virtude, era um fruto especialíssimo do Espírito Santo. Como estranhar, pois, que a Igreja A saúde nas ladainhas lauretanas com o suavíssimo título de Mater amabilis, Mãe amável?
– Bondade
Pouco ajudaria essa afabilidade de Maria, se não fosse acompanhada da bondade do coração, que é outro fruto do Espírito Santo, pelo qual a alma é disposta e como que transformada pelo desejo de fazer bem aos outros. E é justamente essa necessidade do coração de Maria, o que mais nos interessa e nos toca, pois, quando nos voltamos para Ela, estamos certos de bater à porta de um coração solícito por nosso bem, tanto que, no dizer do poeta, Maria “muitas vezes livremente ao pedir se antecipa” (Paraíso, 33, 17-18)
– Longanimidade
A longanimidade é uma virtude derivada da fortaleza que nos dá forças e ânimos para tender a algo bom que está muito afastado de nós, ou seja, cuja consecução se fará aguardar muito tempo. Consiste em saber esperar virtuosamente o bem ainda distante.
Eis segundo o Maria (c.88), de que maneira brilhou em Maria este fruto do Espírito Santo: “O bem esperado reconforta. A Virgem esperou como ninguém o incomparável gozo da glória, Logo, possuiu como ninguém o fruto da longanimidade. (Por outro lado), o bem esperado só reconforta quando se tem a segurança de alcançá-lo. Logo, quem tenha maior certeza de consegui-lo terá maior satisfação na espera. Ora bem: a certeza com que a Santíssima Virgem esperou o Céu excede incomparavelmente à certeza de todos os demais. Logo, acima de todos possuiu o fruto da longanimidade.”
– Mansidão
Assim o Marial (c. 89) aplica a Nossa Senhora a mansidão enmquanto fruto do Espírito Santo:
“A mansuetude é o mesmo que ser tratável. Chamamos tratável a quem se faz tudo para todos como o Apóstolo São Paulo (I, Cor. IX, 22). Maria assim se fez em grau perfeitíssimo depois da de Cristo. Por isso diz São Bernardo, falando de Maria: Por que receia a fragilidade humana acercar-se dEla?
Nada há em Maria de severo, nada de terrível: toda é suave: A Virgem Santíssima teve o fruto da mansidão em grau excepcional.”
– Fé
N. Senhora do Bom Remédio |
Enquanto fruto do Espírito Santo, a fé não coincide exatamente com a virtude teologal do mesmo nome, senão acrescenta a ela uma particular segurança e firmeza que causa na alma um gozo e deleite inefáveis.
“A Virgem conheceu como nenhuma outra pessoa humana o mais nobre e excelente que se possa conhecer: Deus, a trindade, a Encarnação, sua própria futura bem-aventuranças, etc. Logo, o prazer e gozo que experimentou ao saber de tudo isso superou em muito ao de todas das demais criaturas” (Marial, c. 91).
– Modéstia
A modéstia, nos que peregrinam nesta vida mortal, consiste em coibir e restringir os apetites desordenados que levanta a concupiscência. E o fruto da modéstia está na satisfação e gozo que por tal coibição e restrição se alcança.
Ma Santíssima Virgem, o fruto da modéstia e sua satisfação ou deleite se acha precisamente na carência de tais movimentos desordenados, que nEla não existem nem podem existir. Logo, a modéstia de Maria foi, sem comparação, mais excelente que a de qualquer outro peregrino (nesta vida) (Cfr. Marial, c.92)
– Continência
A continência, pode realizar-se de três maneiras, conforme a privação do prazer que ela impõe seja mais ou menos perfeita. É perfeita nas casadas, mais perfeita nas viúvas e perfeitíssima nas virgens. E nestas últimas será tanto mais perfeita quanto mais excelente seja a virgindade. Ora, como a virgindade de Maria foi a mais perfeita e excelente que jamais existiu em pessoa humana alguma, importa concluir que Maria possuiu em sumo grau o fruto da continência (Cfr. Maria, idem)
– Castidade
Finalmente, o último fruto do Espírito Santo é a castidade, com a qual se designa especialmente a pureza dos afetos do coração, que devem ser todos voltados para Deus e de maneira nenhuma maculados por paixões desordenadas. E aqui aparece toda a celestial beleza do Coração Imaculado de Nossa Rainha. Quem poderá jamais dizer quanto era belo esse coração materno, cópia fiel do Coração sacratíssimo de Jesus?
(CLÁ DIAS, JOÃO. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. Artpress. São Paulo, 1997, pp. 482 à 484)