Usando a imagem da videira, Jesus quis deixar clara a absoluta necessidade de permanecermos n’Ele, se quisermos frutificar.
Redação (28/04/2024 20:35, Gaudium Press) Moisés se maravilhou com a sarça que ardia sem se consumir. Aquelas chamas de incomum beleza, mantidas pela ação de um Anjo, atraíram-no. Movido por uma forte e sobrenatural curiosidade, ele se aproximou “para contemplar esse extraordinário espetáculo” (Ex 3,3) e qual não foi sua surpresa ao ouvir de dentro das labaredas a voz de Deus, a adverti-lo de que tirasse suas sandálias por encontrar-se numa “terra santa” (Ex 3,5).
Aquele era o mesmo Deus que passeara todas as tardes com Adão no Paraíso (cf. Gn 3,8) e que, após o pecado original, fez-Se menos presente entre os homens. A partir daí, quase sempre suas manifestações se deram através da grandeza dos castigos —dilúvio, confusão das línguas etc. —, que incutiam um profundo respeito, temor e admiração no povo.
Esse modo de agir divino passou por uma transformação inimaginável nestes mais de dois mil anos de Novo Testamento, desde que “o Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Aquele mesmo Deus, que fez tremer o Sinai e deu grandes poderes ao braço de Sansão e à voz de Elias, pôde ser adorado enquanto bebê na manjedoura, em Belém, e esteve nos braços de Maria, José, Simeão e dos Reis Magos. Doze anos mais tarde, ainda como Menino, discutiu com os doutores no Templo, e durante sua juventude auxiliou seu pai nos trabalhos de carpintaria. E, ao iniciar sua missão pública, fez-Se presente a umas bodas, em Caná, realizando ali seu primeiro milagre.
Em Jesus, Deus quis Se fazer íntimo de nós. Ele continuou sendo o mesmo Iahweh, mas atribuindo-Se títulos diferentes: “Eu sou o Bom Pastor” (Jo 10,11), “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6), “Eu sou a Luz do mundo” (Jo 8,12), “Eu sou a Porta das ovelhas” (Jo 10,7), “Eu sou o pão vivo que desceu do Céu” (Jo 6,51). Fazendo menção a estas criaturas todas — inclusive comparando-Se à galinha com seus pintainhos, ao chorar sobre Jerusalém (cf. Mt 23,37) —, Ele mostra bem qual é o seu incomensurável desejo — desejo eterno — de nos fazer participar de sua vida.
É nesse contexto que se insere o Evangelho de hoje.
A permanência de Deus nos santifica
“Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos: ‘Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor’” (Jo 15,1).
Para Israel, a parreira de uva era uma realidade comum e corrente a ponto de, sob o reinado de Salomão, a Escritura referir-se com esta figura à paz por ele conquistada com todos os povos vizinhos: “Judá e Israel, desde Dã até Bersabeia, viviam sem temor algum, cada qual debaixo de sua vinha e de sua figueira” (1 Rs 4,25).
E qual o significado do vocábulo “verdadeira”, empregado pelo Mestre neste versículo? E por que Jesus, nessa ocasião, passa a falar em videira e agricultor? A este respeito comenta o Cardel Isidro Gomá y Tomás: “Jesus disse a seus discípulos que vai separar-Se deles, mas esta separação será apenas segundo o corpo. Espiritualmente, deverão permanecer intimamente unidos a Ele para viver a vida divina; morrerão se d’Ele se separarem. Propõe esta doutrina envolta na alegoria da videira: ‘Eu sou a videira verdadeira’, a videira ideal e perfeitíssima, na qual, melhor que nas videiras do campo, verificam-se as condições próprias desta planta. O cultivador desta vide espiritual e incorruptível é o Pai: ‘E meu Pai é o agricultor’. Jesus não seria nossa videira se não fosse Homem; e não nos daria a vida de Deus se não fosse Deus. Logo, Jesus é o Messias, Filho de Deus”.[1]
“Todo ramo que em Mim não dá fruto Ele o corta; e todo ramo que dá fruto, Ele o limpa, para que dê mais fruto ainda” (Jo 15,2).
Jesus afirmou que o Pai é o agricultor e, em consequência, é Ele quem assume a tarefa da poda, da limpeza, dos cuidados. Como já dissemos anteriormente, Deus criou a videira, entre outras razões, para servir de exemplo a esses procedimentos próprios ao Pai, bem como para melhor compreendermos o relacionamento que existe entre os batizados e Cristo. A videira, entre os vegetais, é o mais adequado para se entender a necessidade do corte ou a da poda.
Estes ensinamentos de Jesus nos mostram o quanto é pleno de vitalidade seu Corpo Místico. Os “ramos” improdutivos, o Pai os arranca; e os que prometem frutos futuros, Ele os desponta e os acondiciona para se beneficiarem da seiva de modo mais excelente.
Não seria diminuto o elenco dos “ramos” infrutíferos, pois muitos são os vícios, más inclinações e pecados que bloqueiam o fluxo normal da “seiva” da graça. Em síntese, todos eles têm sua origem no egoísmo humano. O estar voltado sobre si mesmo, submerso em suas próprias conveniências, traz como consequência inevitável um corte com as graças de Deus, pois estas nos são dadas com vistas à caminhada rumo ao Reino. Por outro lado, como afirma São João Crisóstomo,[2] ninguém pode ser verdadeiro cristão sem as boas obras. Ora, o egoísmo não as produz jamais.
Quanto à “poda” dos ramos frutuosos, além das tentações e provações permitidas por Deus, há dons, consolações e estímulos sobrenaturais, ações divinas que visam multiplicar a fertilidade deles. Por este dito de Jesus, vê-se quanto as tentações são úteis para conferir mais virtude e mérito aos bons “ramos”.
Em resumo: “O que se quer dizer aqui é que Cristo, Homem-Deus, influi diretamente, pela graça, nos sarmentos. O Pai, de outro lado, é quem tem o governo e a providência exterior da vinha”.[3]
“Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em Mim” (Jo 15,4).
Esta é a condição para a correspondência à graça, pois permanecer em Cristo é o primeiro e o maior de todos os dons que possamos receber. Unidos assim a Cristo, teremos a real e verdadeira posse de Deus.
Peçamos, pois, ao Divino Redentor, que nos conceda a graça de estarmos inteiramente unidos a Ele e à sua graça, a fim de que nos desvencilhemos do pecado e de tudo aquilo que nos afasta de Deus. Deste modo, seremos aqueles ramos que jamais se separarão de Deus, e que gozarão na eternidade do convívio celestial.
Extraído, com adaptações, de:
CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2014, v. 3, p. 326-343.
[1] GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Pasión y Muerte. Resurrección y vida gloriosa de Jesús. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, v. IV, p. 225.
[2] Cf. JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía LXXVI, n. 1. In: Homilías sobre el Evangelio de San Juan (61-88). Madrid: Ciudad Nueva, 2001, v. III, p. 167.
[3] TUYA, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.V, p.1242.
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