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Prudência e radicalidade: uma contradição?

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Ao longo de sua vida pública, Nosso Senhor enfrentou grandes embates e lutas contra os erros de seu tempo, com vistas a ser exemplo para todos os séculos. Hoje em dia, qual a atitude do católico frente aos erros de nossa época: condescendência ou intolerância?

Redação (20/10/2021 09:42, Gaudium Press): Frequentemente, quando estamos em face de determinada situação decisiva, nos deparamos diante de pensamentos como: “julgue bem”, “analise adequadamente”, ou “seja prudente”.

Entretanto, o que vem a ser a prudência?

Ela pode ser entendida como uma qualidade adquirida através do raciocínio ajuizado e excelente, notadamente diante de circunstâncias decisivas, quando se é capaz de distinguir quais são as consequências favoráveis ou não ao sujeito. Em decorrência, os argumentos são sensatos, as palavras acertadas, e até os mínimos gestos são regulados com a devida cautela, evitando os possíveis desacordos, desavenças e confusões que possam vir a ser desfavoráveis.

Todavia, dir-se-ia que isto se aplica mais propriamente a certos fatos em que se apresenta clara ou veladamente um erro, ou perante aqueles casos em que se mostram ideologias desviadas da verdade. Nestes momentos, segundo uma concepção unilateral, a “prudência” parece sempre aconselhar a não atacar ou denunciar as falhas e deficiências de outrem. Porquanto, lançar-se de encontro às dificuldades ou ser demasiadamente exigente não são atitudes de um homem prudente; quando não haveria necessidade de se expor com palavras duras e severas, geradoras da desarmonia, optando pelo caminho do diálogo. Afinal de contas, tudo entra em seus eixos com palavras suaves e afáveis…

É este realmente o seu autêntico significado?

Santo Tomás de Aquino, esteado em Aristóteles, define a prudência como “a reta razão do agir,[1] daquilo que deve ser feito”.[2] Ele explica ser uma virtude que capacita o homem a raciocinar sobre os meios bons e úteis para a consecução de um determinado fim bom.[3] Segundo expõe o Aquinense, qualquer falha que haja em relação à realização deste fim será soberanamente contrária à prudência; pois, como o fim é, em cada ordem de coisas, o que há de mais importante, assim é péssima a falha relativamente ao fim.[4]

Porém, o relativismo mais do que nunca impera em nossa época. Para o estabelecimento de uma suposta “paz mundial”, julga-se que os meios para alcançar esta ordem, este consenso e entendimento entre todos os homens, obrigue a permitir e a ceder na maioria dos casos a certos erros e falhas, e, por assim dizer, “condescender com o mal” em benefício desta “paz” tão almejada.

É esta a via que o católico deve abraçar?

A radicalidade de Jesus

Constam nos Santos Evangelhos, as longas jornadas da vida pública de Nosso Senhor. Diversas são as situações em que o Divino Mestre se depara com intrincadas conjunturas, como por exemplo, na ocasião em que os cobradores de impostos Lhe cobraram o tributo do didracma; Jesus ordenou a São Pedro que lançasse o anzol ao mar e recolhesse a moeda que estaria na boca do primeiro peixe encontrado, a fim de pagar o imposto dos dois, pois conforme dizia: “Não convém escandalizar esta gente” (Mt 17, 24-27). Contudo, a sua prudência não se manifestava apenas em sua divina astúcia, mas também em sua radicalidade.

Esta radicalidade, expressa na aliança entre a prudência, a fortaleza e a justiça, não permitia de nenhuma maneira, da parte de Jesus, laivos de condescendência com os maus, mas denotava uma completa intransigência e beligerância contra os vícios e iniquidades de seu tempo.

Vemos nos ensinamentos de Jesus, uma radical intolerância contra o pecado: “Se a tua mão for para ti ocasião de queda, corta-a; melhor te é entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para o fogo inextinguível do inferno” (Mc 9, 43). No episódio da expulsão dos vendilhões do templo, Jesus tece um chicote, derruba as mesas dos cambistas, expulsa a todos do recinto e profere rígidas palavras: “Tirai isto daqui, e não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio” (Jo 2, 13). Vemos ainda os fariseus e saduceus sendo alvos de constantes repreensões por parte de Jesus, que os trata de “raça adúltera e perversa” (Mt 16, 4), “hipócritas”, pois O honravam apenas com os lábios (cf. Mt 15, 7), “sepulcros caiados” (Mt 23, 27), “serpentes e raça de víboras”: “como escapareis ao castigo do inferno?” (Mt 23, 33). Os incessantes “ais”, símbolo da maldição divina, são proferidos contra eles ao longo do capítulo 23 de São Mateus: “Ai de vós mestres da lei e fariseus hipócritas, limpais o copo e o prato por fora, mas por dentro estais cheios de roubo e de intemperança” (Mt 23, 25- 28). “Em verdade vos digo, eles já receberam a sua recompensa” (Mt 6, 16).

Enfim, inúmeras seriam as passagens que descrevem a radicalidade e intolerância de Nosso Senhor em relação ao pecado e aos maus.

Não vim trazer a paz…

Contudo, em muitos ambientes, não soaria como uma imprudência esta radicalidade? Não seria mais adequado tomar atitudes mais benevolentes, conciliadoras e menos contundentes do que estas?

Eis as palavras de Jesus: “Julgais que vim trazer paz à terra? Não vim trazer a paz, mas a divisão” (Lc 12, 51). “Divisão”, por quê?

Porque “todo o que proclama o amor de Deus, irá por começar dividindo e rompendo”.[5] A virtude da justiça exige da prudência que seja tributado a Deus o que Lhe pertence, ou seja, que a verdade não seja dita às meias, mas proclamada. E a fortaleza clama à prudência para que o pecado e o erro sejam denunciados sem temores e sem receios, pois “o reino de Deus em Jesus, manifestado pela expulsão de demônios e a luta contra seus ferozes inimigos, já não permite haver uma neutralidade. É necessário escolher”.[6]

Portanto, não deve recear o católico de seguir as pegadas de seu Pastor, pois com a Sua vinda à terra, “o radicalismo passou a abarcar toda a existência cristã”.[7]

Por Guilherme Motta


[1] Recta ratio agibilium.

[2] TOMÁS DE AQUINO. Comentario a la Ética a Nicómaco de Aristóteles liv. VI, lec. IV, 852. Navarra: EUNSA, 2010, p. 372.

[3] Cf. S. Th. II-II, q. 47, a. 4. In: Ibid. Suma Teológica. São Paulo: Edições Loyola, 2005, v. 5, p. 591-592.

[4] Cf. S. Th. II-II, q. 47, a. 1. In: Ibid., p. 587.

[5] MATURA, Tadeo. El radicalismo evangélico. Retorno a las fuentes de vida cristiana. Madrid: Publicaciones Claretianas, 1980, p. 190.

[6] Ibid., p. 187.

[7] Ibid., p. 18.

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