Vamos tratar das ocasiões que em si são pecaminosas, mas cujas práticas são lícitas, dependendo da situação. Aliás, às vezes, seremos obrigados a praticá-las.
Existem dois tipos de cooperação com o mal: formal e material.
A cooperação formal ocorre quando, para executar um ato mau, precisamos fazer um outro ato mau primeiro. Por exemplo: assaltantes fazem um plano para assaltar um banco, mas, para isso, eles abordam você primeiro e o obrigam a matar o guarda. Matar o guarda, que é um mal em si, é condição para fazer um outro ato mau: assaltar o banco. Matar o guarda é a cooperação formal com o mal de assaltar o banco
Situações pecaminosas e os tipos de cooperação
A cooperação material seria uma ação que, em si, não é má ainda, mas ela poderá conduzir à execução de um ato mal posterior. Daí, ela se torna má, dependendo da ação seguinte. Ainda no assalto ao banco, em vez de ter de matar o guarda, os assaltantes o obrigam a abrir a porta para eles entrarem. Abrir a porta em si não é um mal.
A cooperação material pode se dividir em dois tipos: necessária e indiferente.
A cooperação necessária, ainda no caso do assalto ao banco, seria quando só você tem a chave para abrir a porta. A indiferente seria quando, você, sendo o assaltante, obriga a outro a abrir a porta. Se a pessoa se recusar a abri-la, tendo a possibilidade, você a abre do mesmo jeito. O assalto acontece de qualquer modo, alguém abrindo ou não a porta.
Com o tempo de auto-observação, esse discernimento se torna muito rápido, mas é preciso começar a meditar sempre que tiver diante de si a questão: aquilo que estão pedindo para eu fazer é cooperação com o mal? Formal ou material? Se for material, é necessário ou indiferente?
Situações de pecado
Quando a cooperação for formal, você nunca poderá aceitar, mesmo que seja preciso enfrentar a morte. Você não pode cooperar em caso nenhum!
Quando é material, tem de avaliar o dano que você pode sofrer caso haja a recusa. Dependendo do dano, se for muito grande, você deve cooperar. Se for igual, pode cooperar ou não. Se for menor, deve recusar cooperar, supondo que a cooperação seja necessária.
Por exemplo: Você é refém de um grupo de assaltantes que o mandam ir na frente deles a um banco e matar o guarda. Isso é cooperação formal. Você não pode matar o guarda. Se eles disserem que vão matar você e depois vão matar o guarda, mesmo assim você não pode cooperar. Você não pode matar um inocente, mesmo que seja pelo bem da própria vida. O que vai acontecer em diante, cada qual responderá diante de Deus.
Agora, se o caso for somente um “abrir a porta”, nesse caso, você pode abrir a porta. Sua vida vale mais do que qualquer dinheiro que tenha em um banco. Mesmo que, ao abrir a porta, os assaltantes matem alguém no banco, isso não é certeza, pois pode também acontecer de não haver morte.
Se lhe pedirem para abrir uma porta, para que possam matar alguém ali dentro, e você não a abrir, na hipótese de que o máximo que vai lhe acontecer seja uma surra, não se deve abrir a porta, pois levar uma surra é menor que a cooperação com a morte de alguém. Se o caso for o exato contrário, você deve abrir a porta.
A prática do bem
É preciso crescer na virtude da prudência, porque, mesmo que seja para a prática do bem, é preciso discernimento para que não venha a ter complicações sérias para si, que podem acarretar em mal moral.
Existe para isso a ordem da caridade. São elas:
Necessidade extrema: englobam os casos de vida ou morte de outro ou a própria.
Necessidade grave: são situações em que a sua ação poderá incorrer em problemas sérios para si. Algum grave prejuízo ou sua morte, desemprego, perda de tudo.
Necessidade leve: são situações que incorrem em prejuízos leves para si.
Quando você não tem obrigação de ofício e encontra uma pessoa em uma situação difícil, é preciso julgar segundo os critérios acima. Se, ao socorrer alguém, você ficar pior que a pessoa, não há obrigação de socorrer. Se seu prejuízo foi menor, há a obrigação de socorrer.
Ao ver alguém se afogando, estando somente você por perto sem saber nadar, a pessoa pode estar em necessidade extrema, mas se tentar salvá-la, você entrará em igual necessidade. Não há obrigação moral de ajudá-la. Se para salvar a vida de alguém você tiver que dar a sua vida, não há obrigação moral.
Imagine a situação: um médico, que trabalha num hospital que faz atendimento público gratuito e atendimento conveniado, mas ele não tem liberação para atender na parte pública durante seu turno. Se chegar um paciente com grave risco de vida no atendimento público, esse médico tem a obrigação moral de atendê-lo, mesmo que incorra na sua demissão. Vale mais a vida do outro que o seu emprego. A situação do outro é extrema. A sua é grave.
Situações graves existem o tempo todo. Esse julgamento se faz quando a situação chega até você. Não é necessário sair procurando esses casos, pois poderão o levar à ruína.
Esse discernimento nos ajuda a gerir bem os sentimentos de culpa inúteis, os quais, muitas vezes, nutrimos.
Por Roger de Carvalho, via Canção Nova