Cada um de nós é, a seu modo, uma “vinha do Senhor”. Que espécie de frutos daremos?
Redação (07/10/2023 17:45, Gaudium Press) Na liturgia de hoje, é utilizada uma muito bela metáfora para nos transmitir aquilo que Deus quer nos dizer. Trata-se da figura da vinha.
Já na primeira leitura, o profeta Isaías “canta a história da vinha de um amigo seu” (cf. 5,1): Fora plantada em uma fértil encosta e cuidada com singular esmero pelo seu proprietário; entretanto, ao invés de produzir bons frutos, deu apenas uvas selvagens (cf. Is 5,2).
Também o salmo retoma a mesma metáfora, lamentando-se da situação desastrosa em que se encontrava a “vinha do Senhor” (cf. Sl 79 (80),9-14). Mas é o Evangelho que nos faz compreender o mais profundo significado desta parábola.
“O Reino de Deus vos será tirado”
As palavras de Nosso Senhor no Evangelho de hoje estão direcionadas de modo especial aos “sumos sacerdotes e anciãos do povo”. Jesus narra-lhes a história de um proprietário que plantou uma vinha e arrendou-a a alguns vinhateiros. Quando chegou o tempo da colheita, o dono da vinha mandou seus empregados aos vinhateiros para receber seus frutos. Estes, porém, bateram nos empregados, chegando a matar um deles. O proprietário mandou, então, outros empregados, em número maior; mas aconteceu a mesma coisa. Finalmente, o patrão enviou o seu filho à vinha, pensando que este seria respeitado. Contudo, foi totalmente o contrário o que se deu: vendo o herdeiro, os vinhateiros ambicionaram tomar posse de sua herança, e o mataram (cf. Mt 21,33-29).
No fim da parábola, o Divino Mestre pergunta aos sumos sacerdotes e anciãos do povo: “Pois bem, quando o dono da vinha voltar, o que fará com esses vinhateiros?” (Mt 21,40). Eles respondem: “Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo” (Mt 21,41). Sem perceber, acabavam de estabelecer sua própria sentença… e ainda tiveram que ouvir as seguintes palavras de Jesus: “Por isso eu vos digo, o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá fruto” (Mt 21,43).
Somos a “vinha do Senhor”
Costuma-se aplicar tal parábola ao povo de Israel. Aliás, é propriamente esta a interpretação dada pelo próprio Nosso Senhor, como se verifica no trecho final do Evangelho de hoje. Os judeus eram o povo escolhido e bem-amado de Deus; como diz a resposta do salmo de hoje, “a vinha do Senhor é a casa de Israel”. Entretanto, não raras vezes, eles foram infiéis a esta dileção divina: mataram os profetas que o Altíssimo lhes enviara, e não pouparam sequer o próprio Jesus, o Primogênito do Pai.
Contudo, em se tratando de encontrar uma lição para nossas vidas na Liturgia de hoje, não basta apenas nos atermos à falta alheia, pois cada um de nós é, a seu modo, uma “vinha do Senhor”. Assim, como ensina São Rabano Mauro, a parábola da vinha toma outra perspectiva, à maneira de um verdadeiro exame de consciência: “Em sentido moral, a cada um se entrega sua vinha para que a cultive, ao ser-lhe administrado o Sacramento do Batismo, a fim de que trabalhe por meio dele. É-lhe enviado um servo, outro e um terceiro, quando a Lei, o Salmo e a profecia falam, e em virtude de cujos ensinamentos deve-se agir bem. Mas o enviado é morto e lançado fora, despreza-se a sua pregação ou, o que é pior, blasfema-se contra ele. Mata o herdeiro que traz em si todo aquele que ultraja o Filho de Deus e ofende o Espírito de sua graça. Uma vez perdido o mau cultivador, a vinha é entregue a outro, como acontece com o dom da graça, que o soberbo menospreza e o humilde recolhe”.[1]
Esta é, pois, uma boa ocasião para analisarmos como estamos cuidando desta vinha que é a nossa alma. Acolhemos de bom grado os “empregados” que Deus envia para cobrar nossos frutos? Estes “empregados” são, por vezes, as palavras que escutamos durante uma homilia, que lemos em um tratado de vida espiritual ou, até mesmo, uma admoestação da própria consciência ou de nosso Anjo da Guarda perante um mal que fizemos.
Se percebemos ser falhos nisso, antes de tudo tenhamos confiança, pois assim é que seremos salvos e teremos verdadeira paz de alma. Como afirma São Paulo na 2ª leitura de hoje, “não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças. E a paz de Deus, que ultrapassa todo entendimento, guardará os vossos corações e pensamentos em Cristo Jesus” (Fl 4,6-7). Mas também não nos esqueçamos que é preciso reconhecer a falta e empenhar-se em mudar de vida.
Confiemo-nos, pois, à maternal intercessão de Nossa Senhora, graças à qual tudo nesta vida tem solução, e peçamos-lhe misericórdia e forças para sermos inteiramente fiéis à predileção que o “Dono da vinha” tem em relação a nós.
Por Lucas Rezende
[1] RABANO MAURO, Santo. Commentariorum in Matthæum. L. VI, c. 21: ML 107, 1053.
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