Apolo passou a pregar com valentia na sinagoga, e a ortodoxia de sua doutrina – ainda que incompleta –, somada à coragem com que falava, fez com que ele se tornasse uma atração na cidade.
Redação (06/09/2024 17:08, Gaudium Press) O momento em que a figura de Apolo aparece nos Atos dos Apóstolos coincide, provavelmente, com o final do ano 52, ou o início de 53, época de plena expansão da Igreja. Embora não tivesse passado muito tempo da Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo – menos de vinte anos – já se podia encontrar comunidades cristãs espalhadas por toda a região do Mediterrâneo e ainda mais além!
São Pedro, o primeiro Papa, tinha se mudado para Roma havia cerca de uma década. Nesse mesmo período, São Paulo começava a última de suas três viagens apostólicas. Partiu ele da cidade de Antioquia – o “quartel-general” de onde costumava iniciar suas jornadas – e percorreu “sucessivamente as regiões da Galácia e da Frígia, fortalecendo todos os discípulos” (At 18, 23).
São Lucas, nos Atos dos Apóstolos, é quem nos relata as epopeias desses dois varões, colunas da Igreja. Contudo, no décimo oitavo capítulo de sua obra, ele interrompe a narração, para deitar os olhos sobre outro lugar…
Primeira menção a respeito de Apolo
O autor dos Atos volta-se para a cidade portuária de Éfeso, localizada a pouca distância de onde o Apóstolo se encontrava, e na qual existia também uma comunidade cristã. São Paulo estivera ali não havia muito tempo e lá deixara dois grandes amigos e discípulos seus, o casal Priscila e Áquila.
Naquele lugar, surgiu um personagem que atraía a atenção: “Um judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, tinha chegado a Éfeso. Era homem eloquente, versado nas Escrituras. Tinha recebido instrução no caminho do Senhor e, com muito entusiasmo, falava e ensinava com exatidão a respeito de Jesus, embora só conhecesse o batismo de João” (At 18, 24).
São Marcos havia fundado uma comunidade ainda incipiente em Alexandria, cidade litorânea do Egito, próxima de Israel. Supõe-se, com razão, que Apolo era apenas catecúmeno, não tendo recebido senão o batismo de João, convite público à penitência e preparação para o verdadeiro Batismo cristão.
Apolo era um homem destemido. Passou a pregar com valentia na sinagoga e a ortodoxia de sua doutrina – ainda que incompleta –, somada à coragem com que falava, fez com que ele se tornasse uma atração na cidade. Priscila e Áquila, tendo sido informados a respeito daquele personagem inusitado, decidiram assistir também a um de seus discursos e tiveram uma ótima impressão: “Ao escutá-lo, Priscila e Áquila o acolheram e expuseram-lhe o caminho de Deus com mais exatidão” (At 18, 26).
Aqui o texto sagrado deixa transparecer um detalhe muito bonito da personalidade de Apolo: a humildade. Mesmo sendo um homem extremamente eloquente e versado nas Escrituras, não hesitou em pôr-se, como uma criança, na escola daqueles discípulos. É de se crer que, já nesse momento, Apolo tenha sido batizado, talvez até pelo próprio Áquila.
Sobre essa atitude de Apolo, expressa-se belamente Mons. Gaume: “Deus abençoou essa disposição, como ele sempre abençoa as almas humildes”.[2] De fato, Apolo fez um bem enorme à comunidade de Éfeso. Entretanto, sentia-se inspirado a pregar em outra cidade, onde também havia um grupo de cristãos: Corinto.
Diante dessa moção da graça, “os irmãos animaram-no e escreveram aos discípulos para que o recebessem bem” (At 18, 27). Apolo embarcou logo para seu destino, onde grandes provas o esperavam…
Profícuo apostolado em Corinto
Corinto era uma das cidades mais importantes do Império Romano. Situada no istmo que une Peloponeso com o continente, tinha um duplo porto que lhe proporcionava um intenso movimento comercial. Os estudiosos estimam que o número de seus habitantes estivesse entre cem e duzentos mil!
Para a época, tal número significava uma cifra apreciável. Entretanto, essa prosperidade, somada à acentuada movimentação de viajantes, acabou por criar ali um ambiente de grande devassidão moral. “Corinto era, por assim dizer, a capital da luxúria no mundo mediterrâneo”.
Apesar disso, o Apóstolo São Paulo fundara naquela cidade uma de suas maiores comunidades, entre os anos 50 e 51, e lá permanecera por pelo menos um ano e meio (cf. At 18, 11). Ao longo desse período, ele enfrentou duros sofrimentos e fortes oposições por parte dos judeus que ali moravam. Seus dissabores chegaram a tal extremo que o próprio Nosso Senhor quis aparecer-lhe para animá-lo: “Não tenhas medo; continua a falar e não te cales, porque Eu estou contigo. Ninguém te porá a mão para fazer mal. Nesta cidade há um povo numeroso que Me pertence” (At 18, 9-10).
Este era o contexto com o qual Apolo se deparou, praticamente um ano depois da saída de São Paulo.[5] Contudo, nada disso desencorajou aquele grande pregador: “A presença de Apolo aí foi muito útil aos que tinham abraçado a Fé, pela graça de Deus. Pois ele refutava vigorosamente e em público os judeus, demonstrando pelas Escrituras que Jesus é o Cristo” (At 18, 27-28).
Bem instruído a respeito das verdades evangélicas, Apolo prega em Corinto com o mesmo sucesso que obtivera em Éfeso, chegando a tornar-se o Bispo daquela cidade.
Absurda disputa
A bem dizer, sua popularidade entre os fiéis de Corinto cresceu de tal forma que acabou suscitando uma espécie de divisão: uns diziam ser de Pedro, outros de Paulo, outros de Apolo, outros de Cristo…
Essa atitude absurda teve várias causas, e a primeira destas foi a superficialidade dos próprios coríntios. Como puderam eles igualar os Apóstolos a Nosso Senhor, a ponto de a autoridade daqueles se equiparar à d’Ele? Difícil é encontrar uma resposta.
A mesma superficialidade fez com que os coríntios, vendo a grande eloquência de Apolo, o julgassem superior a São Paulo, que pregava de um modo muito mais simples e sem empregar os recursos da retórica (cf. I Cor 2, 1-5).
Como se isso não bastasse, encontramos um fator externo: a criação dos partidos entre os coríntios provavelmente foi também insuflada por certos judeus “convertidos”, que chegaram à cidade pouco depois de Apolo e buscavam pretextos para atacar São Paulo e seu título de Apóstolo (cf. II Cor 10, 9-10; 11, 5-7; 12, 11-13). A maldade desses elementos infiltrados fica bem expressa na Segunda Carta aos Coríntios, na qual eles são chamados de “falsos apóstolos, operários desonestos, que se disfarçam em apóstolos de Cristo” (11, 13).
Convém recordar que Apolo não teve nenhuma culpa no surgimento da disputa. Se houvesse qualquer má intenção em seu apostolado, podemos estar certos de que São Paulo – homem de caráter notadamente fogoso, intransigente e sincero – teria feito críticas a seu respeito, como chegou a fazer até mesmo em relação a São Pedro (cf. Gal 2, 11). Entretanto, vemos o contrário: todas as referências sobre Apolo nas cartas paulinas demonstram grande estima e confiança.
De qualquer forma, os partidos estavam constituídos e a situação em Corinto ficou insustentável. Foi então que Apolo decidiu sair da cidade, para encontrar-se com São Paulo em Éfeso.
Encontro com São Paulo
Chegando à presença do Apóstolo, Apolo relatou toda a divisão que estava sofrendo a comunidade de Corinto. Suas notícias vieram somar-se às de vários outros discípulos.
Diante disso, São Paulo decide escrever sua Primeira Carta aos Coríntios, na qual, de um lado, repreende-os por estarem criando facções e, de outro, mostra como Apolo foi seu colaborador na pregação do Evangelho: “Quando, entre vós, um diz ‘Eu sou de Paulo’, e outro ‘Eu sou de Apolo’, não é isto um modo de pensar totalmente humano? Pois que é Apolo? E que é Paulo? Simples servos, por cujo intermédio abraçastes a Fé, e isto conforme a medida que o Senhor repartiu a cada um deles: eu plantei, Apolo regou, mas Deus é quem fez crescer. Assim, nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas só Deus, que faz crescer” (3, 4-7).
A humildade do Apóstolo, somada ao desejo de eliminar os partidos entre os coríntios, fez com que ele declarasse que seu trabalho não valia nada. De fato, sem o auxílio da graça, não há apostolado que dê verdadeiros frutos.
Contudo, é uma imensa glória ser instrumento nas mãos de Deus para anunciar o Evangelho. E glória também enorme é secundar o grande Doutor das Gentes em sua pregação. Desse modo, Apolo teve o insigne mérito de regar a semente bendita que Paulo plantou.
Em outro trecho da mesma carta, encontramos dados ainda mais eloquentes: “Quanto ao nosso irmão Apolo, roguei-lhe muito que fosse ter convosco com os irmãos, mas de modo algum quis ele ir agora. Contudo, irá ver-vos quando tiver oportunidade” (16, 12).
Essa passagem deixa transparecer, em primeiro lugar, a confiança que São Paulo depositava em Apolo. Na mesma carta em que critica a divisão produzida em torno da pessoa deste, ele afirma que permitiu seu regresso a Corinto e, como se isso não bastasse, ainda rogou-lhe muito para que voltasse. Entretanto, Apolo não queria desviar as atenções do principal: Nosso Senhor Jesus Cristo.
Podemos concluir que o Bispo de Corinto aceitava com veneração a superioridade de Paulo, a quem o próprio Nosso Senhor elegera para ser o Apóstolo dos gentios. Apolo reconhecia-se como um mero pedagogo, ao passo que o pai da comunidade de Corinto era São Paulo. Aliás, essa verdade também se encontra mencionada na carta, pouco depois da repreensão a respeito dos partidos (cf. I Cor 4, 15-16).
E é por essas razões que Apolo, como exemplo de humildade, não quer voltar a Corinto.
Mergulhando novamente no mistério
Após esses episódios, a figura do eloquente alexandrino desaparece outra vez. Terá ele voltado para Corinto junto com São Paulo, no ano 57? É possível, mas não temos documentos que nos deem segurança a esse respeito.
A próxima pista de Apolo data de muito tempo depois, quando já se aproximava o fim da vida de São Paulo. Trata-se da última menção acerca dele nas Sagradas Escrituras, encontrada na Carta a Tito: “Provê diligentemente a viagem de Zenas, o legista, e de Apolo, para que nada lhes falte” (3, 13).
Tito foi o primeiro Bispo de Creta e, na época, residia naquela ilha. São Paulo escreve-lhe para garantir que Apolo e Zenas – deste último mais nada se conhece – sejam bem assistidos em sua viagem. Mais uma vez, vemos a estima que o Apóstolo nutria por seu eloquente colaborador.
Ao que tudo indica, tanto Apolo quanto Zenas encontravam-se então com Paulo, e deviam fazer alguma viagem passando por Creta, talvez de regresso a Alexandria.
E aqui, o fogoso e eloquente pregador, discípulo e auxiliar do Apóstolo São Paulo, mergulha novamente no mistério. Terá ele retornado mais uma vez a Corinto, para cuidar de seu rebanho? Ou será que, já próximo da ancianidade, terá permanecido até o fim de seus dias em Alexandria? Por que ele não foi galardoado oficialmente pela Igreja com o título de Santo?
Tais perguntas, por ora, permanecem sem resposta…
Entretanto, o pouco que conhecemos sobre esse personagem, cujo nome mereceu figurar nos Livros Sagrados, já nos revela um exemplo de humildade, despretensão e fé, que o Espírito Santo quis conceder à Igreja até o fim dos tempos.
Texto extraído da Revista Arautos do Evangelho n. 225, setembro 2020. Por Marcelo Soares Teixeira da Costa.
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