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Meditações de Santo Afonso Maria de Ligório — Bispo e Doutor da Igreja
Quanto é doce a morte do justo
Terça-feira: Primeira Semana da Quaresma
— “As almas dos justos estão na mão de Deus, e não os tocará o tormento da morte” (Sb 3,1)
I. É assim: os tormentos que na morte afligem os pecadores, não afligem os santos: Non tanget illos tormentum mortis – “Não os tocará o tormento da morte”. Os santos não se abalam com esse Proficiscere, anima – “Parte, ó alma”, que tanto assusta os mundanos. Os santos não se afligem com o terem de deixar os bens da terra, porque nunca lhes tiveram o coração ligado. Deus é o Senhor do meu coração, diziam eles sempre, a minha porção é Deus para sempre – Deus cordis mei et pars mea Deus in aeternum (Sl 72,26).
Sois felizes, escrevia o Apóstolo a seus discípulos que pela causa de Jesus Cristo tinham sido despojados de seus bens, sois felizes, porque suportastes com alegria a rapina dos vossos bens, sabendo que tender um cabedal melhor e permanente: Cognoscentes vos habere meliorem et manentem substantiam (Hb 10,34).
Os santos não se afligem por deixarem as honras, porque desde muito as desprezaram e tiveram na conta do que efetivamente são, fumo e vaidade. Só estimaram a honra de amarem a Deus e de serem por Ele amados. Nem se afligem por deixarem os parentes, porque só os amaram em Deus; morrendo, recomendam-nos ao Pai celeste que os ama mais do que eles o podiam, e como esperam salvar-se, pensam que o melhor lhes poderão valer na pátria celestial do que ficando na terra.
Em suma, o que disseram durante toda a vida: Deus meus et omnia – “Meu Deus e meu tudo”, repetem-no com mais consolação e ternura no momento da morte.
Quem morre no amor de Deus não se inquieta com as dores que acompanham a morte; antes, nelas se compraz pensando que a vida vai acabar e que depois não lhe resta mais tempo para sofrer por Deus e testemunhar-Lhe outras provas do seu amor. Por isso, oferece-Lhe com afeto e paz estes últimos restos da sua vida e consola-se unindo o sacrifício da sua morte ao sacrifício que Jesus Cristo ofereceu um dia por ele na cruz ao seu eterno Pai. E assim morre feliz, dizendo: In pace in idipsum dormiam et requiescam (Sl 4,8) – “Em paz dormirei nele e repousarei”.
Oh! que felicidade morrer entregando-se e repousando nos braços de Jesus Cristo, que nos amou até à morte e quis sofrer uma morte tão dolorosa, a fim de nos obter uma morte doce e cheia de consolação! – Meu irmão, quais seriam os teus sentimentos se tivesses de morrer neste instante?
II. Ó meu amado Jesus, que para me obter uma morte suave, quisestes sofrer uma morte tão cruel no Calvário, quando é que Vos verei? A primeira vez que Vos terei de ver, ver-Vos-ei como meu Juiz no próprio lugar em que expire. Que Vos direi então? Que me direis? Não quero esperar até então para pensar nisso; quero meditá-lo agora. Dir-Vos-ei:
Meu caro Redentor, sois Vós aquele que morreu por mim? Houve um tempo em que Vos ofendi; fui ingrato para convosco e não merecia perdão; mas, ajudado pela vossa graça, entrei em mim mesmo, e no resto da vida chorei os meus pecados, e Vós me haveis perdoado. Perdoai-me agora novamente, que estou a vossos pés, e dai-me a absolvição geral das minhas faltas. Não merecia mais amar-Vos tendo desprezado o vosso amor; mas pela vossa misericórdia me tendes atraído o coração, o qual, se Vos não amou segundo o vosso mérito, amou-Vos pelo menos sobre todas as coisas, deixando tudo para Vos agradar.
Que me dizeis agora? Verdade é que gozar o paraíso e possuir-Vos no vosso reino é uma felicidade grande demais para mim. Não tenho, porém, coragem de viver longe de Vós, mormente agora, que me deixastes ver o vosso amável e belo rosto. Peço-Vos, pois, o paraíso, não para ter mais gozo, mas para melhor Vos amar.
Mandai-me para o purgatório todo o tempo que Vos aprouver. Manchado, como ainda estou, não quero entrar nessa pátria de pureza e ver-me entre essas almas puras. Mandai-me ao purgatório, mas não me expulseis para sempre da vossa presença. Basta-me que no dia que Vos aprouver, me chameis ao paraíso para nele cantar eternamente as vossas misericórdias. Por ora, ó meu amado Juiz, levantai a mão, abençoai-me e dizei-me que sou vosso e que Vós sois e sereis sempre meu. Eu sempre Vos amarei, e Vós sempre também me amareis.
Agora vou para longe de Vós, vou para o fogo; mas vou contente, porque vou para Vos amar, meu Redentor, meu Deus, meu tudo. Vou contente, sim; mas sabei que, enquanto estiver longe de Vós, a minha maior pena será esse apartamento. Vou, Senhor, contar os instantes que decorrerão até que me chameis. Tende piedade de uma alma que Vos ama com todas as suas forças e deseja ver-Vos para melhor Vos amar.
É assim, Jesus meu, que espero então falar-Vos. Peço-Vos entretanto que me deis a graça de viver de modo que possa dizer-Vos então o que agora pensei. Dai-me a santa perseverança, dai-me o vosso amor. Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.