Dentre as virtudes mais eminentes de José, filho de Jacó, desponta a pureza. Desde sua juventude, ele prezava os costumes honestos e, como narram as Escrituras, aborrecia os temas licenciosos tratados por seus irmãos: “José, ainda jovem, com a idade de dezessete anos, apascentava o rebanho com seus irmãos, os filhos de Bala e os filhos de Zelfa, mulheres de seu pai; e ele contou ao seu pai as más conversas dos irmãos” (Gen 37, 2).
Em meio a verdadeiras peripécias, depois de ter sido vendido como escravo pelos irmãos, José foi levado ao Egito, onde Putifar, chefe da guarda do Faraó, comprou-o. Morando na casa de seu senhor, José conquistou sua confiança pela retidão de seus costumes, pela sabedoria com que administrava os bens e pela bênção de Deus que pairava sobre ele, favorecendo-o em tudo. Porém, uma nuvem negra e suja iria toldar os horizontes de José.
Seu rosto destacava-se pela beleza, o que suscitou na mulher de seu amo sentimentos ignóbeis: “E aconteceu, depois de tudo isto, que a mulher de seu senhor lançou seus olhos em José e disse-lhe: Dorme comigo” (Gen 39, 7). A recusa do casto José denota uma retidão e um temor de Deus heroicos: “Meu senhor, disse-lhe ele, não me pede conta alguma do que se faz na casa, e confiou-me todos os seus bens. Não há maior do que eu nesta casa; ele nada me interdisse, exceto tu, que és sua mulher. Como poderia eu cometer um tão grande crime e pecar contra Deus?” (Gen 39, 8-9).
Diante de tanta pureza, o coração da infiel, obscurecido pela virulência das paixões, não aceitou os motivos apresentados por José, mas continuou a tentá-lo ainda por muitos dias. Em determinada ocasião, a mulher indigna, açodada por suas péssimas intenções, agiu de forma violenta: “Tendo ele entrado na casa para fazer seus serviços, e não se encontrando ali ninguém da casa, ela segurou-o pelo manto, dizendo: Dorme comigo! Mas José, largando-lhe o manto nas mãos, fugiu”. (Gen 39, 11-12) Vendo frustradas suas ciladas, passou ela a conceber-lhe ódio e vingança, espalhando sórdida calúnia: “Vendo a mulher que ele lhe tinha deixado o manto nas mãos e fugido, chamou a gente de sua casa e disse-lhes: Vede: trouxeram-nos este hebreu para a casa a fim de que ele abuse de nós. Este homem veio-me procurar para dormir comigo, mas eu gritei. E vendo que eu me punha a gritar, deixou seu manto ao meu lado e fugiu” (Gen 39, 13-15).
A sorte de José foi terrível. Putifar deu crédito às mentiras maldosas e o colocou na prisão: à fidelidade na hora da tentação seguiu-se a úmida escuridão da cela. Como se verá, até lá a mão de Deus não o abandonaria, mostrando-lhe seu favor em meio ao infortúnio. Finalmente, terminará ele elevado ao cargo de maior confiança do rei do Egito.
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A virtude da castidade refulgiu em José com uma luz especialíssima, digna de prefigurar a virgindade puríssima e viril de São José, esposo de Maria e custódio de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Durante algum tempo e entre vários autores grassou o erro inoculado pelos apócrifos de Tiago e Pedro, que atribuem a São José a paternidade direta dos “irmãos” do Senhor, citados nos Evangelhos. Porém, a Tradição da Igreja foi proclamando com voz sempre mais alta e universal, a virgindade de São José. O primeiro paladino dela foi São Jerônimo, quem enfrentou o herege Helvídi, mostrando-lhe que o verdadeiro parentesco de Cristo com tais “irmãos” consiste em certa consanguinidade de segundo ou terceiro grau, como aliás, é hoje moeda corrente entre os exegetas.
Seguem seus passos Santo Agostinho, Teodoreto, São Beda e São Ruperto, dentre outros. Porém São Pedro Damião afirma com a força e a rutilância de um toque de clarim: “é fé da Igreja que aquele que fez as vezes de pai foi virgem também”(1). São Tomás se fará eco dessa verdadeira tradição(2) e aportará uma sublime razão teológica: “Se o Senhor [no alto da Cruz] quis encomendar ao [discípulo] virgem o cuidado da Virgem, sua Mãe, como teria [ela] convivido com seu esposo, se ele não tivesse sido sempre virgem?”(3)
Portanto, podemos crer, em sintonia com a Igreja, esposa imaculada e santa do Cordeiro divino, que São José, honrado pelos homens com o título de pai de Jesus Cristo, foi virgem durante toda sua vida, de uma pureza exímia e única na Igreja.
Se consideramos a natural inclinação do homem ao casamento e à preservação da espécie, se lembramos os esforços dos grandes santos para manter sua castidade, e se constatamos quantos homens se deixam arrastar pela veemência das paixões, ao contemplar São José nos admira o altíssimo grau de sua pureza, sua virgindade íntegra, sua caridade e contemplação ardentíssimas, que lhe permitiram conviver com sua jovem esposa sem experimentar a mínima sugestão carnal, todo feito para extasiar-se com sua virtude consumada, sua santidade ímpar e sua divina beleza.
Daí a terrível provação experimentada por ele ao constatar a maternidade de Maria. Quiçá Ela mesma lhe tivesse revelado o anúncio do Anjo, embora, sobre este particular, se dividam as opiniões dos teólogos e especialistas. O fato seguro é que diante dos sinais evidentes da gravidez, ele, em sua profunda humildade, se considera indigno de participar de um mistério tão alto, e decide retirar-se em segredo.
Com efeito, pureza e humildade são indissociáveis. É impossível manter a continência do corpo se na alma reina a vaidade e a presunção. Assim, encontramos mais uma faceta da alma de São José: a tranquilidade da despretensão. Ele decide retirar-se, mas não sem antes descansar. Naquela difícil situação, com a dilacerante separação em vista – que significaria não poder mais contemplar o luminosíssimo olhar de Maria! – o varão justo decide repousar. Nossa Senhora percebe sua provação e reza por ele. E eis que um Anjo lhe aparece em sonhos: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo”.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias assim comenta esse episódio: “diferentemente do que ele pensava, estava, sim, à altura de sua celestial esposa, tornando-se um dos primeiros a conhecer o mistério sagrado da Encarnação do Verbo”(4). Qual não terá sido a intensa e temperante alegria de São José ao acordar depois de tal revelação? Poder não só presenciar, mas tomar parte ativa, impondo o nome ao próprio Filho de Deus. Belo prêmio de sua virgindade puríssima!, como bem o descreve Santo Agostinho: “Quando Lucas refere que Cristo nasceu da Virgem Maria e não do contato com José, por que o chama Pai, senão pelo fato de ser, como entendemos retamente, esposo de Maria, não pela união carnal, mas pelo pacto conjugal? Por isso é certamente pai de Cristo muito mais íntimo, pelo fato de Ele ter-lhe nascido de sua esposa, que se o tivesse adotado”(5) .
Fazer as vezes de pai do Homem-Deus na Terra e ser esposo da Rainha dos Anjos… não poderia haver maior dignidade! Estar ao lado da nascente de toda a pureza e conviver com a medianeira dos benefícios trazidos ao mundo com a Redenção: é impossível imaginar um dom mais alto, um benefício mais nobre e dignificante!
Com efeito, não poderia ter sido de outro modo. A grandeza da vocação de São José, assim chamado à maior intimidade com Jesus e Maria, exigia dele uma tal perfeição na virtude, que não se pode conceber nele o mínimo deslize em matéria de virtude. É por isso que o mesmo Mons. João Clá Dias levanta uma audaz, belíssima e acertada hipótese: a sua preservação da mancha e das inclinações más, frutos do pecado de Adão e Eva: “Ao considerarmos, admirados, a figura de São José e a elevação inimaginável de sua vocação — a ponto de ser impossível cogitar outra mais alta —, vemos que ele está tão acima da nossa condição que o julgamos na mesma proporção de Maria. Cabe, pois, perguntar: acaso foi ele concebido sem pecado original? Até hoje o Magistério da Igreja não afirmou o contrário de maneira definitiva, razão pela qual podem ser feitas considerações teológicas favoráveis a tal hipótese”(6).
Encontramos, pois, dois varões castos elevados pela sua pureza aos mais altos patamares da dignidade. José do Egito termina por ser o homem mais influente do enorme império dos faraós; São José recebe em tutela os tesouros mais apreciados de Deus Pai: seu Filho encarnado e Maria Santíssima!
Seja São José o protetor vitorioso daqueles que lutam para manter seus corações livres da sórdida escravidão da impureza, seja ele o auxílio e intercessor dos que caem e querem reerguer-se, tenha ele piedade e desperte as consciências dos que se abandonam aos braços suaves e cruéis dos mentirosos deleites de uma vida licenciosa.
Uma coisa é segura: futuramente a figura de São José será considerada, sempre mais, como o cavaleiro glorioso da virgindade, modelo fulgurante da castidade masculina, amparo eficaz de todos os que amam a inocência e combatem a impureza.
Na próxima meditação, consideraremos a virtude da confiança em São José, sempre a partir da figura de seu precursor: José do Egito.
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1.“Ecclesiae fides est, ut virgo fuerit et is qui simulatus est pater”. São Pedro Damião. Epistola VI ad Nicolaum. In PL 145, 384.
2.São Tomás não só afirma a virgindade perpétua de São José, mas rejeita como sendo doutrina que a Igreja não sustenta e falsa, a que lhe atribui filhos de outro matrimônio anterior ao contraído com Maria Santíssima. Cf Comm. in Io., c. 2, l. 2, 1; Ad Gal., c. 1, l. 5.
3.“Si Dominus Matrem Virginem noluit nisi virgini commendare custodiendam, quomodo sustinuisset sponsus eius, virginem non fuisse, et sic persistisse”. São Tomás de Aquino. Ad Gal., c. 1, l. 5.
4. Scognamiglio Clá Dias, João. O inédito sobre os Evangelhos. Vol. VII, p. 41
5. Santo Agostinho. De consenso Evangelistarum, 1. 2, n. 3. In PL 34, 1072. Tradução nossa.
6. Scognamiglio Clá Dias, João. O inédito sobre os Evangelhos. Vol. VII, p. 54.