É difícil encontrarmos um métier mais exigente em matéria de agilidade mental, penetração psicológica e discernimento de situações que o de um estrategista militar.
Redação (06/08/2023 14:19, Gaudium Press) Os diferentes domínios da produção humana artística, cultural ou intelectual não divergem entre si somente por seu objeto próprio, decorrente de uma finalidade específica, assentada em qualquer necessidade ou conveniência humana. Por detrás de cada habilidade, um universo de princípios, um método determinado e um objetivo manifesto exigirão daquele que palmilha certo itinerário uma aplicação – por vezes, imensa – completamente distinta da requerida de alguém que decidiu percorrer outro caminho.
É claro que um pediatra poderá não entender absolutamente nada de cozinha, ao passo que um cozinheiro não saberá sobre uma virose infantil mais do que o básico. Mas também é verdade que, além de os métodos próprios ao progresso em uma carreira se distinguirem dos de outra, as circunstâncias e dificuldades concernentes a cada uma também terão desenvolvimentos e consequências peculiares.
Neste sentido, é difícil encontrarmos um métier mais exigente em matéria de agilidade mental, penetração psicológica e discernimento de situações que o de um estrategista militar. Porque “na guerra, mais do que em qualquer outro lugar, as coisas ocorrem de distinto modo como alguém as havia imaginado, e parecem de perto diferentes de como se vê à distância. Com que tranquilidade pode o arquiteto levantar sua obra e avançar em seu desenho! O médico, ainda quando entregue a um número muito maior de contingências e de fatos insondáveis que o arquiteto, conhece exatamente a forma e os efeitos do meio que emprega.
“Na guerra, ao contrário, o guia de um grande conjunto se encontra em um mar tumultuoso de notícias verdadeiras e falsas, de faltas cometidas por medo, negligência, precipitação; de reincidências, que lhe são apresentadas com aspecto falso ou verdadeiro de má vontade, sentimentos de dever aparente ou real, preguiça ou esgotamento; de contingências que ninguém havia previsto.”[1]
O texto transcrito acima é extraído de “Vom Kriege” – “Sobre a Guerra”, verdadeira obra-prima, clássico da estratégia militar. Seu autor, von Clausewitz, estrategista militar prussiano do séc. XIX e um dos maiores peritos da arte militar de seu tempo.
Traços biográficos
Carl von Clausewitz nasceu em Burg, Prússia, a 1º de junho de 1780, de família da pequena burguesia. Uma reforma empreendida nas forças armadas prussianas, depois do falecimento de Frederico, o Grande, permitiu o ingresso de plebeus em suas fileiras, fato que concorreu para que Carl e dois de seus irmãos fossem aceitos como cadetes.
O início de sua vida militar deu-se antes dos treze anos de idade, quando participou da luta contra os franceses na Renânia e, em seguida, da reconquista da Mogúncia, entre 1793 e 1795. Possuidor de uma visão ampla e aguda, aproveitou a ocasião para observar e refletir sobre os métodos utilizados, adquirindo desde já gosto pela arte da estratégia militar.
Enriqueceu seus conhecimentos ao ingressar na disputada escola militar de Berlim, em 1801. Já formado, enfrentou as teorias vigentes acerca da estratégia militar tradicional, além de ressaltar a necessidade do envolvimento político para o êxito de qualquer campanha.
Inovação de táticas e estratégias
Sua genialidade e tino militar foram o ponto de partida para uma série de reformas de táticas de guerra, por onde ressaltava-se a importância do processo de instrução e treinamento dos praças. Com efeito, o fracasso infligido pelas tropas napoleônicas no exército prussiano, em Auerstedt (1806), era atribuído à falta de envolvimento do governo nos assuntos militares e às táticas obsoletas de guerra.
A partir de então, a atuação de Clausewitz no âmbito militar tornou-se cada vez mais intensa, com sua participação em funções de maior importância. Dentre elas, destaca-se a integração na comissão responsável por elaborar novos regulamentos operacionais e táticos para o exército.
Sua concepção de estratégia militar abrangia, além do âmbito prático, uma profunda reflexão filosófica sobre a guerra e a paz. Esta reflexão proporcionava a consideração do caráter moral na guerra; por exemplo, defender a execução do adversário nas ocasiões em que este poderia ser simplesmente desarmado, em vez de morto, deixa de ser ético.
Ainda nesta linha de princípios de valor, defendidos pela estrategista prussiano, encontram-se a compreensão precisa dos objetivos, a disponibilidade de meios, o cálculo racional das oportunidades e os limites éticos.
Um dos pontos desenvolvidos na obra “Vom Kriege”, sobre a relação entre as táticas ofensivas e defensivas, é o elenco de três elementos essenciais: efeito surpresa, conhecimento do terreno e ataque múltiplo.
Isso implica numa compreensão da defesa como naturalmente vantajosa, dado o prévio conhecimento do terreno, que permite a utilização mais eficaz do efeito surpresa ao dispor determinados contingentes em locais inesperados. Portanto, o exército que propõe o ataque deve julgar bem as suas forças e as suas condições: estas devem ser mais favoráveis que aquelas que, em via de regra, requerem a situação defensiva.
Revanche contra Napoleão
Clausewitz também prestou serviços à coroa russa ao ingressar em suas fileiras no ano de 1812. Fazendo uso da patente de coronel, derrotou as tropas de Napoleão no mesmo ano, e expulsou os franceses do mar Báltico pouco tempo depois. De volta à Prússia, liderou o estado-maior do 3º corpo que venceu as tropas de Grouchy em junho de 1815, impedindo-as de se unirem às fileiras napoleônicas em Waterloo, durante os cem dias.
Seus últimos anos de vida foram dedicados à revisão da “Vom Kriege”, obra magistral, em que apresenta praticamente toda a sua noção sobre a teoria militar em seus mais diversos âmbitos.
Aos 51 anos, acometido pela cólera, faleceu em Breslau antes de concluir a revisão do livro, a 16 de novembro 1831.
Perseverança: característica essencial do combatente
Especialmente interessante é o capítulo da “Vom Kriege” em que Clausewitz discorre sobre a perseverança como fator decisivo para a vitória. Em realidade, os princípios ali elencados transpõem os campos da vida militar e podem ser perfeitamente aplicados à lida diária de todo e qualquer ser humano.
A seguir, um trecho do mencionado capítulo:
“Pronto [o homem durante a guerra] se verá entregue a milhares de imprevistos: de menor número, os alentadores; com tendência alarmista, a maioria. A larga experiência da guerra dá o tato necessário para apreciar rapidamente o valor de cada um deles; um ânimo levantado e grandes energias pessoais os resistem, como a rocha no embate das ondas.
O que cede a estas impressões, não realizará nenhuma de suas empresas, e por isso a perseverança no plano acordado é um contrapeso necessário […]. Por outra parte, não há na guerra quase nenhuma empresa famosa que não tenha sido levada a cabo mediante infinitos esforços, penalidades e privações, e quando a debilidade física e moral do homem está disposta a ceder, uma grande força de vontade pode conduzi-la até o fim, anunciando ao mundo e à posteridade sua admirável constância.”[2]
Por Rodrigo Siqueira
[1] CLAUSEWITZ, Carl von. De la Guerra. Barcelona: Obelisco, 2021, p. 186-187. (Tradução nossa).
[2] Ibidem.
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