Com o recente comissariado dos “Memores Domini” do movimento Comunhão e Libertação, volta à tona o tema da extraordinária quantidade de intervenções da Santa Sé em inúmeras comunidades.
Redação (26/11/2021 09:56, Gaudium Press) Com o recente comissariado dos “Memores Domini” do movimento Comunhão e Libertação, bem como a sucessiva renúncia do presidente geral do movimento, Julián Carrón, voltou à tona um tema bastante popular nos últimos anos: a extraordinária quantidade de intervenções da Santa Sé em congregações, movimentos e inclusive em associações privadas de fiéis, como conclusão de uma prévia visita apostólica. Talvez o mais famoso, há alguns anos, tenha sido o comissariado dos Legionários de Cristo pelo falecido Cardeal De Paolis, ainda no pontificado de Bento XVI.
Contudo, desde a ascensão do Papa Francisco ao trono pontifício, tais comissariados têm se multiplicado como uma grande bola de neve. Para aprofundar essa questão, é preciso responder a seguinte pergunta: em que consiste o comissariado? Por que se nomeia um comissário?
O que é um comissário?
Na linguagem eclesiástica, a expressão “comissário pontifício” tem sido empregada com vários sentidos ao longo dos séculos. No atual Código de Direito Canônico, não se encontra tal expressão, podendo-se dizer que seu uso é equiparado àquele utilizado pelo governo italiano, significando alguma função temporária com determinados poderes outorgados “ad hoc”. Trata-se de uma medida administrativa e não pode ser considerada uma punição infligida por sentença judicial.
O comissário é instituído, portanto, com finalidades e funções particulares, para atender a exigências contingentes e extraordinárias. Em geral, o cargo de comissário na Igreja tem duração limitada e seus poderes são definidos no decreto de nomeação.
No entanto, fica uma pergunta: por que essa multiplicação de comissários ao longo do atual pontificado? É uma pergunta difícil de responder. Mas antes de lançar algumas hipóteses, vamos aos fatos.
As intervenções da Santa Sé
Os dados provenientes dos vértices da Congregação dos Religiosos (CIVCSVA) são assustadores. Nunca na história da Igreja houve uma tamanha intervenção da Santa Sé nas congregações religiosas, movimentos e associações. E estamos falando só de comissários, deixando de lado a avalanche de encerramentos – muitos deles dolorosos ou dramáticos – de institutos de vida consagrada, associações e mosteiros de clausura.
Durante a primeira conferência da XXVIII Jornadas de Teologia, Mons. José Rodríguez Carballo, Secretário da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, abordou as “dimensões proféticas na Vida Consagrada”, em 2 de março de 2015. Na ocasião, o prelado afirmou que havia 39 institutos comissariados, 132 visitas apostólicas a congregações e mais de 37 mosteiros sendo visitados. Naqueles anos, falava-se muito dos Franciscanos da Imaculada, que continuam ainda sendo comissariados, embora tenham obtido sentenças favoráveis em âmbito civil contra calúnias promovidas pelo primeiro comissário, Pe. Volpe, falecido durante o seu mandato.
Quatro anos depois, em 7 de junho de 2019, o cardeal Braz de Aviz, prefeito da Congregação para os Religiosos, na conferência para a CONFER do Paraná, no Brasil, afirmou que existem cerca de setenta institutos comissariados. Isso significa que em quatro anos foram comissariados cerca de trinta institutos (número quase equivalente ao total apresentado em 2015) e não consta que desde então o número tenha diminuido.
Comissariado também … o próprio Vaticano
No entanto, o intervencionismo vaticano, muito mais invasivo e intensivo do que o habitual, não se detém nas entidades que estão sob a jurisdição da Congregação para os Religiosos ou da Congregação para os Leigos, liderada pelo Cardeal Farrell, um ex-Legionário de Cristo e um colaborador próximo, por vários anos, do destituído cardeal McCarrick, famoso por seus crimes contra o sexto mandamento. Impressionante, mas é preciso acreditar, a intervenção do Vaticano caiu sobre ele mesmo!
De fato, dois Dicastérios Romanos, após a substituição de seus respectivos Prefeitos, cuja renúncia foi aceita por motivos de idade, receberam a visita apostólica. São eles a Congregação para o Culto Divino e a do Clero. Mas não só. A “Cappella Musicale Pontificia Sistina” em 2019 e a Fábrica de São Pedro, em 2020, ambas entidades do Vaticano, também foram comissariadas.
A estas podem ser acrescentadas outras intervenções extramuros, isto é, as medidas tomadas em relação a algumas circunscrições eclesiásticas. O Santuário de Medjugorje foi comissariado em 2017; o de Lourdes, sem causa aparente, também o foi em 2019; a diocese de Colônia os seguiu em 2021.
Porém, talvez o caso mais polêmico tenha sido a intervenção da Secretaria de Estado à Ordem de Malta, que além de ser um instituto religioso é um Estado soberano. Parece não haver limites de jurisdição para o menor país do mundo: o Vaticano.
Existem razões ideológicas?
E tudo isso, por quê? Existem razões ideológicas subjacentes ao procedimento autoritário do Vaticano? Muitos sustentam esta tese, embora, em certos casos, como no comissariado de Bose, mosteiro de notória orientação ecuménica e progressista, ela não pareça se confirmar.
Estamos, sem dúvida, diante um estilo de governo intervencionista como nunca antes visto na Igreja, que atingiu, na maioria dos casos, congregações e movimentos florescentes, aprovados e apoiados por pontificados anteriores.
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