28 de abril, Dia Mundial da Educação: há espaço para falar de disciplina?
Redação (28/04/2022 09:49, Gaudium Press) O título deste artigo reformula, com mais rima, o antigo provérbio: “De pequenino é que se torce o pepino”, referindo-se à necessidade de cuidar do pepineiro desde cedo, endireitando-o com estacas e desbastando-o com podas. Aplicando aos homens, a máxima é correlata ao ditame bíblico (Pr 22,6): “Ensina à criança o caminho que deve seguir; mesmo quando envelhecer, dele não se afastará”.
Assim, a boa formação pressupõe desde cedo certa “disciplina”, isto é, uma ação própria ao “discípulo”, de modo ordenado, com foco e tenacidade. Dessa maneira, o homem desenvolve métodos de aprendizado para diversas áreas do saber, as chamadas “disciplinas”.
No português, “disciplina” também significa “punição”, sendo por isso confundida com puro autoritarismo. O laxismo a rejeita a priori; contudo, ela pode ser proveitosa em situações excepcionais, de modo análogo aos efeitos positivos de uma dieta mais rígida para a cura de certas doenças. A disciplina, porém, só é salutar se aliada à temperança.
Colégio do Caraça
No âmbito pedagógico, foi proverbial a fama de “rigidez” do tradicional Colégio do Caraça, fundado em 1820, em Catas Altas-MG. De fato, o internato para meninos, dirigido por padres lazaristas, possuía rotina regrada, empenho nos estudos clássicos e exigente condicionamento, embora sempre buscando o equilíbrio: “Os Alunos serão formados – demanda o Estatuto de 1955 – numa disciplina suave e firme que evita, com o mesmo cuidado, um rigorismo exagerado e uma largueza prejudicial”.
Mesmo assim, a boataria propagava que o educandário seria uma espécie de masmorra para estudantes díscolos… Nada de mais falso: de lá despontaram eminentes personagens da vida eclesiástica, intelectual, militar e política de Minas e da nação, entre os quais, dois presidentes da República – Afonso Pena e Arthur Bernardes. Ressalte-se ainda que foi no período de maior observância disciplinar – entre 1867-1885, durante a gestão do Padre Clavelin – que a instituição alcançou também o maior número de matrículas (entre 300-400).
Disciplina e desempenho
Poder-se-ia objetar que o uso da disciplina ficou legado ao passado; inaplicável, portanto, à “era do smartphone”. Não é o que a experiência e os estudos acadêmicos têm demonstrado. Basta mencionar o caso do mineiro Diego Franco Araújo, de 19 anos, que passou neste ano em 1º lugar em Medicina, na USP. O jovem relata que, para superar o vestibular com tanto êxito, aplicou uma rotina prática de estudos, com exercício de simulados, disciplina e autoconhecimento, aliando-os a momentos de lazer. Nesse âmbito, uma pesquisa de 2005 realizada por Duckworth e Seligman, com 140 alunos da 8ª série, detectou que a autodisciplina era duas vezes mais importante do que o QI para o bom desempenho estudantil.
Isso se aplica também à boa performance nos esportes. A mãe de Rayssa Leal, a mais jovem medalhista olímpica do Brasil (12 anos), assim comentou sobre a conquista da filha: “O resultado não tem a ver com a idade, mas são o esforço e a disciplina que fazem uma campeã”.
“A fábrica de cretinos digitais”
Diante da atual avalanche de distrações, em especial provocada por dispositivos eletrônicos, requer-se ainda mais o “tempero” da disciplina. É o que conclui o livro “A fábrica de cretinos digitais: Os perigos das telas para nossas crianças” (editora Vestígio, 2021), do neurocientista francês Michel Desmurget. A obra comprova, por exemplo, que o bom desempenho escolar é inversamente proporcional ao tempo de exposição às telas – de computador, de celular, de televisão etc. –, as quais são cada vez mais utilizadas para entretenimento e menos para trabalhos escolares.
O autor cita ainda um estudo de 2011 que analisou três estilos de educação parental: permissivista (sem regras), autoritário (regras rigidamente impostas) e persuasivo (regras explicadas). O artigo evidencia que o número de crianças suscetíveis a assistir à TV por mais de 4 horas diárias em cada grupo foi respectivamente de 20%, 13% e 7%. Em outras palavras, as regras disciplinares são mais eficazes se aplicadas – e explanadas – com sabedoria.
Desmurget conclui que o consumo lúdico dos dispositivos digitais pelas novas gerações não só está exagerado, mas fora de controle. Ora, considerando o deficitário desempenho dos alunos brasileiros nos rankings mundiais de educação, a nossa situação pode estar ainda mais grave.
Para concluir: como está a situação em sua casa? Já pensou em desligar um pouco os aparelhos eletrônicos? Atividades tão humanas como conversar, cantar, brincar, ler etc. fluirão automaticamente… De fato, assim como a planta não precisa apenas de podas e estacas, mas também daquilo que vem do alto – o Sol e a chuva –, assim também o homem necessita, além da disciplina, contemplar mais as coisas do alto – o Altíssimo, o transcendente, os elevados valores da vida – e menos o brilho opaco das telas digitais. Dessa forma, o “pepino” não só crescerá bem, mas também dará ótimos frutos.
Por Pe. Felipe de Azevedo Ramos, EP
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