A fé é a virtude dos pequeninos, a qual só com muito esforço se pode alcançar.
Redação (27/05/2022 10:03, Gaudium Press) Iniciemos este artigo falando sobre intolerância. Como noticiado por este canal, na noite de 15 para 16 de maio, vândalos destruíram uma imagem de Nossa Senhora das Graças, no jardim da casa dos Arautos do Evangelho, em Sevilla la Nueva, Espanha. Segundo a notícia, algumas horas antes do sacrilégio, moradores da casa ouviram blasfêmias contra Deus e Nossa Senhora e maldições aos Arautos, o que deixa claro que não se tratou de um simples ato de vandalismo, mas de uma ação planejada e executada com ódio e crueldade.
No mesmo dia 15, outra atitude nessa linha chamou minha atenção. Na sexta-feira, dia 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima, o Pe. Ricardo Basso apresentou um interessantíssimo conteúdo, no programa Esplendores de Maria, sobre as falsas devoções a Nossa Senhora, que eu só consegui assistir no domingo. Quando assisto a um vídeo interessante, tenho o hábito de dar uma olhada nos comentários e, fazendo isso, encontrei um que acabou se tornando o centro de uma discussão entre vários internautas.
Como todas as postagens eram muito longas, em vez de fugir delas, como comumente se faz ao encontrar um “textão” na internet, eu resolvi lê-las. Confesso que me segurei para não entrar na conversa, só não o fiz porque vi, logo de início, que havia ali uma pessoa carente, desejosa de chamar a atenção para si. De tudo o que o rapaz escreveu, duas coisas se destacaram: a necessidade de se dizer estudado e culto e os termos chulos que usou – mesmo sendo estudado e culto, como se disse, e muito mal-educado, como se mostrou. Arrogância e baixaria, duas coisas que nem deveriam andar juntas, mas, enfim, cada um vomita o que tem no estômago.
Quem são os intolerantes?
O jovem pseudossábio acusa a Igreja de fazer proselitismo com as pessoas sem estudo (“recrutamento”, nas palavras dele, o que é um termo inadequado, pois recrutar está mais ligado ao mundo militar e ao mundo corporativo que ao universo religioso, mas ele não tem culpa, nem tudo se ensina ou se aprende na escola). Ele diz que a fé daqueles que estudam tem sido cada vez menos compreendida pelos sacerdotes, e se lamenta, afirmando que as pessoas estudadas se sentem cada vez mais abandonadas para que os “mais desprovidos de entendimento possam ser favorecidos”.
Primeiro, não sei quem elegeu esse rapaz representante dos estudados. Em segundo lugar, estudo e entendimento são coisas muito diferentes. Não é preciso estudar para entender e nem sempre quem estuda consegue atingir o entendimento.
Estamos falando de fé, e estamos falando também de cristianismo. Jesus estudou? Não sabemos. É certo que Ele lia e escrevia, mas não há nenhum documento que prove que Ele tenha sido um doutor da lei. Portanto, Ele não dividiu a história em antes dele e depois dele por ter estudado. Para quem Ele pregava? Para os estudados ou para os ignorantes? Ele pregava para todos, exatamente por isso usava uma linguagem muito simples, porque o que é perfeito é simples, e Ele usava a linguagem perfeita, um idioma chamado Amor, como bem lembrou um dos que respondeu à provocação do mocinho “estudado”.
Qual a diferença entre os que quebraram a imagem na casa dos Arautos na Espanha e os que fazem comentários desrespeitosos num site? Nenhuma. Ambos são ligados pela mesma intolerância. Os que quebraram aquela, e muitas outras imagens em várias partes do mundo, os que invadem igrejas, defecam dentro delas (literalmente ou em palavras virtuais), os que adentram lugares santos e atiram contra os fiéis, os que torturam sacerdotes e leigos, hoje e na época do Império Romano, são as mesmas pessoas.
Estudo e entendimento
Jesus pregava nas sinagogas e pregava nas ruas, nas praias, nos campos, para multidões, ou para pequenos grupos, em reuniões privadas, quando era convidado para cear na casa de alguém. Mas, em qualquer circunstância, o seu discurso era o mesmo, a sua linguagem era a mesma. Aos seus discípulos e à Igreja Católica, fundada sobre eles, foi dada a missão de continuar a pregação do Evangelho, o que é feito até hoje. Se algumas pessoas “estudadas” não compreendem a mensagem, a culpa é delas, e não da Igreja. A deficiência está nas limitações dessas pessoas e não na ineficiência de quem prega ou do que é pregado. E essa ineficiência não se chama falta de estudo, mas orgulho, arrogância, prepotência, senso de superioridade.
Ou talvez falte a elas estudar mais, afinal, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, apenas para citar duas sumidades intelectuais, compreenderam muitíssimo bem. Quando conversou com Nicodemos – na calada da noite, porque aquele homem estudado e que ocupava uma posição de destaque, sendo uma autoridade entre os judeus, embora tocado pela doutrina do Mestre, tinha vergonha de, sendo quem era e ocupando a posição que ocupava, admitir que aceitava os ensinamentos de um carpinteiro, tido para muitos como um homem ignorante, um “Zé ninguém”, como diríamos hoje –, diante da sua dificuldade em compreender a verdade, Jesus lhe perguntou: “Você é mestre em Israel e não entende essas coisas?” Essa é uma das passagens que deixam muito claro que estudo e entendimento são coisas diferentes.
Orgulho e intolerância
Jesus disse: “Eu te bendigo, Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt, 11-25), e não podemos nos esquecer que não foram os pequeninos quem tramaram a condenação e a morte de Jesus e sim os sábios e entendidos, os escribas e os fariseus.
Mas também não podemos ser radicais e excluir os sábios da Revelação. São Lucas, que figura entre os quatro evangelistas e foi autor também do Ato dos Apóstolos, era médico e São Paulo, a quem o cristianismo deve as suas bases, era um renomado doutor da lei.
A Igreja pulula de pessoas cultas, estudadas e sábias, a começar pelos sacerdotes, que se misturam com as pessoas simples e sem conhecimento teórico, porque todos formam um só povo, um só corpo e uma só fé. O problema é que alguns desejam que se desconstrua uma doutrina milenar apenas para satisfazer aos seus caprichos, para refutar aquilo com o que eles não concordam, porque, mesmo tão “estudados”, não compreendem, e não conseguem admitir a própria ignorância. Dizer “não sei” é muito difícil, por isso, é para poucos sábios. É para os que são, ao mesmo tempo, sábios e humildes.
O orgulho, meus amigos, facilmente se transforma em intolerância e em ódio e, a partir daí, ofender as pessoas, quebrar imagens, depredar templos e atirar em quem reza, se torna lugar comum. Quantas religiões e doutrinas foram criadas apenas para satisfazer o orgulho de pessoas que não podiam aceitar que a verdade fosse algo tão simples e que estivesse acessível a pessoas que elas supunham tão inferiores a elas?
O milagre da fé
Há uma história sobre um missionário enviado a evangelizar os moradores de uma ilha muito distante. Apesar da beleza natural, o local era inóspito, as acomodações desconfortáveis e os moradores demonstravam muita dificuldade em compreender o básico da religião. Aos poucos, as coisas foram se acomodando e, ao cabo de alguns meses, toda a comunidade tinha se convertido, aprendido a rezar o terço e sido batizada.
Um homem, porém, era a pedra no sapado do missionário. Embora tivesse aceitado de bom grado as palavras de Jesus e recebido o batismo, ele era incapaz de aprender a fazer direito o sinal da cruz e nunca conseguiu decorar o Pai-Nosso e a Ave-Maria, as duas orações mais rezadas pelos católicos.
O missionário rezava a Missa diariamente, e depois dava aula de catequese para que os caiçaras pudessem se preparar para receber a Eucaristia. Durante a Missa, tudo ia bem, mas, na catequese, era um tormento. O homem sempre fazia as mesmas perguntas e todos os dias ele pedia para que o padre lhe ensinasse novamente o Pai-Nosso e a Ave-Maria. No começo, ele atendia com paciência, mas, com o passar do tempo, aquilo lhe foi causando um grande incômodo. No dia que foi embora, sentiu-se aliviado e contou o caso para o barqueiro, dizendo que nunca vira alguém mais cabeça-dura em sua vida.
Já estavam distantes a ponto de não conseguirem mais enxergar a pequena ilha, quando ouviram alguém chamar: “Padre, padre, me ensina mais uma vez!” Admirado da rapidez com que o homem tinha remado para conseguir alcançá-los, o padre se voltou na direção da voz e, para sua surpresa, o caiçara simplório não estava remando, mas caminhando sobre as águas, enquanto insistia: “Por favor, padre, me ensina, só mais uma vez”. Naquele momento, Deus, o barqueiro e o homem ignorante tiveram a alegria de presenciar mais uma conversão…
Fé, estudo e simplicidade
Eu sempre fui uma pessoa de fé quando jovem, até cogitei seguir a vida religiosa, só não o fiz por um motivo muito simples, sendo o filho caçula e estando meus irmãos todos casados ou em vias de se casar, eu não quis me separar de minha mãe, que já não tinha a companhia de meu pai, e ficaria sozinha. Sei que, se tivesse trilhado esse caminho, teria dado a ela a maior das alegrias, porque, embora sendo uma senhora muito simples, que não teve a oportunidade de estudar, era uma mulher de muita fé, mas preferi dar a ela a minha companhia, e não me arrependo.
Estudei e os estudos não tiraram a minha fé, contudo, devo admitir que atrapalharam bastante, porque me levaram a fazer questionamentos e me desgastar cavando respostas satisfatórias. As pessoas simples não precisam perder tempo com isso, e não é porque a Igreja está voltada a elas, mas o próprio Deus.
Ao longo da minha vida, convivi com vários tipos de pessoa, que vão das que creem às que não creem, passando por aquelas que fazem de conta que creem, sobretudo, quando isso lhes traz alguma vantagem. Entretanto, foram duas irmãzinhas que me ensinaram sobre a fé o que a vida não me ensinou. São duas pessoas muito simplórias, pobres e que moram num lugar distante e de difícil acesso. A igreja mais próxima fica a cerca de cinco quilômetros da casa delas, mas elas vão à Missa todos os dias, a pé. Já passaram muito medo, já tiveram de correr de cachorro bravo e encontraram cobras, mas, nada as fez desistir.
Certa vez, numa Missa Solene, que demorou mais a acabar, elas tentaram conseguir uma carona para ir embora, pois sentiram medo de andar sozinhas tão tarde. Por sorte, ainda havia um casal na igreja e aceitou levá-las, já que a casa delas ficava na direção para onde iriam. Estava realmente muito tarde e, além de perigoso, o tempo estava chuvoso e frio. Qual não foi minha surpresa, alguns dias depois, ao saber que o casal que as levou não quis entrar na estrada de terra, para não sujar o carro, deixando que elas caminhassem mais de dois quilômetros no escuro, no frio e pisando na lama com os seus delicados pés.
Numa outra ocasião, a chuva pegou-as no caminho e tiveram de voltar para a casa, perdendo a Missa. Estavam estreando vestidos novos e ficaram encharcadas. Senti um punhal na alma quando ouvi este relato. Tristes, porém, resignadas, elas voltaram para casa e rezaram mais um rosário (já tinham rezado um, hábito diário), oferecendo aquele sacrifício a uma causa santa e às almas sofredoras.
Essas moças, por sua simplicidade, por seu jeito expansivo e até por sua constituição física, já sofreram muitas humilhações. É provável que nunca realizem o acalentado sonho de se tornarem religiosas, porém, eu não tenho dúvida de que, quando elas se ajoelham para rezar, o Céu se abre apenas pelo prazer que Jesus e Nossa Senhora sentem de as ouvir mais de perto. Eu não tenho certeza se Deus tem pessoas prediletas, mas se tem, deu-me o privilégio de conhecer duas dela. E confesso que, apesar da minha idade, dos meus estudos e de toda bagagem que carrego, quando sinto fraquejar a minha fé, é na fé dessas meninas que me inspiro, e tudo, rapidamente, volta ao seu lugar, porque a fé é a virtude dos pequeninos, que precisamos nos esforçar muito para conseguir alcançar.
Por Afonso Pessoa
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