Leão XIV ainda não tomou nenhuma decisão governamental realmente substancial. No entanto, em breve chegará o momento decisivo, no qual ficará claro como Leão XIV realmente pretende governar.

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Redação (18/08/2025 11:04, Gaudium Press) Em pouco mais de cem dias desde que assumiu o pontificado, o Papa Leão XIV se reuniu várias vezes com todos os chefes dos dicastérios. Ele aprovou nomeações já em vigor, mensagens já em andamento e iniciativas agora em fase final. Por enquanto, porém, não houve decisões importantes em relação aos chefes dos dicastérios — cinco deles têm mais de 75 anos, e o sucessor de Prevost no Dicastério para os Bispos ainda não foi nomeado — nem foram publicados documentos cruciais. Leão XIV ainda não tomou nenhuma decisão governamental realmente substancial. No entanto, em breve chegará o momento decisivo, no qual ficará claro como Leão XIV realmente pretende governar.
E esse momento estará relacionado ao Dicastério para a Doutrina da Fé.
Em 3 de julho, o Cardeal Victor Manuel Fernandez, Prefeito do antigo Santo Ofício, anunciou que o Dicastério que ele lidera publicará em breve um documento sobre “diversos temas marianos”. Este documento deve ser considerado uma espécie de continuação das novas normas sobre fenômenos sobrenaturais publicadas em maio de 2024. O documento provavelmente seguirá a linha que levou à publicação, em setembro de 2024, de uma nota sobre as supostas aparições em Medjugorje (e toda a experiência de Medjugorje).
Com as novas normas sobre fenômenos sobrenaturais (publicadas em maio de 2024), o Dicastério mudou seu foco de avaliação da natureza sobrenatural de fenômenos específicos para uma avaliação pastoral de seu impacto. Por esse motivo, foram definidos seis níveis de aprovação, que vão desde uma declaração de natureza não sobrenatural (mas nunca o contrário) até o nihil obstat, ou a declaração de que nada impede que essa veneração seja levada adiante.
Fernandez explicou que o nihil obstat é algo muito positivo, mas “não significa que tudo o que está sendo dito seja isento de riscos. Quando olhamos para esses fenômenos como um todo, vemos problemas recorrentes”.
Segundo Fernandez, o texto que deve esclarecer e equilibrar as questões decorrentes das investigações está quase pronto, mas levará mais alguns meses para ser publicado. Essas palavras devem ser ponderadas em relação a um rumor persistente de que Leão XIV teria visto o documento e se recusado a aprová-lo, solicitando algumas mudanças substanciais.
Trata-se apenas de um boato, alimentado, entre outros, por aqueles que buscam indícios de uma descontinuidade aberta entre o Papa Francisco e o Papa Leão XIV. O boato permanece plausível por dois motivos. Primeiro, um documento sobre fenômenos marianos concebido sob o Papa Francisco pode não estar – no tom, até mais do que nas conclusões – completamente em sintonia com Leão XIV.
O Papa Francisco apreciava muito a piedade popular. Leão XIV também aprecia a piedade popular. Mas é difícil imaginar Leão XIV contradizendo abertamente as tradições da Igreja, ou mesmo tendo um documento da Doutrina da Fé que censurasse abertamente específicas manifestações de fé de uma maneira quase preconceituosa.
O documento sobre questões mariológicas será, portanto, um teste. Será visto se o Cardeal Fernandez, o mais ferrenho defensor do Papa Francisco e seu “ideólogo” de confiança, será levado a mudar o tom e o escopo de suas declarações. O Papa Francisco aprovou um tipo de linguagem que sinalizava uma ruptura com o passado, mesmo quando essa ruptura era talvez exagerada ou principalmente ideológica. Leão XIV não está se movendo nessa direção.
Mas Fernández parece querer pressionar Leão XIV para garantir que tudo o que foi preparado sob o Papa Francisco seja publicado.
Em janeiro de 2025, Fernández anunciou que o Dicastério estava preparando documentos sobre o valor da monogamia, a escravidão ao longo da história e as várias formas de escravidão nos dias atuais, o papel da mulher na Igreja e, até mesmo, algumas questões mariológicas.
Nada mais foi dito sobre esses outros documentos. Em alguns casos, sabemos qual teria sido a orientação. Sobre a escravidão, Fernandez está entre aqueles que enfatizam que a Igreja endossou a escravidão e, só mais tarde, mudou sua doutrina. Essa afirmação contradiz os dados históricos, a existência de ordens religiosas como os Mercedários, fundadas justamente para libertar as pessoas escravizadas, e o fato de que as decisões políticas dos Estados Pontifícios não podem ser confundidas com posições teológicas. Fernandez, no entanto, tem apoiado teimosamente essa ideia, chegando a expressá-la em uma coletiva de imprensa, durante o Sínodo sobre a Família, em 2014.
Em relação ao papel das mulheres na Igreja, pode-se esperar um retorno à questão das diaconisas, um tema sobre o qual o Papa Francisco havia estabelecido duas comissões inconclusivas. Acredita-se que um documento sobre o valor da monogamia fosse, de todos os documentos, o menos aberto a possíveis interpretações errôneas.
A possível publicação de todos esses documentos, e como a linguagem e os temas mudaram, poderia representar uma chave essencial para entender como Leão XIV quer levar adiante o pontificado.
De fato, há uma certa pressão sobre Leão XIV para que ele mostre suas cartas e demonstre se deseja ou não dar continuidade ao trabalho de Francisco.
O Pe. Santiago Martin, em um post no site de Aldo Maria Valli, observou que, durante a vacância da sé, o episcopado alemão havia aprovado um rito para a bênção das uniões irregulares. A diocese de Colônia se distanciou do documento porque o cardeal Woelki, arcebispo da cidade, observou que o rito contradiz a declaração da Congregação para a Doutrina da Fé, Fiducia Supplicans, que autoriza a bênção a homossexuais, mas não a uniões entre pessoas do mesmo sexo como tal.
A propósito de Fiducia Supliccans, o próprio Fernandez disse que Leão XIV não a teria alterado. Isso também é uma forma de pressão, considerando, entre outras coisas, que Fernandez atualmente ocupa um cargo provisório, como todos os chefes de departamento.
Também houve pressão sobre a questão do aborto. Um bispo alemão pediu que o aborto não fosse usado como arma ideológica. Como Leão XIV ainda não se pronunciou sobre o assunto, a declaração soa como uma pressão indevida sobre o Papa. Leão XIV terá que encontrar um equilíbrio, mas não pode fazê-lo com base em pressões.
E depois há o caso do Pe. Michael Weninger, o ex-embaixador austríaco que, depois de ficar viúvo, tornou-se sacerdote e serviu por algum tempo no Dicastério para o Diálogo Inter-religioso. Próximo ou mesmo totalmente envolvido com a Maçonaria – ele é descrito em sites oficiais como um capelão da loja – ele deixou claro, em uma conferência, que ser católico e maçom não é mais incompatível. Esta afirmação é contrariada, entre outras coisas, por vários pronunciamentos recentes do Dicastério para a Doutrina da Fé. Entretanto, aqui também está sendo exercida pressão sobre o Papa. Um debate público está sendo fomentado para pressionar Leão XIV a se pronunciar ou, com seu silêncio, permitir que a posição da Igreja seja manipulada.
Esses documentos “suspensos”, essas declarações ainda não proferidas, são atualmente uma espada de Dâmocles sobre o pontificado.
Leão XIV não parece ser um homem que procura semear divisão. Mas o que ele pode fazer diante dos agentes da divisão? Como ele pode contrariar a narrativa sobre si mesmo? Ele terá a coragem de interromper alguns dos legados mais controversos do pontificado anterior?
Essas ainda são questões em aberto por enquanto.
Respondê-las nos permitirá compreender melhor a direção do pontificado.
Artigo publicado no site MondayVatican, em 11 de agosto de 2025, por Andrea Gagliarducci. Tradução Gaudium Press.
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