A liberdade religiosa não é um privilégio concedido por governos, mas um direito natural, derivado da própria dignidade humana.
Redação (24/10/2025 09:30, Gaudium Press) Quando se fala em liberdade religiosa, muitos ainda pensam em cenas de cristãos perseguidos, igrejas incendiadas ou comunidades que se reúnem às escondidas para rezar. Essas imagens são reais e profundamente inquietantes, mas o recente relatório da Fundação Pontíficia Ajuda à Igreja que Sofre (Aid to the Church in Need – ACN) revela algo ainda mais alarmante: a liberdade religiosa está em declínio no mundo inteiro, nas formas mais variadas.
O relatório “Religious Freedom in the World 2025”, divulgado pela ACN em outubro deste ano, analisa o período entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024, abrangendo 196 países. Os números são expressivos: mais de 5,4 bilhões de pessoas vivem em nações onde a liberdade de religião ou crença não está plenamente garantida. Dentre os países avaliados, 62 apresentam violações graves, sendo 24 classificados como territórios de perseguição e 38 de discriminação. Apenas dois países — Cazaquistão e Sri Lanka — registraram alguma melhora em relação ao relatório anterior. Em termos gerais, observa-se um cenário de retrocesso na garantia desse direito fundamental.
Segundo a ACN, a perseguição decorre de três fatores: o autoritarismo estatal, o extremismo religioso e o impacto destrutivo das guerras e das migrações forçadas. Em muitos países, a fé passou a ser vista não como expressão da consciência humana, mas como uma variável a ser controlada. No caso das autocracias — como China, Irã, Eritreia e Nicarágua —, a religião é percebida como ameaça à hegemonia política. A fé é monitorada, vigiada, reduzida à concessão do Estado. O relatório afirma de modo direto que o controle da religião se transformou em instrumento de poder.
Concomitantemente, o extremismo jihadista continua a desestabilizar regiões inteiras do Sahel e da Ásia, onde grupos como o Estado Islâmico ou o Al-Qaeda local impõem sua agenda de terror. Em outros contextos, o nacionalismo religioso se converte em instrumento de exclusão, como observado na Índia e em Myanmar, onde leis discriminatórias e violência comunitária andam de mãos dadas. Nessas situações, a perseguição assume um caráter híbrido: a ideologia oficial legitima a hostilidade popular, resultando na eliminação gradual da presença pública de minorias religiosas.
A guerra e o deslocamento forçado também comprometem severamente a liberdade religiosa. Em países como Ucrânia, Sudão, Israel e territórios palestinos, comunidades inteiras são destruídas, templos profanados, líderes religiosos assassinados. Em Gaza, por exemplo, a única paróquia do território foi atingida por um míssil, e autoridades israelenses tentaram evacuar forçosamente os religiosos do local. O relatório destaca que a liberdade de religião é um indicador do estado de outros direitos humanos: seu declínio reflete uma crise da dignidade humana como um todo.
Embora a atenção frequentemente se concentre em regiões marcadas por conflitos, o relatório também ressalta a erosão da liberdade religiosa em sociedades consideradas “abertas”. A Europa Ocidental e a América do Norte, historicamente consideradas baluartes da liberdade, começam a dar sinais de intolerância ideológica. Na França, por exemplo, foram registrados cerca de mil ataques a igrejas em 2023; na Grécia, esse número ultrapassou seiscentos. Casos semelhantes se repetem na Itália, Espanha e Estados Unidos. A ACN aponta para o “crescimento do clima de hostilidade cultural contra a religião”, indicando que a fé, mesmo em democracias consolidadas, deixou de ser respeitada como componente essencial da vida pública.
Liberdade religiosa, um privilégio?
A liberdade religiosa, portanto, tornou-se um privilégio. E quando algo deixa de ser visto como direito e passa a ser tratado como privilégio, sua sobrevivência depende da boa vontade de quem detém o poder. Nesse contexto, a ACN lançou, juntamente com o relatório, uma campanha global sob o lema “Religious freedom is a human right, not a privilege”. A frase soa como advertência, mas também como apelo moral: se a sociedade não reconhece mais o valor intrínseco da fé, o próprio humanismo ocidental entra em crise.
O Papa também abordou esse ponto em recente mensagem à ACN, exortando os católicos a “renovar o compromisso em defender a liberdade religiosa e estar ao lado dos cristãos perseguidos”. O Pontífice recordou que a liberdade religiosa é “uma pedra angular de qualquer sociedade justa, uma vez que tutela o espaço moral em que a consciência pode ser formada e exercida”. Essa afirmação toca o cerne do problema: onde a fé não pode ser vivida com liberdade, a consciência humana se empobrece, e a política se converte em ideologia.
A boa notícia é que há resistência e esperança. Comunidades perseguidas continuam vivas, testemunhando que a fé não se apaga com decretos. A ACN destaca exemplos de cristãos na África, no Oriente Médio e na Ásia que, mesmo diante de ameaças constantes, persistem em oferecer educação, saúde e assistência aos necessitados. São sinais de uma fé resiliente que não se curva à violência.
Um alerta e um apelo
A mobilização também cresce em nível internacional. A ACN convocou governos e organismos multilaterais a aplicarem com seriedade o Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. O Papa, por sua vez, pediu que “ninguém se acostume com o sofrimento dos que são perseguidos por causa da fé”, lembrando que “a indiferença é o primeiro passo rumo à cumplicidade”.
O desafio, portanto, não é apenas garantir que as pessoas possam professar sua fé sem medo, mas que a fé volte a ser reconhecida como bem social. A liberdade religiosa não é um privilégio concedido por governos, mas um direito natural, derivado da própria dignidade humana. No entanto, vivemos em uma era na qual esse direito se tornou escasso, quase um artigo de luxo.
A análise apresentada pela ACN não é apenas um diagnóstico das dores do presente, mas um apelo à ação. Cabe a cada cristão, a cada comunicador, a cada pessoa de boa vontade fazer da liberdade religiosa um compromisso ético, desvinculando-a de bandeiras partidárias. Onde a fé é professada livremente, a sociedade floresce; onde ela é sufocada, o homem se apequena.
Além da crescente indiferença, estamos diante de um mundo cada vez mais hostil à religião, sobretudo ao Cristianismo, cuja presença pública é questionada e até combatida. Não estamos distantes de um futuro em que viver a fé em paz será, de fato, um privilégio reservado a poucos, independentemente do continente ou regime político.
Este é um alerta que não pode ser ignorado: a liberdade religiosa, conquistada ao longo de séculos de sacrifício, encontra-se ameaçada de desaparecer sob o silêncio complacente e indiferente dos poderosos, apesar dos clamores da Igreja Católica.
Por Rafael Tavares
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