São Tomás Becket se opôs radicalmente às medidas atentatórias contra a Igreja, impostas pelo rei Henrique II e aprovadas pela quase totalidade do episcopado inglês.
Redação (28/07/2023 11:00, Gaudium Press) Ameaçado de morte, Tomás Becket fugiu para a França, usando traje de peregrino e acompanhado de um monge. Após mil dificuldades – Henrique enviara homens armados para prendê-lo –, chegou a Sens, nas proximidades de Paris, onde se encontrava o Papa Alexandre III.
Após conversações com o pontífice, ele foi residir na abadia cisterciense de Pontigny, na Normandia, onde passou a viver como monge.
Protegido pelo Rei da França Luís VII
O nefando Henrique II confiscou todos os seus bens, baniu seus parentes, domésticos e as pessoas que mantinham com ele qualquer relacionamento. Aos habitantes da Inglaterra proibiu que rezassem pelo Santo nas igrejas. E condenou a Abadia de Pontigny por ter abrigado São Tomás. O abade, por temor do tirano – e desprezo de Deus –, expulsou-o dessa casa religiosa.
Informado sobre o fato, o Rei da França Luís VII enviou trezentos homens armados para buscá-lo em Pontigny e ordenou que o trouxessem para um mosteiro em Sens, onde o Santo permaneceu durante quatro anos, sob a proteção do monarca o qual o visitava frequentemente e mantinha com ele longas conversas.
A pedido de São Tomás Becket, o Papa Alexandre III excomungou os bispos de Londres, York e Salisbury, que apoiavam declaradamente Henrique II, e o nomeou legado para a Inglaterra. O Santo teve uma visão mística comunicando-lhe que seria em breve martirizado.
Milagres junto ao seu túmulo
Por obediência ao pontífice, ele regressou a esse país e, em 2 de dezembro de 1170, foi recebido com entusiasmo pelo povo de Cantuária.
No dia seguinte, alguns elementos mandados pelo rei chegaram à Catedral dessa cidade e o intimaram a cancelar as excomunhões lançadas contra os três bispos. Indignado, São Tomás Becket declarou que somente o papa poderia revogar uma pena imposta por ele mesmo.
No anoitecer de 29 de dezembro, numa sala anexa à catedral, o Santo conversava com os monges quando irromperam quatro cavaleiros armados, fazendo ameaças de morte.
Acompanhado dos religiosos, ele entrou em cortejo no templo, que estava lotado, para o cântico de Vésperas. Em determinado momento, os cavaleiros, gritando “absolve os bispos”, mataram São Tomás com espadas. Um dos assassinos, que era subdiácono, pisou no pescoço da vítima e lhe abriu a cabeça, fazendo com que seus miolos se espalhassem pelo pavimento.
Quando Alexandre III recebeu a notícia da morte do Santo, durante oito dias, permaneceu isolado numa sala e não quis receber ninguém. “É que o papa se repreendia por ter mal sustentado a causa da Igreja, pela qual Tomás tanto sofrera por seis anos, e o ter, enfim, atirado aos perseguidores.”[1]
Várias desgraças caíram sobre Henrique II o qual, fugindo de seus filhos que guerreavam contra ele, abrigou-se no Castelo de Chinon – Centro Oeste da França – e ali morreu de hemorragia, amaldiçoando seu filho Ricardo que, posteriormente, recebeu o título de “Coração de Leão”.
Assim que ele exalou o último suspiro, os bispos e nobres que o seguiam fugiram abandonando o cadáver aos servidores, os quais roubaram o que havia de precioso em suas vestes e na câmara mortuária. São Tomás Becket havia profetizado que esse infame rei morreria como um precito.[2]
Inúmeros milagres ocorreram junto ao túmulo de São Tomás. Mortos ressuscitavam, cegos recuperavam a vista, surdos passavam a ouvir, leprosos ficavam curados e possuídos do demônio eram libertados.
Relíquias arrancadas do túmulo e queimadas
Mas a Inglaterra não se manteve fiel às graças obtidas por São Tomás e, ao longo dos anos, houve uma progressiva invasão do Estado sobre os poderes da Igreja.
Em 1534, Henrique VIII rompeu com o Papa porque não aprovou seu divórcio com a Rainha Catarina de Aragão. Proclamou-se chefe da igreja inglesa, dando origem ao anglicanismo.
Por um decreto de 11 de junho de 1538, esse rei ímpio declarou:
“Decretamos que o dito Tomás, outrora Arcebispo de Canterbury, não deve a partir deste dia ser considerado santo, chamado mártir nem mencionado entre os justos; que seu nome e dados pessoais sejam retirados das igrejas, eliminados dos missais, dos livros de orações, dos calendários e ladainhas, pois ele praticou o crime de lesa-majestade, traição, perjuro e rebelião.
“Em consequência, nós ordenamos que seus ossos sejam arrancados de seu sepulcro e queimados publicamente a fim de que, pelo castigo de um morto, os vivos aprendam a respeitar nossas leis e não contradizer nossa autoridade.
“Quanto ao ouro, prata, pedras preciosas e outros objetos que os simples trouxeram a seu túmulo, como se fosse de um santo, nós os confiscamos em proveito de nossa coroa.
“Proibimos, sob pena de morte e de perda de todos os bens, que nossos súditos o tratem doravante de santo, dirijam-lhe orações, portem suas relíquias, façam direta ou indiretamente memória dele. Quem cometer tais faltas será tratado como um conspirador, fautor ou cúmplice de revolta.
“Executou-se tudo isso; as santas relíquias foram lançadas publicamente às chamas e as cinzas espalhadas pelo vento.”[3]
Seu corpo incutia pavor nos adversários
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira comentou:
“Quase ninguém fala dessa execução póstuma de São Tomás Becket; entretanto, há nela uma verdadeira glória para o Santo. Ser odiado pelos maus, sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo é uma glória. Mas que o exemplo dado por um homem tenha sido tão magnífico que os maus não conseguem violar os Mandamentos da Lei de Deus, sem primeiro destruir suas relíquias, é uma glória ainda maior!
“Até depois de morto ele era uma barreira para os inimigos da Igreja, e foi preciso remover esse obstáculo para que a caudal da heresia pudesse avançar.
“Ora, não há nada mais belo do que um varão deitado no seu jazigo, inerte, posto na sombra da morte – ao menos quanto ao seu corpo – ser ainda uma sentinela pela qual só se passa eliminando-a.”[4]
“Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem sobre a Terra. São Tomás Becket, à maneira dele, fez isto: quatrocentos anos após seu martírio, seu corpo era uma trincheira e um pavor para os adversários.”[5]
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas. 1959, v. 22, p. 177.
[2] Cf. DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1880, v. 27, p.535.
[3] Idem, ibidem, p. 345-346.
[4] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Mártir da liberdade da Igreja. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano 23, n. 273 (dezembro 2020), p. 27-28.
[5] Idem. Sentinela, mesmo após a morte. In Dr. Plinio. Ano 18, n. 213 (dezembro 2015), p. 2
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