Por que o sacerdócio de Jesus Cristo está associado ao de Melquisedec? E por que a oblação deste último é comparada ao sacrifício eucarístico?
Redação (31/07/2023 16:19, Gaudium Press) Lemos no Martirológio Romano, do dia 26 de agosto: “São Melquisedec, rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo, que saudou e abençoou Abraão quando voltou vitorioso, oferecendo ao Senhor um santo sacrifício, uma hóstia imaculada. Como pré-figura de Cristo, ele foi identificado como rei da paz e da justiça e sacerdote eterno, sem genealogia”.
Trata-se de um dos personagens mais misteriosos da Bíblia, e seu sacrifício é a pré-figura da Eucaristia que aparece no Antigo Testamento. Para contextualizar, vejamos a passagem de Gênesis onde ela é citada:
“Voltando Abrão da derrota de Codorlaomor e seus reis aliados, o rei de Sodoma saiu-lhe ao encontro no vale de Save, que é o vale do rei. Melquisedec, rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo, mandou trazer pão e vinho, e abençoou Abrão, dizendo: “Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que criou o céu e a terra! Bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos em tuas mãos!”. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo” (Gn 14:17-20).
Aconteceu que cinco reis das terras de Canaã saquearam as cidades de Sodoma e Gomorra, tomando o sobrinho de Abraão, Ló, como prisioneiro. Um fugitivo trouxe a notícia que transformou subitamente o patriarca em um homem de guerra que derrotou essa coalizão de reis, roubou os despojos deles e resgatou seu parente, Ló. Entre parênteses, esse é um aspecto pouco considerado de nosso pai na fé que complementa admiravelmente seu perfil: Abraão era um combatente.
Entre os que saem para parabenizar o vencedor está Melquisedec, que o abençoa e lhe oferece pão e vinho. Após esse episódio, nosso personagem desaparece das páginas do Livro Sagrado, para aparecer novamente, após uma referência no Salmo 109, na Carta de São Paulo aos Hebreus.
De fato, a exegese cristã a respeito de Melquisedec começa nessa Carta. É uma explicação de vários versículos – a seguir citamos apenas alguns – onde tudo interessa. Ninguém interpreta melhor do que o Apóstolo que desvenda a misteriosa auréola que envolve esta figura.
“Este Melquisedec, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, […] é, conforme seu nome indica, primeiramente “rei de justiça” e, depois, rei de Salém, isto é, “rei de paz”. Sem pai, sem mãe, sem genealogia, a sua vida não tem começo nem fim; comparável sob todos os pontos ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre. Considerai, pois, quão grande é aquele a quem até o patriarca Abraão deu o dízimo dos seus mais ricos espólios. Os filhos de Levi, revestidos do sacerdócio, na qualidade de filhos de Abraão, têm por missão receber o dízimo legal do povo, isto é, de seus irmãos. Naquele caso, porém, foi um estrangeiro que recebeu os dízimos de Abraão e abençoou o detentor das promessas. Ora, é indiscutível: é o inferior que recebe a bênção do que é superior. […]
“Se a perfeição tivesse sido realizada pelo sacerdócio levítico (porque é sobre este que se funda a legislação dada ao povo), que necessidade havia ainda de que surgisse outro sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, e não segundo a ordem de Aarão? Pois, transferido o sacerdócio, forçoso é que se faça também a mudança da Lei. De fato, aquele ao qual se aplicam estas palavras é de outra tribo, da qual ninguém foi encarregado do serviço do altar.
“E é notório que nosso Senhor nasceu da tribo de Judá, tribo à qual Moisés de nada encarregou ao falar do sacerdócio. Isto se torna ainda mais evidente se se tem em conta que este outro sacerdote, que surge à semelhança de Melquisedec, foi constituído não por prescrição de uma Lei humana, mas pela sua imortalidade. Porque está escrito: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedec” (Hb 7,1-17).
Os hebreus da época de São Paulo tinham todas as premissas histórico-religiosas para entender seus ensinamentos. Ele lhes explica a supremacia do sacerdócio de Cristo sobre o de Aron, dado o valor sacrificial de sua humilhação e morte redentora. Mas por que o sacerdócio de Cristo seria “segundo a ordem de Melquisedec”? Não precisamente por causa da oferta de pão e vinho, mas por causa da eternidade do sacerdócio de Jesus, do qual Melquisedec era uma pré-figura, porque não tinha genealogia. Outra coisa a ser apontada e que surpreende, é que Abraão, com toda a transcendência que tem na cosmovisão judaico-cristã, se coloca em um papel inferior ao de Melquisedec, dando-lhe o dízimo e recebendo dele a bênção.
A oferenda de Melquisedec foi incruenta, o que a aproxima como pré-figura da celebração da missa. Sim, porque este oferecimento ritual de pão e vinho diz mais do que as outras figuras da Eucaristia, como o cordeiro pascal, o pão ázimo, o sangue nas portas dos israelitas ou o maná do deserto.
Os Padres da Igreja escreveram extensivamente sobre Melquisedec à luz dos ensinamentos paulinos. A Igreja presta-lhe uma insigne homenagem, citando-o no cânon nº 1 da Missa: ” Recebei, ó Pai, esta oferenda […] o Sacrifício que vos ofereceu vosso sumo sacerdote Melquisedeque, Sacrifício santo, Hóstia imaculada”.
A grandeza do rei de Salém que São Paulo canta em sua epístola é como um grão de areia diante da imensidão da realeza de Cristo, verdadeiro, eterno e único sacerdote da Nova Aliança que quis associar ao seu sacerdócio os ministros ordenados da Igreja, para que comemorassem e renovassem seu sacrifício redentor, transubstanciando os frutos do trigo e da videira no Corpo e Sangue do Senhor.
Que São Melquisedec interceda junto ao Coração Eucarístico de Jesus por todos os sacerdotes, para que sejam segundo o Sagrado Coração, e governem, ensinem e santifiquem com frutos os fiéis que lhes foram confiados.
Pe. Rafael Ibarguren, EP
(Publicado originalmente em www.opera-eucharistica.org)
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