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Nossos irmãos, esses injustiçados

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Comentários à Liturgia do XXX Domingo do Tempo Comum. Há quem, no contexto de amar a Deus e ao próximo, ignore o papel fundamental da vida consagrada na Igreja, alegando ser inútil a existência de comunidades que só seguem “regrinhas” e vivem “fechadas em si” …, mas isso não é o que a Igreja pensa.

Redação (24/10/2020 15:03, Gaudium Press) O Evangelho apresentado pela liturgia deste domingo é tão rico quanto sucinto.

Sobre esta passagem (Mt 22, 34-40), São Cirilo de Alexandria comenta: “O Primeiro Mandamento ensina todo tipo de piedade; o amar a Deus com todo o coração é a causa de todo bem. O segundo mandamento inclui as boas ações que fazemos em favor dos outros seres humanos. O primeiro prepara o caminho ao segundo, e por sua vez se apoia no segundo. Pois a pessoa que se assenta sobre o amor a Deus, claramente também ama seu próximo, em todos os aspectos, como a si mesmo”.[1]

Portanto, é preciso primeiro assentar-se sobre o amor de Deus, para, em consequência deste, amar ao próximo.

Como esse verdadeiro amor ao próximo se distancia das conotações filantrópicas dos nossos dias!

Em muitos ambientes, ditos católicos, o amor ao próximo está praticamente divorciado do amor a Deus. Insiste-se em trabalhar para a construção de um mundo melhor (na utopia de que todas as classes sociais se igualem), vencer a globalização da indiferença, lutar para que os todos os homens tenham um digno salário, acabar com as injustiças e desigualdades… Que é isso, senão o “rodapé” do amor ao próximo? E as almas, e a virtude e a instrução católica? Mais uma vez nos deparamos com aquela célebre afirmação de São Paulo: “Se eu gastasse todos os meus bens para sustento dos pobres, mas não tivesse caridade, isso de nada me serviria” (1Cor 12, 3).

Seguir regrinhas inúteis ou fazer a vontade de Deus?

E tem mais. Há quem, neste contexto de amar a Deus e ao próximo, ignore o papel fundamental da vida consagrada na Igreja, alegando ser inútil a existência de comunidades que só seguem “regrinhas” e vivem “fechadas em si”; e que, em consequência disto, não amariam o próximo de fato.

Diante dessa visão unilateral, tantas vezes difundida em nossos dias, surge certa inquietação: os religiosos fiéis à Regra não estarão sendo os verdadeiros pobres injustiçados? Heróis no anonimato, que tudo deixaram para seguir o caminho da perfeição cristã; almas virgens que voluntariamente se fizeram pobres, a fim de se enriquecerem com a Graça de Deus.

É, pois, da vontade de Deus que estes sigam as regras de suas congregações, e disto temos grande exemplo nos dizeres do Poverello de Assis em carta endereçada aos frades de sua ordem, então nascente: “Quaisquer dos frades que não quiserem observar estas coisas (a Regra e a recitação do Ofício Divino), não os tenho nem por católicos nem por meus irmãos; tampouco quero vê-los ou com eles falar até que façam penitência. Digo isto de todos os outros que andam vagando, desdenhando a disciplina da Regra; porque Nosso Senhor Jesus Cristo deu sua vida para não quebrantar a obediência de seu santíssimo Pai.”[2]

As obras de apostolado externo não são as mais importantes

Ademais, defender que alguém só ama a Deus quando se compromete a realizar obras sociais e apostolado externo contraria diretamente o ensinamento da Igreja, que sempre nutriu a importância de congregações destinadas à oração e à vida contemplativa. Assim nos ensina São João XXIII: “Apraz-nos afirmar que a Igreja – tendo embora em grande estima as tarefas de apostolado externo, tão necessárias em nossos dias – atribui maior importância à vida consagrada a Deus e devotada à contemplação das coisas celestes, e isso nesta mesma época de demasiada efervescência da atividade humana.”

Continua o Papa do Concílio Vaticano II: “O apostolado verdadeiro e propriamente dito consiste em participar da obra de salvação de Cristo, coisa que não é possível fazer senão pelo espírito de oração e de sacrifício, – já que foi principalmente espargindo suas orações diante do Pai e Se imolando a Si mesmo que o Salvador remiu o gênero humano agrilhoado e opresso pelos pecados. De onde resulta que quem se esforça por seguir esta via de Cristo Salvador, mesmo que se abstenha de atividade exterior, exerce o apostolado de maneira excelente.”[3]

Tenhamos, portanto, respeito e veneração pelos religiosos e religiosas que nos mais diversos lugares rezam e se sacrificam pela humanidade.

Amemos a estes nossos próximos, “imitadores do Senhor” (Cf. II Leitura, Ts 1, 6), homens e mulheres tão próximos de Deus.

Sigamos, enfim, a regra que não só se aplica aos religiosos: todo apostolado exterior é fruto da vida interior; todo amor ao próximo só pode partir do amor a Deus.

Por Afonso Costa


[1] CIRILO DE ALEXANDRIA, Fragmenta in Matthaeum. In: Matthäus-Kommentare aus der griechischen Kirche. Editado por J. Reuss. Berlin: Akademie-Verlag. 1957. TLG 2074.037. In: La Biblia Comentada por los Padres de la Iglesia y otros autores de la época patrística. Marcelo Merino Rodríguez (Diretor da obra em espanhol); Madrid: Ciudad Nueva. 2006. v. Ib. p. 201.

[2] FRANCISCO DE ASSIS, Cartas dirigidas ao Capítulo Geral e a todos os frades. Escritos completos de São Francisco de Assis e biografias de sua época. Madrid: B.A.C. 1956. III ed. p. 58-59.

[3] JOÃO XXIII, Da carta “Causa praeclara”, 24 de set. 1962 (AAS, vol. LIV, n. 10)

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