O surpreendente é que, nessa turba que caminha aprisionada, sob o jugo de um severo feitor, nós não somos apenas observadores, mas partes constituintes.
Redação (25/11/2021 14:22, Gaudium Press) Escravos caminham de cabeça baixa, acorrentados. Semblantes taciturnos. Expressão fechada. Costas encurvadas, parecem carregar sobre os ombros o peso da ignomínia e da opressão. Introspectivos, sequer ousam olhar para o companheiro de infortúnio que caminha ao seu lado, algemado à mesma corrente.
Tem-se a impressão de que, ao olharem uns para os outros, tomarão consciência de sua própria condição de prisioneiros, o que talvez prefiram ignorar, não ver, não acreditar, não questionar. As correntes da opressão só se quebram com a determinação da vontade, e a vontade própria é a primeira condição que a escravidão extirpa.
Sem dúvida estamos diante de uma cena grotesca, e com um pequeno exercício da imaginação, podemos praticamente visualizá-la. Talvez essa descrição se refira aos judeus, levados por Nabucodonosor ao cativeiro da Babilônia. Ou um grande contingente de homens e mulheres de alguma nação africana, brutalmente aprisionados, caminhando em direção ao temível navio negreiro que os levará para um continente desconhecido, onde serão comercializados.
Pode tratar-se também de guerreiros vencidos em uma batalha, levados como parte do espólio do exército vencedor, destinados a servir como escravos pelo resto de suas vidas. Ou talvez uma fila silenciosa, de pessoas amarguradas, que sofreram todos os maus-tratos a que pode um ser humano ser submetido nos terríveis campos de concentração, durante a Segunda Grande Guerra, e agora se dirigem a uma câmara de gás que dará cabo de suas vidas.
Poderíamos elencar ainda outras situações nas quais essa cena se encaixaria, em diversas épocas da história e, qualquer que fosse a circunstância, seria difícil não nos comovermos e nos sentirmos solidários com essas pobres criaturas, acorrentadas, circunspectas, privadas do maior dom dado por Deus ao homem, a liberdade. A escravidão, seja ela de que tipo for, é algo que sempre mexe com nossos brios, com os nossos sentimentos.
O surpreendente, meus caros, é que, nessa turba que caminha aprisionada, sob o jugo de um severo feitor, nós não somos apenas observadores, mas partes constituintes. Sim, eu falo de escravos, mas não estou na Idade Antiga, não estou num campo de batalha, num cativeiro épico, em terras africanas e nem tampouco em Auschwitz ou Sobibor.
Onde se encontram os escravos?
No meu campo de visão, não há gladiadores e nem uma arena romana com leões famintos. Ainda assim, para todos os lados que eu olhe, vejo prisioneiros. Eles estão por toda parte, olhando fixamente para baixo, sem falarem uns com os outros, como se mudos fossem, imantados pelo magnetismo de uma algema eletrônica chamada celular.
Eles estão nas ruas, nos ônibus, nos trens, até mesmo na direção de seus carros, dirigindo enquanto ouvem, leem e respondem mensagens, colocando em perigo a si mesmos e aos outros motoristas. Estão nas festas, nos pátios das escolas, nas reuniões de família, nos ambientes de trabalho, nas salas, nas cozinhas, nos quartos e até nos leitos dos hospitais.
Podemos encontrá-los nos restaurantes, sentados ao redor de uma mesa farta, cujo sabor do alimento só é experimentado pela quantidade de likes nas fotos dos pratos, postadas nas redes sociais. Não importa a quantidade de pessoas em uma mesa, se é um grupo, uma dupla de amigos ou um casal de namorados, quase invariavelmente, todos estarão ao celular. Juntos, porém separados. Cada um em um mundo à parte, falando com pessoas ausentes e perdendo a oportunidade de se relacionar com as pessoas presentes.
E se alguém não tiver ou não pegar o celular, ficará completamente isolado, como uma solitária ilha, cercada de Instagram, WhatsApp, Facebook, Youtube e Telegram por todos os lados.
A tecnologia é um problema?
Estou falando mal da tecnologia? Absolutamente. Graças à tecnologia eu uso este canal para escrever, e você, para ler o que eu escrevo. Graças à tecnologia, as comunicações foram dinamizadas, muitos trabalhos passaram a ser executados à distância, as operações bancárias foram facilitadas, muitas fontes de conhecimento ficaram acessíveis, e o que antes levava dias para se resolver, é solucionado com um simples clique.
O problema não é a tecnologia, mas a maneira submissa como nos sujeitamos a ela, deixando que ela penetre em todas as áreas da nossa vida, nos escravizando, nos limitando, tolhendo a nossa liberdade.
Hoje, as pessoas sabem alguma coisa sobre tudo, mas cada vez menos sabem tudo sobre alguma coisa. A velocidade estonteante com que as informações nos chegam e se sucedem umas às outras, impede que as retenhamos, que nos fixemos em alguma área de interesse e nela nos aprofundemos.
E a liberdade?
Com a dependência que desenvolvemos do celular, estamos lendo menos livros, dedicando menos tempo à oração, à saudável convivência com os familiares e com os amigos e até mesmo ao descanso necessário.
Nós ficamos satisfeitos em ter milhares, senão milhões de seguidores, mas não conseguimos seguir o único que deve ser seguido, Nosso Senhor Jesus Cristo, aquele que deu a vida para nos salvar. Porque não temos tempo para Ele. Não temos tempo para ir à Igreja, assistir uma Missa, fazer uma confissão, visitar um doente, praticar uma obra de caridade, ficar em silêncio, interagir com o mundo real.
Hoje, nós podemos ter amigos e conversar com pessoas que moram do outro lado do mundo, mas somos incapazes de manter uma conversa que dure mais de cinco minutos com uma pessoa que está ao nosso lado sem pegar o bendito celular.
Sabemos de tudo o que acontece no mundo, mas, muitas vezes, não sabemos o que acontece na nossa própria casa, no nosso bairro e, pior, já não sabemos o que acontece dentro de nós, porque não temos tempo para ficar sozinhos.
Muitos dormem com o celular na mesinha de cabeceira e, ao acordar, antes de agradecer a Deus pela dádiva de mais um dia ou dar bom dia a quem dormiu ao seu lado, antes mesmo de se levantar, já estão olhando o celular para ver se chegaram mensagens.
Assim, voltemos para a nossa cena inicial e coloquemos os nossos rostos nos escravos que caminham de cabeça baixa, acorrentados. Semblantes taciturnos. Expressão fechada. Costas encurvadas, parecendo carregar sobre os ombros o peso da ignomínia e da opressão. E, olhando para a imagem ao lado e nos lembrando dos “antigos” aparelhos de telefone fixos, somos obrigados a concordar que, realmente, quando o telefone estava preso a um fio, os seres humanos eram livres.
Por Isa Oliveira
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