Henrique VIII declarou a igreja da Inglaterra separada de Roma, chamando para si a suprema autoridade também na esfera eclesiástica, adquirindo o domínio pleno e absoluto sobre todo o país.
Redação (02/06/2025 20:11, Gaudium Press) No século XVI, o Rei Henrique VIII revoltou-se contra a Igreja, levando para o cisma uma nação que outrora se chamava “Ilha dos Santos”.
Feudalismo inglês
A respeito desse terrível acontecimento, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira teceu comentários que a seguir sintetizamos.
Na Idade Média, havia a monarquia orgânica baseada no princípio da subsidiariedade, segundo o qual cada corpo social deve tirar de si mesmo a solução de seus respectivos problemas, sendo apoiado pelo corpo superior apenas na medida em que não for capaz de resolver suas dificuldades.
Os grandes só intervinham na existência dos pequenos para remediar as violações da Lei de Deus e dos princípios da Civilização cristã, ou para sustentá-los quando por si mesmos não podiam fazê-lo.
Acima dessa cadeia de subsidiariedades estava o rei, que exercia o mesmo princípio em relação a todos os seus menores. Ele era o mantenedor de todas as autonomias e liberdades, como também o coordenador e o estimulador de todas as atividades gerais de seu reino.
Entre essas autonomias, a maior e mais notável era a da Igreja. E quando se trata da Esposa Mística de Cristo não se pode falar em autonomia, mas de soberania. A Igreja é uma entidade soberana tanto quanto o Estado e, na sua esfera própria, não pode absolutamente ser governada pelo rei.
Ora, com a decadência da Idade Média, os reis começaram a se tornar absolutos, eliminando todas as autonomias inferiores, jogando-se particularmente contra a soberania da Igreja, transformando-a em instrumento para o governo da nação.
Seguindo essa tendência, Henrique VIII declarou a igreja da Inglaterra separada de Roma, chamando para si a suprema autoridade também na esfera eclesiástica, adquirindo o domínio pleno e absoluto sobre todo o país.
Esse foi o fato trágico que se passou na Inglaterra no século XVI.
Antes de Henrique VIII, a Inglaterra era um dos baluartes da Igreja Católica. Em toda a vida intelectual, artística, política e social, a influência dos princípios católicos era profunda. O número de Santos nascidos em território inglês foi tão grande que a Inglaterra chegou a chamar-se a “Ilha dos Santos”.
“O feudalismo inglês, modelo admirável de inteligência administrativa, foi quiçá o mais perfeito regime político da Europa medieval”.[1]
Sensualidade e orgulho
Henrique VIII tornou-se rei em 1509, aos 19 anos de idade. Casara-se com Catarina de Aragão, viúva de seu irmão Artur Tudor, filha dos Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, e tia do Imperador Carlos V.
Tiveram cinco filhos, mas apenas sobreviveu Maria Tudor que foi Rainha da Inglaterra, em 1553, e desposou o Rei da Espanha Felipe II.
Interpretando o sentimento católico do povo inglês, Henrique escreveu uma obra de refutação do protestantismo, e o Papa Leão X outorgou-lhe o honroso título de “Defensor da Fé”.
Entretanto, movido pela sensualidade, ele quis anular seu casamento e unir-se com outra mulher. Através de polpudos “donativos”, conseguiu apoio de bispos e universidades para realizar seu objetivo. Em 1531, expulsou Catarina de Aragão da corte e os aposentos que ela ocupava foram entregues a sua dama de honra Ana Bolena.
Não tendo obtido aprovação de Roma para seu infame projeto, Henrique VIII, impulsionado pelo orgulho, fundou uma Igreja independente de Roma, da qual ele era o chefe supremo.
Decadência do clero
Excomungado por Paulo III, em 1534, ordenou violenta perseguição contra os que lhe fizessem resistência. Os católicos que não o reconhecessem como chefe da Igreja eram enforcados e esquartejados.
Entre as grandes personalidades que ele mandou matar, encontram-se São João Fisher, Bispo de Rochester nomeado cardeal, e São Tomás Morus que fora chanceler do reino.
Suprimiu 645 mosteiros, 90 colégios, 2.374 capelas e 110 hospitais. Apoderou-se de terras e outros bens da Igreja.
Chegou até mesmo a mandar retirar do túmulo as relíquias de São Tomás Becket (1118-1170), onde era muito venerado, dizendo que ele praticara alta traição ao se opor ao seu rei.
“A Revolução efetuada por Henrique VIII foi o estabelecimento entre os povos cristãos da mais monstruosa tirania.”[2]
Grande era a decadência do clero. Em 1530, dos 21 bispos do país apenas quatro residiam em suas dioceses; os outros, na corte…. Os abades eram nomeados pelo rei.
Leão X conferiu ao Cardeal Thomas Wolsey, arcebispo de York e chanceler do reino, o cargo de legado pontifício na Inglaterra. Totalmente submisso a Henrique VIII, levava uma vida mundana e mantinha em seu palácio uma concubina.
Condenado pelo rei, caminhando rumo à prisão ele disse: “Se eu tivesse servido a Deus com a mesma diligência com que servi ao rei, Ele não me teria abandonado na velhice”.[3]
Habitantes na miséria e mendicidade
Em 1536, morreu Catarina de Aragão. E Bolena se julgou rainha da Inglaterra. Três meses depois ela foi decapitada sob a tríplice acusação de traição, adultério e incesto.
Henrique VIII teve mais quatro “esposas”: Joana Seymour, Ana de Clèves, repudiada poucas semanas depois, Catarina Howard, morta por ser adúltera, e a viúva Catarina Parr que sobreviveu ao sanguinário monarca.
Nos últimos anos de sua vida, Henrique VIII ficou com tal obesidade que só conseguia andar com auxílio de outra pessoa. Um quadro de Holbein o representa gordo, exibindo “uma crueldade fria, comandada pelo orgulho e pela sensualidade”.[4]
Atingido por uma úlcera cancerígena, caiu de cama e ninguém o advertia sobre o risco de perder a vida porque poderia ser punido …
Deixando enorme quantidade de condenações à morte que não teve tempo de assinar, faleceu em janeiro de 1547, com 56 anos de idade.
Ele foi “o mais injusto, o mais vil e o mais sanguinário dos tiranos que afligiram a Inglaterra. Este país que, no início de seu governo, era pacífico, unido e feliz, ele o deixou dilacerado por facções e cismas; seus habitantes estavam mergulhados na miséria e mendicidade”.[5]
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O fim da Idade Média inglesa. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano II, n.19 (outubro 1999), p.29; O cisma da Inglaterra. Ano VI, n.64 (julho 2003), p. 16-17
[2] DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1884, v. 33, p. 390.
[3] DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja da Renascença e da Reforma (I). São Paulo: Quadrante. 1996, v. IV, p. 443.
[4] Idem, ibidem. p. 456.
[5] ROHRBACHER, René-François. Histoire universelle de l’Église Catholique. Paris: Gaume Frères, 1852, v. 23, p. 403.
The post O tirano sanguinário appeared first on Gaudium Press.