fonte: apologistas católicos
INTRODUÇÃO
A Igreja é uma instituição independente do Estado, sendo esta independência proposta pelo próprio Cristo (cf. Mt 22,21). No entanto, como é dever de todo cristão cooperar com uma sociedade mais justa, a Igreja coopera com o Estado através de sua Doutrina Social da qual todo católico é obrigado a seguir.
Com o advento do século XXI, alguns movimentos sociais exigiram que o conceito civil de matrimônio fosse remodelado com o intuito de abranger também as uniões homossexuais. A Igreja não se omitiu nesta questão, lembrando o dever de todos os católicos de lutar contra estes projetos: «Se todos os fiéis são obrigados a opor-se ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, os políticos católicos são-no de modo especial, na linha da responsabilidade que lhes é própria.» [1].
Em todos os países padres, bispos e cardeais se manifestaram contra a aprovação destes projetos, tendo destaque as manifestações públicas de Jorge Maria Bergoglio (Papa Francisco) na Argentina. O então arcebispo de Buenos Aires, uma semana da aprovação do projeto em seu país, escreveu uma carta criticando duramente a iniciativa: «Não sejamos ingênuos: não se trata de uma simples luta política; é a pretensão destrutiva ao plano de Deus. Não se trata de um mero projeto legislativo (este é apenas o instrumento), mas sim de uma (…) mentira que pretende confundir e enganar os filhos de Deus»[2], dizia a carta.
Mas, será que a base da Igreja para ser contra a aprovação desse tipo de projeto é meramente religiosa? Em que se baseia a posição da Igreja a respeito do reconhecimento das uniões civis homossexuais?
CONCEITO CIVIL DE “CASAMENTO”
Juridicamente, «casamento» é o contrato civil que institucionaliza uma nova entidade familiar. Logo, para alterar o conceito de casamento é necessário alterar o conceito de família. A partir do momento que você equipara o núcleo homoafetivo à entidade familiar você admite também a adoção de crianças por “casais” homossexuais (já que o pré-requisito para adoção é que o núcleo se configure enquanto família).
Mas afinal, há algum problema nisto? Porque não permitir que os homossexuais possam adotar crianças?
O PROBLEMA DA ADOÇÃO HOMOSSEXUAL
Ao analisar a questão da adoção de crianças por “casais” homossexuais, o Vaticano concluiu que tal adoção «cria obstáculos ao desenvolvimento normal das crianças eventualmente inseridas no interior dessas uniões. (…) Inserir crianças nas uniões homossexuais através da adopção significa, na realidade, praticar a violência sobre essas crianças, no sentido que se aproveita do seu estado de fraqueza para introduzi-las em ambientes que não favorecem o seu pleno desenvolvimento humano. Não há dúvida que uma tal prática seria gravemente imoral e pôr-se-ia em aberta contradição com o princípio reconhecido também pela Convenção internacional da ONU sobre os direitos da criança, segundo o qual, o interesse superior a tutelar é sempre o da criança, que é a parte mais fraca e indefesa.» [3].
Perceba que o argumento do Vaticano gira em torno da garantia ao direito das crianças ao «desenvolvimento integral» e não em fundamentos bíblicos. Essa linguagem é comum aos ordenamentos jurídicos de vários países porque para que qualquer união seja considerada «entidade familiar» (e consequentemente tenha o direito à adoção) é necessário que ela possa proporcionar à criança um «ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.» (cf. Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 19).
É por isso que o atual entendimento jurídico não aceita a equiparação das uniões poliafetivas enquanto «entidade familiar», pois entende-se que tal meio não é propício para o desenvolvimento sadio e integral da Pessoa Humana, em oposição aos modelos naturais de família, preservados no art. 226 Constituição Federal Brasileira.
Em que se sustenta então, a tese de que crianças criadas em meio homoafetivo terão seu desenvolvimento integral prejudicado? Sustenta-se em resoluções de colégios de pediatria, pesquisas sociais relativas à psicologia infantil e à teoria freudiana da psicanálise. Segue algumas delas:
1. AMERICAN COLLEGE OF PEDIATRICIANS: A Academia Americana de Pediatras (em inglês “American College of Pediatricians”) condenou a adoção homossexual como sendo prejudicial à saúde psicológica e emocional das crianças. A instituição foi inclusive na Suprema Corte dos Estados Unidos para combater a introdução da adoção homossexual em seu país, onde, atuando como amicus curiae, enviou um relatório onde analisa algumas pesquisas que abordam o tema e ressalta os graves prejuízos ao desenvolvimento infantil [4].
2. TEORIA FREUDIANA DA FÁLICA EDIPIANA: Segundo Freud toda criança passa por uma fase chamada fálica edipiana (ou “Complexo de Édipo”). Nesta fase, que ocorre por volta dos quatro anos, a criança descobre seu sexo e percebe que é parecida com um dos pais e deseja o outro. Assim a menina nota que é igual a mãe e deseja o pai e o menino nota que é igual ao pai e deseja a mãe. Isso levou Freud a concluir que toda criança precisa de um referencial masculino e feminino. O resultado da adoção homossexual, por sua vez, seria catastrófico para o desenvolvimento psicológico natural da criança pois tendo duas mães ou dois pais confundir-se-ia em saber qual referencial ser e qual desejar.
3. PESQUISA DO SOCIÓLOGO MEXICANO FERNANDO PLIEGO: O sociólogo mexicano Fernando Pliego resolveu examinar uma série de estudos técnicos para tentar entender se as atuais estruturas múltiplas de “família” produzem o mesmo nível de bem-estar para os seus membros e para a sociedade. Ele reuniu abrangentes estudos sobre a composição familiar realizados em 13 países democráticos espalhados pelos cinco continentes. Pliego encontrou ao todo 351 estudos, todos alicerçados em censos, pesquisas nacionais e estudos científicos de no mínimo 800 casos familiares para comparar as diferentes estruturas de família. O material examinado por ele continha 3.318 análises estatísticas de dados sobre a saúde, a educação, a pobreza, o acesso a serviços básicos, a violência familiar, a violência sexual, os índices de suicídio e de dependência química, entre outros indicadores que comparavam a realidade encontrada nas várias estruturas familiares em questão.
Esses estudos, realizados em 13 países diferentes, de cinco continentes diferentes, apresentaram resultados que são surpreendentemente semelhantes e coerentes entre si. Quase todos os estudos demonstram que, quando o pai e a mãe vivem juntos com seus filhos naturais e/ou adotados, os benefícios para a família são notavelmente superiores. Os membros dessas famílias tradicionais gozam de melhor saúde física, sofrem menos doenças mentais, têm maior renda e conseguem empregos mais estáveis. Esses pais e seus filhos têm melhores condições de moradia, desfrutam de relacionamentos mais amorosos e mais cooperativos e protagonizam menos casos de violência física ou sexual. Além disso, quando os laços entre os pais e os filhos são mais positivos, a incidência do uso de drogas, álcool e tabaco é menor, as crianças são mais sociáveis e mais cooperativas, cometem menos delitos e apresentam um desempenho melhor na escola.
Pliego concluiu que a família natural se mostra muito superior às outras formas de organização familiar em termos de realização pessoal dos seus membros. Dos 351 estudos que ele analisou, 89,4 por cento concluíram que as famílias tradicionais produzem um nível mais elevado de bem-estar do que os outros tipos de família. Apenas um em cada dez estudos afirmava que todas as estruturas familiares produzem resultados semelhantes. E apenas uma fração insignificante dos estudos, de menos de 1 por cento, concluiu que outras estruturas “familiares” produzem um resultado geral melhor do que a família natural. No conjunto dos estudos analisados, portanto, as ciências sociais demonstraram com clareza que a família natural é superior a todas as outras formas de agregação familiar.
Seu estudo pode ser lido em PDF online no site:«http://biblioteca.diputados.gob.mx/janium/bv/md/LXII/tip_fam_niad.pdf»
4. PESQUISA DO SOCIÓLOGO AMERICANO MARK REGNERUS: Talvez essa tenha sido a pesquisa com maior repercussão e que gerou a maior polêmica. O Professor de Sociologia da Universidade de Austin no Texas, Mark Regnerus, analisou vários modelos de “família”, publicando seu estudo na revista americana “Social Science Research”. Sua conclusão, entretanto, foi que as crianças criadas em “famílias” homossexuais «são mais susceptíveis de 1) reportarem estar sem emprego, 2) serem menos saudáveis, 3) serem mais deprimidos, 4) terem traído o/a esposo/a ou o/a parceiro/a, 5) fumar, 6) ingerir drogas, 7) terem tido problemas com a lei” do que as crianças de famílias tradicionais pai-mãe» [5]. Como seu estudo foi polêmico, Regnerus posteriormente escreveu outro artigo refutando as críticas que lhe foram feitas [6], tudo disponibilizado em seu site.
5. PESQUISA DO SOCIÓLOGO AMERICANO PAUL SULLINS: Outro estudo, onde foram analisadas 512 crianças com “pais” do mesmo sexo, retirados de um conjunto de mais de 207 mil entrevistados que participaram do National Health Interview Survey (NHIS) em algum momento entre 1997 e 2013, o Professor de Sociologia da CUA (Catholic University of America), Donald Paul Sullins, constatou que «aos 28 anos, os adultos criados por pais do mesmo sexo estavam em mais de duas vezes com risco de depressão do que pessoas criadas por pais homem e mulher» [7]. Provavelmente em consequência da depressão, as pesquisas de Sullins também constataram maiores taxas de suicídio, ansiedade e obesidade entre crianças criadas por duplas homossexuais [8].
6. PESQUISA DO DR. DOUGLAS W. ALLEN: A pesquisa de Allen, professor da Simon Fraser University (SFU), constatou também que os prejuízos psicológicos que ocorrem em crianças criadas em meios homossexuais também refletem em prejuízos acadêmicos, possuindo estas crianças notas muito inferiores em comparação aos criados em famílias tradicionais [9].
Ora, prejudicando o desenvolvimento das crianças estaremos prejudicando o desenvolvimento de toda a sociedade, pois destruiremos a sua célula mais básica: a família. Como dizia o escritor e poeta Victor Hugo: “Toda a doutrina social que visa destruir a família é má, e para mais inaplicável. Quando se decompõe uma sociedade, o que se acha como resíduo final não é o indivíduo mas sim a família.”. Percebe-se, portanto, que a alteração do conceito de família e a admissão da adoção por “casais” homossexuais, traz sérios malefícios não só à Dignidade da Pessoa Humana inerente às crianças que terão seus direitos violados, mas também à toda a sociedade.
No tocante a este assunto basta. Ainda há, no entanto, de se responder a objeção mais comum referente ao tema: «Então vocês católicos preferem que as crianças morem em terríveis orfanatos do que com dois homens ou duas mulheres?”»- Ora, quem pensa desta forma comete graves erros: 1) Em primeiro lugar, tal pensamento despreza que a função social do sistema de adoção que não é simplesmente “se livrar” da criança, mas encontrar um «ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.» (cf. Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 19). 2) Haja vista a finalidade do sistema de adoção, ainda hoje, não é qualquer casal que pode adotar (como falamos mais acima, temos o exemplo claro das pessoas de união poliafetiva ou qualquer outro casal que, após ser analisado, a Assistência Social entenda que trará prejuízos à saúde psicológica da criança). 3) Não se pode abrir mão do direitos da criança e do adolescente, para suprir uma carência estatal. 4) Quem sustenta esta objeção não se deu o mínimo trabalho de pesquisar os dados acerca do sistema de adoção no Brasil, onde há muito mais casais que aguardam anos na fila de adoção do que crianças disponíveis para serem adotadas. São cerca de 5.500 crianças disponíveis para adoção no Brasil, e mais de 31 mil pessoas ou casais interessados em adotar [10].
O PRINCÍPIO DA ISONOMIA
“Isonomia” é o princípio que assegura igualdade jurídica, econômica e social que o Estado deve garantir a todos os seus cidadãos. Alguns ativistas questionam os católicos baseados justamente neste argumento: “Porque os homossexuais são privados de casar-se? Isso não fere o princípio democrático da isonomia?”. Nossa resposta é simples: A lei do casamento é igual para todos e todos podem contrair matrimônio, entretanto, juridicamente só existe um modelo de casamento: a união de um homem e uma mulher. Um homossexual pode, baseado justamente no princípio da isonomia, casar-se (só que como o conceito de casamento, abrange apenas a união com uma pessoa do sexo oposto, limitar-se-ia ao casamento com uma mulher).
A QUESTÃO PATRIMONIAL
Alguns ativistas da causa gay também contrapõem os argumentos dos políticos católicos com base na questão patrimonial. Eles objetam que o casamento gay deve ser legalizado para que, quando um homossexual morrer, seu parceiro possa ter direito ao seu patrimônio, como se fosse sua esposa.
Quem argumenta desta forma, esquece-se que quase todos os benefícios de um matrimônio a nível de heranças, transmissão de bens, propriedades compartilhadas, etc., podem ser regulados por duas pessoas, ou mais, com acordos legais, independentemente de que tenham relações sexuais. De fato os poucos pares homossexuais realmente interessados nesses temas já estabeleceram acordos entre si. Não é preciso distorcer o significado de família ou abrir mão dos direitos das crianças e dos adolescentes para simplesmente suprir isto.
NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
No Brasil, a Constituição de 1988 definiu apenas dois modelos familiares:
Art. 226. “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
3º: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
4º: Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”
Como a maioria da população brasileira é contrária ao casamento homossexual [11], os movimentos simpatizantes desta causa utilizaram o STF como um “atalho fácil” para conseguir aprovar sua bandeira sem ter que passar pelo Congresso Nacional. Usurpando da competência legislativa, o STF entendeu que o art. 226 poderia ser interpretado com um significado mais plural, legalizando o casamento e adoção homossexual em 2011. E foi através deste golpe que o “casamento gay” foi introduzido no Brasil.
CONCLUSÃO
A Igreja se posiciona contrária ao casamento civil homossexual não devido a fanatismo religioso já que ela respeita a laicidade dos Estados Nacionais, mas devido a luta pela garantia dos direitos da criança e do adolescente. É dever, portanto, de todo católico lutar para que projetos como o «Estatuto da Família» (PL 6583/13) sejam aprovados e impedir o progresso de projetos que desvalorizem a entidade familiar.
FONTES
[1] CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ, Considerações sobre os projectos De reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 10, disponível em: «http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20030731_homosexual-unions_po.html»
[2] http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/03/130315_bergoglio_kirchner_pai
[3] CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ, Considerações sobre os projectos De reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 7, disponível em: «http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20030731_homosexual-unions_po.html»
[4] Este relatório está disponível online em: «https://www.supremecourt.gov/ObergefellHodges/AmicusBriefs/14-556_American_College_of_Pediatricians.pdf»
[5] Regnerus posteriormente disponibilizou seu estudo no site: «http://www.markregnerus.com/uploads/4/0/6/5/4065759/regnerus_july_2012_ssr.pdf»
[6] Novamente, o autor disponibilizou seu artigo em PDF no site: «http://www.markregnerus.com/uploads/4/0/6/5/4065759/regnerus_response_to_critics_in_nov_2012_ssr.pdf»
[7] «https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4903140/»
[8] «https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4903140/»
[9] Pesquisa disponível em «http://www.sfu.ca/~allen/REHAllen.pdf»
[11] «http://oglobo.globo.com/brasil/maior-parte-dos-brasileiros-contra-casamento-gay-aborto-legalizacao-da-maconha-13821047»