Comentários à liturgia deste XXV Domingo do Tempo Comum. Companheira indissociável da tristeza, do abatimento e do desânimo, a inveja é um mal tanto maior quanto menor for o amor e a gratidão devotados a Deus.
Redação (19/09/2020 10:56, Gaudium Press) Há muita gente que afirma: “A grama do vizinho é sempre mais verde”, e só muito tempo depois se dá conta que “era feliz e não sabia” ou que “tem coisas para as quais só dá valor quando perde”.
Talvez uma das maiores dificuldades do ser humano seja de se contentar com aquilo que tem, sem invejar o que os outros têm.
Falamos em bens materiais? Não somente.
Embora o dinheiro seja deus para muitos, ele nunca poderá satisfazer a sede de infinito que cada um leva na alma.
Com muita razão Henrik Ibsen afirmava: “O dinheiro pode ser a casca de todas as coisas, mas não o cerne. Traz-nos o alimento, mas não o apetite; o médico, mas não a saúde; relações, mas não amigos; servidores, mas não o devotamento; momentos de alegria, mas não a paz de alma, nem a felicidade”.
Ora, se é verdade que a fortuna alheia é alvo fácil de inveja, constatamos tristemente que qualidades, vantagens, dons, habilidades e até graças alheias também o são.
“Por que ele tem isso e eu não tenho?” – indagação típica de uma alma invejosa.
A Liturgia deste XXV Domingo do Tempo Comum tem muito a nos ensinar sobre esse assunto.
Misericórdia indizível, da qual só Deus é capaz
No salmo responsorial (Sl 144) encontramos o canto de uma alma que experimentou a bondade de Deus, e não deseja senão engrandecê-lo e retribuir amorosamente os favores d’Ele recebidos:
Todos os dias haverei de bendizer-vos, hei de louvar o vosso nome para sempre. (…) Misericórdia e piedade é o Senhor, ele é amor, é paciência, é compaixão. O Senhor é muito bom para com todos, sua ternura abraça toda criatura.
Nestes versículos transparece a universalidade do Amor de Deus. Somente Ele é capaz de amar individualmente a cada pessoa, sem exceção de uma sequer. Todos nós podemos nos beneficiar da compaixão indizível de Deus, desde que não a rejeitemos, e isto deve redundar em gratidão a Ele de nossa parte.
Justiça que não falta a ninguém
Continua o Salmo:
É justo o Senhor em seus caminhos, é santo em toda obra que Ele faz
Ninguém pode acusar a Deus de ter sido injusto para consigo. Ele sempre concede a todos o suficiente para a própria santificação e salvação eterna.
A primeira leitura, de Isaías (55, 6-9), vem sublinhar este santo empenho de Deus em salvar a todos, inclusive os injustos e ímpios:
Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado; invocai-o, enquanto ele está perto. Abandone o ímpio seu caminho, e o homem injusto, suas maquinações; volte para o Senhor que terá piedade dele, volte para nosso Deus, que é generoso no perdão.
Se Deus assim age com os maus, o que não fará pelos que desejam sinceramente trilhar o caminho da virtude?
Argumentar-se-á: “Mas nem sempre Deus dá tudo o que precisamos; mesmo os homens bons sofrem privações.”
Sempre houve e haverá quem passe por privações. A bem dizer, todos nós passamos, em algum momento, por necessidades. Todavia, mesmo essas ocasiões são permitidas por Deus para nosso proveito espiritual.
Benefícios iguais, ou melhor, desiguais: por quê?
No Evangelho (Mt 20, 1-16), temos a parábola dos operários da vinha. Cinco grupos de homens contratados em horários diferentes – de madrugada, às nove, ao meio-dia, às três e às cinco da tarde – e que recebem idêntico pagamento no fim do dia.
Ao perceberem o benefício concedido àqueles que poucas horas trabalharam, os operários contratados por primeiro resmungam:
“Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o calor e o cansaço o dia inteiro”.
Ao que o patrão responde:
“Amigo, eu não fui injusto contigo. Não combinamos uma moeda de prata? Toma o que é teu e volta para casa! Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja, porque estou sendo bom?
Talvez um dos elementos mais difíceis de o homem compreender no relacionamento com Deus seja a desigualdade com que Ele trata suas criaturas. Embora todos os homens recebam o justo e suficiente para se salvarem, a cada um Deus trata de forma distinta, concedendo privilégios e benefícios segundo sua vontade.
Desde meras qualidades naturais até dons espirituais elevadíssimos, cada um possuirá o que lhe é reservado e querido por Deus. E nós, diante das superioridades alheias, poderemos tomar duas posições: inveja ou admiração.
A inveja, “cárie dos ossos”, como afirma o Livro dos Provérbios (14, 30), além de trazer frustração e tristeza, será seguida de muitos outros pecados: intriga, ódio, difamação, murmuração, calúnia… Segundo o renomado teólogo dominicano Pe. Royo Marín, a inveja “é um dos pecados mais vis e repugnantes que se possa cometer” .
Ao contrário, a admiração sempre será acompanhada pela paz de alma, tranquilidade e alegria pelo bem do próximo. Ademais, Deus olhará com agrado às almas admirativas e despretensiosas, concedendo-lhes benefícios iguais e talvez superiores àqueles que estas souberam admirar nos outros.
Saibamos, então, agradecer filialmente a Deus por tudo o que temos (ou que não temos), sem inveja ou rancor pelo bem alheio, pois das mãos de Deus virá o que nos for conveniente para cumprir com sua divina vontade.
Por Afonso Costa
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