Santa Inês, cuja memória hoje, dia 21 de janeiro, celebramos, não teria podido morrer corporalmente por Deus sem antes estar espiritualmente morta para os desejos da terra.
Redação (21/01/2024 08:31, Gaudium Press) Assim como a morte destrói o corpo, o amor à vida eterna extingue a paixão pelas coisas corporais e torna como que insensível aos desejos da terra a pessoa a quem ele toma por inteiro.
Santa Inês não teria podido morrer corporalmente por Deus sem antes estar espiritualmente morta para os desejos da terra. Elevada aos píncaros da virtude, sua alma desprezou os tormentos e calcou aos pés as recompensas.
Foi conduzida à presença de reis e de governadores rodeados de soldados, porém, permaneceu firme, mais resistente que os verdugos, superior mesmo a quem a julgava. E nós, adultos cheios de fraqueza, que vemos mocinhas caminharem para o Reino dos Céus por meio da espada, que diremos, face a tais exemplos, nós que nos deixamos dominar pela cólera, inflar de orgulho, perturbar pela ambição e enxovalhar pela luxúria?
Se não fomos chamados a conquistar o Reino dos Céus por meio de lutas e perseguições, sintamos ao menos vergonha por não querer seguir a Deus em tempo de paz. Nos dias atuais, Deus não nos diz “Morra por Mim”; mas apenas: “Faça morrer em você os desejos proibidos”. Se não conseguimos dominar os anseios da carne nos tempos de paz, como poderemos sacrificar ao Senhor essa mesma carne no momento da guerra?
Bons e maus estamos juntos nesta vida
O Reino dos Céus assemelha-se também a uma rede que, jogada ao mar, recolhe peixes de todas as espécies. Quando está repleta, os pescadores puxam-na para a margem, onde recolhem os bons em cestos e jogam fora os maus. […]
Nesta vida, estamos todos agrupados nas malhas da Fé, como um conjunto de peixes ainda não triados. Na margem, porém, se revelará a índole do que foi arrastado pela rede, isto é, pela Santa Igreja. Diferentemente destes animais, que não podem mudar depois de terem sido apanhados, nós fomos pescados maus, mas nesta rede nos tornamos bons. Reflitamos, portanto, enquanto estejamos nela, para evitar sermos rejeitados ao chegarmos à terra firme.
Considerai quanto vos agrada a festa de hoje, a ponto de que se algum de vós fosse proibido de participar dela sentir-se-ia muito triste. Então como ficarão, naquele dia, os que forem arrastados para fora da vista do Juiz, separados da companhia dos eleitos e, tendo sido mergulhados nas trevas, torturados pelo fogo eterno?
Para aprofundar brevemente nesta comparação, o Senhor acrescenta: “Assim será no fim do mundo: os Anjos separarão os maus do meio dos justos e os arrojarão na fornalha, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 13, 49-50). Eis aqui, irmãos caríssimos, palavras que precisamos temer mais do que explicar. Os tormentos dos pecadores são claramente enunciados para que ninguém tome como pretexto sua ignorância, como se o tema lhe tivesse sido exposto de forma obscura. […]
Amar o Reino, temer o castigo
O Senhor terminou seu discurso precisamente por onde começara. Havia Ele afirmado de início que o Reino era semelhante a um tesouro escondido e a uma pérola preciosa; depois descreveu as penas do inferno, a propósito dos tormentos que ali sofrem os condenados; e acrescentou, para encerrar: “Por isso, todo escriba instruído nas coisas do Reino dos Céus é comparado a um pai de família que tira de seu tesouro coisas novas e velhas” (Mt 13, 52).
É como se Ele dissesse claramente: “Na Santa Igreja, o pregador instruído é aquele que sabe exprimir coisas novas, falando da doçura da morada celestial, e ao mesmo tempo expor coisas antigas, dissertando sobre o medo dos castigos, para que pelo menos os tormentos atemorizem aqueles que as recompensas não atraem”.
Ouçamos o que nos é dito sobre o Céu para amá-lo; escutemos o que se nos ensina sobre o suplício para temê-lo, a fim de que, caso não seja suficiente o amor para arrastar ao Reino uma alma entorpecida e por demais apegada à terra, ao menos pelo temor seja ela para lá conduzida.
Eis como o Senhor fala da geena: “Ali haverá choro e ranger de dentes”. Lá, eternas lamentações sucederão aos deleites de agora. Portanto, irmãos caríssimos, se temeis ter de chorar então, fugi agora da vã alegria. Pois é de fato impossível regozijar-se hoje com o mundo e reinar com o Senhor naquele dia. Refreai, pois, as ondas da felicidade efêmera, dominai inteiramente os prazeres da carne.
Que o pensamento do fogo eterno vos torne amargo tudo quanto vos agrada neste mundo. Pela severa regra de vida que convém a homens adultos, reprimi os pueris divertimentos aos quais vos entregais, de modo que, fugindo das coisas transitórias, possais chegar sem dificuldades às eternas alegrias, com o auxílio de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Excertos de: SÃO GREGÓRIO MAGNO. Homilias sobre os Evangelhos. Homilia XI, pronunciada na Basílica de Santa Inês no dia de sua festa: PL 76, 1114-1118
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 217, janeiro 2020.
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