As telas têm um duplo efeito negativo sobre as crianças: o conteúdo que elas veem e, acima de tudo, o que elas deixam de fazer porque passam o tempo nelas.
Redação (11/03/2024 14:17, Gaudium Press) Quando ouvimos a frase de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Deixai vir a Mim estas criancinhas”, vemos expresso o singular amor por elas durante sua vida mortal. Por essa razão, o Papa São Pio X, em 8 de agosto de 1910, estabeleceu, pelo Decreto “Quam Singulari“, que elas poderiam ser admitidas à Primeira Comunhão a partir dos sete anos de idade.
O evangelista São Marcos (10, 13-14) transmite a complacência de Jesus para com as mães que levavam seus filhos para que Ele impusesse as mãos, os abençoasse e os abraçasse. Mas os seus discípulos, contaminados com a mentalidade ambientalista da época, os afastavam. Diante disso, Jesus “zangou-se”, corrigindo a atitude errada com palavras severas: “não as impeçais, porque o Reino dos Céus é para aqueles que se lhes assemelham”.
Vemos essa inocência das crianças ainda hoje no convívio com elas: sua alegria e imaginação, sua felicidade de vida. Infelizmente, este decadente mundo moderno vem esmagando o maravilhoso que elas admiram.
Ao despertarem para o uso da razão, as crianças se deparam com uma coisa ou outra que as deixa extasiadas, e acrescentam aos objetos algo que não têm. Elas são introduzidas, fascinadas, em um mundo de maravilhas que, infelizmente, está deixando de existir. Seja uma girafa com seu pescoço alto, um beija-flor em seu voo elegante e ágil, uma simples formiga carregando uma folha, várias vezes maior que ela, ou uma borboleta com cores especiais; somente a criança – nos dias paganizados em que vivemos – mantém o seu encantamento indo além do concreto-concreto.
O fato é que as crianças têm uma capacidade imaginativa diante do entretenimento. Em sua plasticidade mental, por exemplo, quando brincam com um bichinho de pelúcia, transforma-o em uma brincadeira simbólica, chegando a torná-lo seu amigo. Se ele representa um animalzinho, digamos um ursinho, elas cuidam dele, alimentam-no, conversam e brincam com ele. Esse comportamento infantil faz com que desenvolvam diversas habilidades, inclusive a expressão verbal, pois, ao falarem com eles em voz alta, elas se escutam, aperfeiçoando sua linguagem e fala, evoluindo da compreensão das palavras para a própria comunicação, além de relaxá-las e regular seu estado emocional; sem deixar de considerar o desenvolvimento da sua criatividade e outros benefícios decorrentes dessa dinâmica.
Na fase de bebê, em que a figura da mãe marca presença com alimento, proteção, até mesmo com o calor do corpo, os bichinhos de pelúcia constituem uma forma de prazer e segurança, inclusive ajudando-os a dormir sozinhos.
Geralmente, os bebês começam a procurar esses objetos de apego por volta dos 9 meses de idade, desempenhando uma importante função psicológica, uma relação que abandonam entre os 4 e os 6 anos, quando entram na fase da sua autonomia, e a capacidade de socializar com outras crianças, tornando-se independentes. Gradualmente, elas se esquecem deles, mas os guardam em algum lugar do quarto.
Quando brincam, se as observarmos, compreenderemos o seu mundo interior – tão indecifrável – já que consideram os ursinhos companheiros de brincadeira, amigos inseparáveis e até lhes dão nomes. Fenômeno qualificado, na psicologia evolucionista, como apego transicional, mas que cumpre uma função importante para o bebê ou criança, transmitindo segurança, proteção, companhia, fonte de prazer e forma de explorar o mundo ao seu redor.
Ao longo do último século, ocorreu uma revolução tecnológica, cada vez mais acelerada, que substituiu o ursinho de pelúcia, e pior ainda… as palavras, sorrisos e abraços, das crianças.
Os adultos têm cada vez menos tempo para se dedicarem aos seus filhos. Cuidando das suas coisas, optam por dar-lhes um aparelho para brincar ou, no caso dos mais velhos, deixá-los livremente em frente a uma tela, usando a tecnologia como “chupeta” emocional…
Opinião das Instituições de saúde
Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França, as crianças de 2 anos de idade são expostas a telas por cerca de 3 horas por dia, enquanto as de 8 anos ficam diante das telas por quase 5 horas e os adolescentes por mais de 7 horas – o equivalente a um ano antes dos 7 anos de idade.
Com isso, elas perdem uma das coisas mais importantes: o vínculo afetivo, que influencia muitos aspectos da vida.
Assim, a Organização Mundial da Saúde recomendou que as crianças não sejam expostas a telas até os dois anos de idade, e que passem no máximo uma hora na frente delas entre os três e os quatro anos. Os especialistas esclareceram que “quanto menos tempo, melhor”.
A Academia Americana de Pediatria recomenda que nenhum dispositivo eletrônico seja usado antes dos 18 meses; entre 18 e 24 meses, se o conteúdo for adequado à idade, desde que acompanhado por um adulto; entre 2 e 5 anos, no máximo uma hora por dia, supervisionado por um adulto. A partir dos 6 anos, o tempo de exposição deve ser limitado, com conteúdos apropriados que não afetem o sono, a sociabilidade e a atividade física.
O motivo é simples: as telas têm um duplo efeito negativo, tanto pelo conteúdo que veem quanto pelas atividades que deixam de fazer para passar tempo com elas. Não brincam, não correm, não desenvolvem a imaginação, não interagem!
A relação entre o uso da tela e a saúde mental é uma das principais preocupações, não só pelo impacto que podem ter no desenvolvimento cognitivo, mas também por alterar a forma como adultos e crianças se relacionam. É fundamental que as crianças sejam capazes de olhar um rosto, interpretar uma emoção ao ver os gestos do interlocutor, principalmente da própria mãe. A criança é uma pessoa que deve ser ouvida e merece ser cuidada; ela precisa de contato social e comunicação para desenvolver as habilidades interpessoais, especialmente durante os primeiros anos. A idade pré-escolar é a fase em que o cérebro evolui mais rapidamente e as telas acabam por ter impacto no desenvolvimento neurológico, com efeitos negativos nas capacidades linguísticas, de leitura, emocionais, sociais e até motoras.
Se apenas oferecermos distração digital…, estaremos dando “junk food mental” para bebês e crianças pequenas. Quando as colocamos diante de uma tela, privamos essas crianças de experiências valiosas: expressões faciais, entonação vocal e linguagem corporal nas interações com seus pais.
Tudo isso, aproveitando a flexibilidade neuronal das crianças, não só é encantador, mas também auxilia no correto aprendizado e desenvolvimento de habilidades da criança. Caso contrário, o potencial dos seus primeiros anos será desperdiçado.
Quem tem problemas com o uso das telas são os pais, que os impede de interagir com os filhos. Muitos estão presos aos celulares e não conversam o suficiente com os filhos.
É crucial restabelecer as rotinas familiares, promover passeios em contato com a natureza e se desconectar das telas para se conectar com as crianças. Não nos iludamos, os pequenos aprendem mais por meio de experiências reais do que com uma tela.
Por Pe. Fernando Gioia, EP
Publicado originalmente em La Prensa Gráfica de El Salvador, 10 de março de 2024.
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