Após uma audiência interminável e absurda, outra decisão tenta bradar “fim” para o menino-réu, cujo crime é lutar para respirar
É difícil dizer palavras comedidas e sóbrias diante do que parece ter sido o (enésimo) veredito de morte sentenciado pelo juiz Hayden, após uma torturantemente interminável audiência que se arrastou a portas fechadas enquanto, no hospital, o pequeno grande guerreiro Alfie Evans lutava pela vida – sem os aparelhos, desconectados ainda na noite anterior, e sem as carícias dos pais, obrigados mais uma vez a se ausentarem para enfrentar um doentio ritual judiciário que, a essa altura, parece apenas determinado a fazê-los sofrer, num edifício cercado de tantos policiais que até pareceria que ali se julgavam terroristas ou criminosos de guerra.
Uma audiência surreal
Além de virem ao caso com urgência sérias considerações sobre um sistema legal que permite que o mesmo juiz se pronuncie tantas vezes e sob tantas contestações sobre o mesmo caso, é altamente questionável, de novo, o “embasamento” da sentença de morte teimosamente mantida pelo juiz Hayden.
Não tendo ainda sido disponibilizado o texto oficial da sentença, as informações deste artigo coletam dados veiculados por vários meios informativos britânicos e italianos, em especial os publicados por Josh Halliday, correspondente do jornal The Guardian em Manchester, cidade onde aconteceu a audiência de hoje.
Quando Paul Diamond, advogado da família Evans, pediu a autorização para retirar Alfie do hospital afirmando que isto seria “simplesmente uma demonstração de humanidade e bom senso“, o juiz o acusou de usar uma linguagem que, segundo ele, é “uma ridícula irracionalidade emocional” (!)
Não contente, Hayden ainda declarou não querer “que o tribunal seja usado como vitrine para banalidades e palavrórios, mas sim para uma apresentação adequada” em nome da família de Alfie.
O juiz também usou a expressão “malign hand” (“mão maligna“) para (des)qualificar o estudante de direito Pavel Stroilov, que teria aconselhado Tom Evans a processar médicos do hospital Alder Hey por tentativa de homicídio. Como se fosse advogado do hospital em vez de juiz neutro e imparcial, Hayden afirmou que a instituição tem oferecido a Alfie nada menos que “world class care“, ou seja, “cuidados de primeiro mundo“.
Depois disto, o advogado do hospital afirmou que os médicos teriam comunicado aos pais de Alfie, ontem à tarde, que o bebê poderia sobreviver “minutos, horas ou mesmo dias” após a remoção do suporte vital, quando o fato verdadeiro é que os médicos pretendiam aplicar-lhe Fentolyn e só não o fizeram porque Thomas Evans, o pai herói, levantou a voz para impedi-los de assassinar o pequeno Alfie por overdose. “A eutanásia“, advertiu o prudente e jovem pai de 21 anos, “é ilegal neste país“.
Fatos e versões
Ainda a respeito de fatos e versões sobre o que realmente aconteceu em torno àquele quarto de hospital nesta madrugada e nesta manhã, é relevante – e assustador – observar questionamentos e perplexidades, em meio ao fluxo desencontrado de notícias, sobre a suposta ação do juiz Hayden no começo deste dia para mandar retirar da internet as declarações em que Tom, falando à imprensa, contou ter conversado de coração aberto com os médicos, na madrugada, e ouvido deles próprios a seguinte admissão: “Tom estava certo; Tom tinha sempre estado certo“. Obviamente, se Tom estava certo, o juiz estava errado.
Voltando à sentença desta tarde: é também chamativo que o juiz Hayden tenha descartado a transferência de Alfie para Roma, quando, ao mesmo tempo, pediu que o hospital considerasse autorizar os pais a levarem o bebê para casa. Ora, se for reconhecido aos pais, finalmente, o direito óbvio de retirar o filho do hospital, o que exatamente os impediria de levá-lo a outro hospital, no lugar que bem entendessem, fosse em Roma ou em qualquer outra cidade? Eles poderão levar Alfie para casa, mas estarão proibidos de levá-lo a um hospital?
Hospital e juiz ainda tiveram tempo de criticar, durante a audiência, algumas pessoas do entorno da família Evans que, segundo eles, seriam responsáveis por “alimentar falsas esperanças“. O juiz chegou a referir-se a uma dessas pessoas como “um jovenzinho fanático e iludido“. Estes, acaso, serão termos técnicos do jargão jurídico? Não era este juiz quem estava acusando o advogado dos Evans de “ridícula irracionalidade emocional“?
Vitimismo e subjetivismo médico
Falando em irracionalidade, um médico da equipe que “tratou” de Alfie durante esta noite (e as aspas são imprescindíveis) informou ao tribunal que o hospital só poderia liberar o bebê para ir para casa em no mínimo 3 a 5 dias, mas que a “hostilidade para com os médicos” torna isso “impossível no momento“. O doutor ainda agregou que “é de partir o coração que precisemos justificar o fato de querer o melhor para a família de Alfie” (!)
Para um juiz que acusou o advogado dos Evans de “ridícula irracionalidade emocional“, acaso essas declarações do médico são exemplo de linguagem científica, objetiva, a ser aceita como informação técnica?
O médico declarou que a equipe está “com medo” da agressividade contra eles. Estamos falando dos médicos de um hospital em que pelo menos 40 policiais estiveram de guarda só na madrugada de ontem, enquanto Alfie lutava pela vida respirando sozinho depois que um juiz decretou que os seus pais não podiam impedir os médicos de lhe desconectarem os aparelhos de ventilação artificial! E são os médicos os que estão com medo?
O caso é que, sob intensa pressão político-diplomática, sob o escrutínio internacional e espumando de raiva, o juiz se revelou assustadoramente carente de embasamento técnico e até de formas equilibradas de se referir às pessoas envolvidas no drama que ele é pago para julgar com imparcialidade: ao mesmo tempo em que tentou ridicularizar os jovens pais, os seus familiares e o seu advogado ao acusá-los de “irracionalidade emocional” e de “ilusão fanática“, acatou um discurso puramente vitimista e subjetivo de um médico que deveria ter argumentado com informações objetivas sobre o real quadro de Alfie.
De volta ao mundo real e brutal do hospital
Enquanto esses mesmos “doutores” procuram segurar o bebê no hospital o tempo necessário para que ele morra, quem teve de limpar o catarro de Alfie nesta madrugada foram os seus próprios pais – e não os enfermeiros e enfermeiras da instituição que parece esmerar-se muito mais em enredos jurídicos do que em cumprir a sua missão de salvar vidas humanas. Mais chocante: Tom declarou que foram ele e Kate que tiveram de fazer respiração boca-a-boca em Alfie quando os seus lábios ficaram azuis após a extubação, e não as enfermeiras e enfermeiros do hospital.
Ao encaminhar para a nossa redação as informações usadas nesta matéria, o enviado especial de Aleteia Itália à Inglaterra, Giovanni Marcotulio, testemunhou:
“Enquanto escrevo, estão atrás de mim os tios e os avós de Alfie. Eles tentam matar a ansiedade fazendo o esforço descomunal de sorrir em silêncio. São pessoas simples e boas”.
São o tipo de pessoa que o juiz Hayden define como “fanáticas e iludidas”.