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Tempestades da vida

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Analisando os acontecimentos ao longo da História, veremos que Deus permite às almas e às grandes instituições momentos de grande tribulação. Por que?

Redação (20/06/2021 09:29, Gaudium Press): Lê-se nas Escrituras que Nosso Senhor, em meio às longas jornadas, ensinando e pregando ininterruptamente ao povo, buscava descanso em três refúgios: no monte, no deserto ou no barco.[1]

Após o sermão da Montanha e a realização de sinais e curas em Cafarnaum, encontra-se, na liturgia de hoje, a decisão do Divino Mestre de partir com seus discípulos rumo ao mar, pois Cristo buscava descanso para Si e para os seus.

No entardecer daquele dia, – descreve o Evangelho – tendo os discípulos despedido as multidões, entraram com Jesus na barca. Mal tinham adentrado nas águas, uma forte ventania soprou, e as ondas lançavam-se com violência sobre a embarcação, de modo que esta já começava a encher. Contudo, Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Então, os discípulos, tomados de pavor, acordaram-No e disseram:

“‘Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?’ Ele se levantou e ordenou ao vento e ao mar: ‘Silêncio! Cala-te!’ O vento cessou e houve uma grande calmaria. Então Jesus perguntou aos discípulos: ‘Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?’ Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: ‘Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?’ (Mc 4, 38-41)

            Ao comentar esta passagem do Evangelho de São Mateus, São João Crisóstomo ressalta certo pormenor despercebido por São Marcos: antes mesmo de dar ordens ao mar, Jesus primeiramente se dirige aos Apóstolos, dizendo: “Homens de pouca fé, por que tendes tanto medo?” (Mt 8, 26). Ou seja, “antes mesmo de acalmar a tempestade, apazigua-lhes a [tempestade] de suas almas, e repreende-os pela falta de fé, pois ainda não eram capazes de acreditar que Jesus fosse capaz de realizar um milagre, estando dormindo”.[2]

Ora, por que Nosso Senhor permitiu esta tempestade? Será um castigo pela falta fé dos Apóstolos? Crisóstomo responde: “O Senhor permitiu esta tempestade para exercitá-los na fé, e dar-lhes esta prova como um prelúdio das tormentas que lhes sobreviriam”.[3]

As tormentas interiores

Se analisarmos os acontecimentos, veremos que, ao longo de toda a História, Deus também permitiu às almas e às grandes instituições momentos de grande tribulação.

Nesta linha, o santo carmelita, João da Cruz, denomina tais provas como “noites escuras”. Isto é, ocasiões em que “quanto mais a alma se aproxima de Deus, mais profundas são as trevas que sente, maior a escuridão, por causa de sua própria fraqueza”.[4] Às vezes, em meio à tempestade, um ou outro raio cai nas águas agitadas de nossa alma, e ilumina nosso horizonte, mas logo as trevas obscurecem esta luz, e encontramo-nos novamente na escuridão. São as “águas tenebrosas, símbolo da escuridão de nosso entendimento, e da toldada contemplação de Deus”.[5]

Como então se unir ao Criador? “Se queres, ó alma, unir-te e desposar-te comigo, hás de vir interiormente vestida de fé”.[6] Pois “esta brancura da fé reveste a alma na saída desta noite escura, quando caminha em meio às trevas interiores”.[7]

Deus prova, pois, a alma deste modo, porquanto quer vê-la “despojada das coisas do mundo, tirando o seu coração de todas elas – sem prendê-lo a nada –, para elevá-la com vivacidade e ânimo, às alturas da vida eterna”.[8] Por isso, “confiem em Deus, pois Ele não abandona aos que O buscam com simples e reto coração. Não lhes deixará de dar o necessário para o caminho até conduzi-los à clara e pura luz do Amor”.[9]

Santa Catarina de Sena, a grande mística do século XIV, foi uma representação de inteira correspondência em meio às “noites escuras” de sua vida. Conta-se que ainda jovem, pouco tempo depois de ter recebido o hábito da Ordem de São Domingos, padeceu duras tentações contra a pureza. Muitos demônios a rodeavam, repetindo palavras impuras e obscenas em seus ouvidos. Ela, porém, se refugiava na oração e clamava a Deus em seu interior para que a tempestade se acalmasse. Todavia, nenhuma voz se fazia ouvir, nenhum auxílio sobrenatural parecia vir em seu socorro. Naquela procela interior em que se encontrava, Deus parecia repousar em um profundo sono…

Certo dia, entretanto, ao voltar da Igreja, Nosso Senhor apareceu-lhe radiante de luz, e Catarina, transbordante de alegria, exclamou:

– Senhor, onde estáveis Vós quando meu coração se sentia atormentado de tantas impurezas?

– Catarina – respondeu-lhe Nosso Senhor – Eu estava em teu coração! Eu obrava em ti, defendia teu coração contra o inimigo, estava em teu interior e não permitia as acometidas do demônio, senão quando podiam redundar em tua salvação”.[10]

Em meio às tormentas da barca de Pedro

Ora, como anteriormente mencionado, não é apenas sobre as almas que advêm estas “noites escuras”. A Santa Igreja, ao longo de dois mil anos de sua existência, também percorreu por vezes estes itinerários de tribulações: heresias, martírios, traições e horrendas abominações desencadearam-se sobre Ela. Momentos estes em que a barca de Pedro parecia soçobrar inevitavelmente, no mais profundo dos mares da completa rejeição dos maus, e da tibieza dos bons. No entanto, as palavras de Cristo: “As portas do inferno não prevalecerão contra Ela”, sempre ressoaram nas trevas das calamitosas tempestades, fazendo-A ressurgir ainda mais rejuvenescida, Santa e Imaculada.

Se nas atuais circunstâncias, Deus parece “dormir”, não duvidemos: próxima está Sua intervenção, pois Ele prometeu: “Eis que estarei convosco até o fim dos tempos” (Mt 28, 20).

Por Guilherme Motta


[1] Cf. REMÍGIO. Apud TOMMASO D’AQUINO. Catena aurea: Vangelo secondo Marco IV, 35-41. Bologna: ESD, 2012, v. 3, p. 169.

[2] JUAN CRISOSTOMO. Homilías sobre San Mateo XXVIII, n. 1. Madrid: BAC, 2007, v. 57, p. 568.

[3] Ibid., p. 570.

[4]  JOÃO DA CRUZ. A Subida do Monte Carmelo, Noite Escura, Cautelas. Rio de Janeiro: Vozes, 1960, p. 377.

[5] JOÃO DA CRUZ. A Subida do Monte Carmelo, Noite Escura, Cautelas. Rio de Janeiro: Vozes, 1960, p. 377-378.

[6] Ibid., p. 394.

[7] JOÃO DA CRUZ. A Subida do Monte Carmelo, Noite Escura, Cautelas. Rio de Janeiro: Vozes, 1960, p. 377-378.

[8] Ibid., p. 394-395.

[9] Ibid., p. 315.

[10] Cf. ALVAREZ, Paulino. Santa Catalina de Sena. ed. 3. Vitoria: Vergara, 1926, p. 74-75.

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