InícioNotícias da IgrejaUm pouco de história do Sacramento da Penitência

Um pouco de história do Sacramento da Penitência

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No período medieval, vigoravam diferentes formas de se administrar o sacramento da Penitência: a confissão privada e a confissão pública. Em que contexto histórico encaixavam-se estes costumes?

Redação (09/04/2022 16:50, Gaudium Press): Com o passar dos séculos de Cristianismo, a Santa Igreja teve a oportunidade de esclarecer e definir – sob a inspiração do Divino Espirito Santo – muitos problemas teológicos e doutrinários, como os concernentes ao Sacramento da Penitência.

Já em fins do século XII, era incentivada a assídua frequência a este Sacramento. Aos medievais, como aos cristãos de todos os tempos, estava bem claro que quem perdoava os pecados era Deus, mas o papel do ministro (bispo ou sacerdote), do penitente e do poder das chaves, exercido pela Santa Igreja para a absolvição dos pecados, ainda eram questões que não estavam plenamente esclarecidas e explicitadas.

Diversas opiniões e a chancela do papa

No período medieval, havia diversas opiniões baseadas em Padres da Igreja, em santos e em teólogos, sobre a forma e o efeito deste Sacramento. Alguns o interpretavam afirmando que o fruto da contrição é o perdão de Deus, e, portanto, anterior ao Sacramento, sendo o processo sacramental uma reconciliação com a Igreja. Outros, como Hugo de São Vitor, afirmavam que tendo o pecado uma dupla pena, a “falta” se perdoava pela contrição e o “débito da condenação eterna” pela absolvição; e consentia em dizer que os mesmos Apóstolos impuseram a obrigação aos pecadores de que se confessassem. Para Ricardo de São Vitor, por sua vez, unia-se o perdão das faltas à contrição seguida da absolvição, transformando a pena eterna em temporal, através da penitência dada pelo ministro.

Ora, a problemática que envolvia o Sacramento da Penitência foi sendo esclarecida no decorrer do século XIII, graças aos Vitorinos, especialmente quando harmonizadas com a teologia sacramental de São Tomás de Aquino, onde se patentearia, além da necessidade da contrição do pecador, a exigência de um ministro, como representante de Deus e da Igreja para o perdão dos pecados.[1]

Posteriormente, Papas se pronunciaram a respeito deste Sacramento, como Inocêncio III, que proclamou, de acordo com a Tradição da Igreja, no IV Concílio de Latrão (1215), a Confissão como valor de direito divino; e, de acordo com o costume da Igreja Latina, estabeleceu a disciplina da confissão anual a todo batizado com uso de razão e em estado de pecado grave.[2]

Por fim, o Concílio de Trento (1551) corroborou esta doutrina, dando o seu pleno assentimento e chancela definitiva.

Formas penitenciais de confissão

Diferentes formas penitenciais de confissão (dos medievais) eram apresentadas nos Pontificais: o Romano-Germânico, por exemplo, redigido no ano de 950, apresenta duas formas de penitência: a privada e a pública.

A privada, fruto da Reforma Carolíngia, requeria por parte do penitente uma preparação realizada pelo confessor, meditando as verdades fundamentais da fé, bem como a análise de culpas e ofensas exibidos nos livros penitenciais para o exame de consciência. Depois de cada pecado confessado era dada a penitência; rezava-se com o ministro os salmos penitenciais e então o fiel era absolvido de suas faltas. Por fim, encerrava-se com a celebração eucarística da Santa Missa.

A Penitência pública tinha como sistema confessional a aceitação dos penitentes na quarta-feira de cinzas, onde lhes era imposto as cinzas sobre suas cabeças em sinal da penitência que exerceriam ao longo de toda Quaresma, em reparação por suas culpas. Concluía-se a abstinência no Sábado Santo, recebendo do sacerdote a absolvição ou a reconciliação pública.

Outro Pontifical, o da Cúria Romana, no início do século XIII, oferece uma tríplice disciplina confessional: a Penitência privada, a pública solene e a pública não solene.

A Penitência privada e a solene pública seguiam o mesmo rito indicado pelo Pontifical Romano-Germânico.[3] Já a Penitência pública não solene destinava-se aos leigos com pecados não públicos e a sacerdotes com pecados escandalosos, uma vez que pela dignidade do sacerdócio não podiam receber semelhante humilhação, como no caso da Penitência pública solene. Outro nome dado a esta forma de confissão, era a de “peregrinação penitencial”, pois o rito consistia em partir em espírito de peregrinação a um santuário estabelecido, como os existentes em Roma, em Santiago ou em Jerusalém, onde era entregue ao pároco do lugar um bastão e uma bolsa, símbolo dos utensílios do peregrino, que recebia, assim, a absolvição de suas faltas.[4]

Devido ao laxismo moral, a Santa Igreja determinou – a partir do século XIII – que estas fórmulas de absolvição seriam aceitas com a condição de que anteriormente o penitente tivesse se arrependido e confessado seus pecados.

Por fim, com o Concílio de Latrão e de Trento, desapareceram as formas de Penitência pública, permanecendo apenas a Penitência privada, a qual permanece até nossos dias.

Por Guilherme Motta


[1] “Deve-se dizer que somente Deus absolve do pecado e o perdoa por sua autoridade. Os sacerdotes, porém, fazem as duas coisas à maneira de serviço ministerial, no sentido de que as palavras do sacerdote atuam nesse sacramento enquanto causa instrumental. […] na verdade, é o poder divino que age interiormente em todos os sinais sacramentais, quer sejam coisas, quer palavras. Por isso, o Senhor referiu-se a ambas as coisas ao dizer a Pedro ‘tudo o que desligares na terra’ etc., e aos discípulos: ‘A quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados’. Desta sorte, o sacerdote de preferência diz: ‘Eu te absolvo’ a ‘Eu te perdoo os pecados’, porque isto responde mais às palavras do Senhor que manifestam o poder das chaves pelo qual os sacerdotes absolvem”. SÃO TOMÁS DE AQUINO. S. Th. III, q. 84, a. 3, resp.

[2] “Cada fiel, de um e de outro sexo, chegando à idade da razão, confesse lealmente, sozinho, todos os seus pecados a seu próprio sacerdote, ao menos uma vez ao ano, e se aplique a cumprir, segundo suas forças, a penitência que lhe foi imposta”. In: DH 812.

[3] Convém ressaltar que em Roma, a confissão pública era feita na Igreja de São João de Latrão.

[4] Entende-se também os Cruzados e membros de Ordens Penitentes, na situação de peregrinos flagelantes, que costumavam também ir em peregrinação ao túmulo de Jesus e dos Apóstolos, a fim de receberem a absolvição geral, que também possuía o valor sacramental.

Obras consultadas:

CALPE, Espasa. Enciclopédia Universal Ilustrada: Europeo-Americana. Madrid: Espasa Calpe, 1921, v. 14, p. 1153.

FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ, Pedro. El sacramento de la Penitencia. 2 ed. Madrid: Edibesa, 2003, p. 196-202.

HEINRICH DENZIGER. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. Trad. José Marino Luz e Johan Konings. São Paulo: Paulinas: Loyola, 2007, p. 288.

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. 2 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005, v. 9, p. 474.

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